Em um ano no qual o bitcoin e as criptomoedas de forma geral experimentam uma forte correção de preços, milhares de clientes da plataforma de negociação de cripto MSK Invest alegam ter perdido o dinheiro investido por conta de promessas não cumpridas.
Segundo relatos ouvidos pela Folha, clientes investiram até R$ 600 mil, atraídos pela oferta de ganhos polpudos com a negociação de criptomoedas, geralmente por recomendação de familiar ou amigo próximo que já havia depositado alguma quantia e estava recebendo o que havia sido acordado.
Investigações conduzidas pela Polícia Civil de São Paulo apontam para a suspeita de que a operação pode se tratar de um esquema de pirâmide financeira e de lavagem de dinheiro, que teria atraído cerca de 4.000 clientes e movimentado aproximadamente R$ 700 milhões.
Procurada, a MSK não respondeu aos pedidos de entrevista.
Segundo pessoas que fizeram investimentos junto à MSK, ao longo de 2019 e 2020, e também durante boa parte de 2021, a empresa chegou pagar os juros estabelecidos em contrato nas datas acordadas.
Em dezembro de 2021, contudo, a MSK divulgou um primeiro comunicado em suas redes sociais, dizendo que teria de descontinuar o produto oferecido aos clientes, segundo ela própria, por conta de regulações do mercado cripto em discussão no Congresso que dificultariam as operações e a possibilidade de obtenção de ganhos com as criptomoedas.
Na ocasião, a empresa apresentou um distrato, no qual se comprometia a retornar os valores inicialmente aportados pelos clientes, já sem a incidência dos juros prometidos, em dez parcelas iguais, a partir de janeiro de 2022.
No dia 13 de janeiro, a MSK fechou um acordo com o Procon-SP, no qual reforçou o compromisso de devolver o dinheiro aos clientes, mas postergando o início dos pagamentos para março.
Cerca de duas semanas depois de ter feito a promessa junto ao órgão de defesa do consumidor, no entanto, a empresa surgiu com novo argumento, de que o principal operador de criptos da MSK teria desviado os bitcoins que supostamente estariam sob sua posse, inviabilizando, assim, a devolução dos valores aos clientes.
Em entrevista à Folha, o operador acusado pela MSK nega as acusações. Saulo Gonçalves Roque diz que mantinha com a empresa apenas um contrato para prestar consultoria a respeito das tendências do mercado cripto, mas que não tinha autorização para acessar as supostas criptomoedas sob posse da MSK.
"Me coloquei à disposição das autoridades, meus depoimentos foram cruciais para as investigações e não me apropriei de qualquer criptomoeda da MSK", diz Roque. "A MSK não passa de uma farsa", diz.
Advogado do escritório Fernando Martins Advogados Associados que atua na defesa de cerca de 50 clientes lesados pela MSK, Paulo Vianna diz que um dos sócios da empresa, Glaidson Tadeu Rosa, já conhecia Saulo antes mesmo do início das atividades da MSK, em meados de 2016.
Segundo Vianna, eles teriam se conhecido quando Saulo atuava com investimentos em criptomoedas na empresa STM, e, na ocasião, o sócio da MSK já teria enfrentado problemas para receber os valores aportados no negócio. E, mesmo assim, o contratou para prestar serviços à empresa anos depois, segundo o advogado.
"No processo que os sócios da MSK, o Glaidson Rosa e o Carlos Eduardo de Lucas, abriram contra o Saulo, eles o acusam de ser o gestor das carteiras de cripto da empresa e que foram roubados, se isentando de culpa, mas não falam da relação anterior que já existia entre eles, o que é completamente contraditório", diz o advogado.
Segundo a advogada Elaine Keller, do escritório Keller Sociedade Advocacia, que atende cerca de 200 clientes que investiram dinheiro na MSK, os argumentos utilizados pelos sócios da empresa para postergar os pagamentos foram feitos somente para que ganhassem tempo e conseguissem desviar a maior parte dos valores detidos dos clientes.
Ela diz que, em abril, a MSK chegou a entrar com um pedido de recuperação judicial, mas a nova tentativa de retardar o processo que busca restituir os clientes foi indeferida pela Justiça.
"É impossível assegurar em contrato um retorno de investimento fixo e mensal, e no patamar que eles apontavam, ainda mais se tratando de um ativo volátil como são as criptomoedas", diz a especialista. "Todo o cenário envolvendo a empresa indicava as características de uma operação fraudulenta e de pirâmide financeira", acrescenta.
Investidores venderam carro e convenceram parentes
Iza Sconza, moradora de São Paulo de 64 anos, conta que estava desempregada durante a pandemia e reuniu as economias que havia guardado com o marido, que até então ficavam na poupança. Ela procurava um rendimento maior para fazer frente às contas do dia a dia que começavam a se acumular.
Após sugestão de uma sobrinha que já havia aplicado na MSK, Sconza aportou cerca de R$ 150 mil na empresa, em meados de abril de 2021. Iza conta que acabou convencendo o filho mais novo a também aplicar suas reservas financeiras no negócio, com um valor adicional de R$ 40 mil.
Depois de receber os juros pelos seis primeiros meses do contrato e ter feito a renovação do acordo, ela diz que, em meados de novembro do ano passado, os pagamentos começaram a atrasar, até que, em dezembro, deixou de receber qualquer valor por parte da MSK.
Segundo ela, o filho, que sofre com problemas cardíacos, teve uma arritmia grave ao tomar conhecimento das alegações da empresa de que não teria mais os valores e desenvolveu nos últimos meses um quadro de depressão.
"Em função desta situação com meu filho, entrei em contato com a empresa e implorei para que devolvessem os R$ 40 mil dele. Disse que nem precisavam devolver o meu dinheiro, mas que era a saúde do meu filho que estava em jogo, mas ninguém deu a menor atenção."
Já uma corretora de seguros do Rio de Janeiro que prefere não se identificar diz que foi convencida sobre o investimento após receber a indicação de um colega com quem havia trabalhado na área de seguros.
Segundo ela, o discurso bastante convincente do colega a respeito da seriedade do negócio a levou a acreditar que se tratava de uma empresa idônea.
A corretora conta que a inauguração de uma sede considerada de alto padrão da MSK na região da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, ajudou a formar uma imagem positiva. Havia ainda uma sede na região da avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, onde se concentra um grande número de empresas em São Paulo.
Ela diz que investiu cerca de R$ 200 mil em agosto do ano passado, vendeu o carro para complementar o valor, e ainda teria convencido o pai, já aposentado, a aportar outros R$ 50 mil no negócio.
A partir daí, os relatos da série de clientes ouvidos pela reportagem se repetem, com o pagamento dos juros acordados nos primeiros meses após o contrato, a interrupção dos pagamentos no final do ano passado e a falta de qualquer auxílio por parte da empresa após as alegações de desvio das criptomoedas por um de seus funcionários.
Atenção para promessas de lucros fora do padrão
Segundo o delegado José Mariano de Araújo Filho, do DPPC (Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania), que conduz o inquérito envolvendo a MSK, a polícia obteve autorização judicial para a quebra do sigilo bancário e fiscal da empresa e dos principais sócios, e busca agora fazer o rastreamento do dinheiro que teria sido desviado por meio de outras empresas do grupo e possíveis laranjas, na tentativa de recuperar os valores e, dessa forma, ressarcir os clientes prejudicados.
"A empresa aparenta ser uma pirâmide financeira, mas isso só a análise econômica e financeira das provas vai comprovar", diz o delegado, que levanta ainda a suspeita do crime de lavagem de dinheiro.
Diretor-executivo do Procon-SP, Guilherme Farid diz que os consumidores devem dobrar a atenção quando se deparam com promessa de retorno fora dos padrões de mercado, como era o caso da MSK.
"Em especial, quando o negócio envolve criptomoedas, um tipo de ativo conhecido tanto pela volatilidade acentuada, como também por não distribuir qualquer tipo de dividendo que poderia eventualmente ser repassado ao cliente", diz Farid. Para ele, outro ponto de atenção é o fato de o mercado cripto ainda não contar com uma regulação robusta no país.
O diretor afirma que, após celebrar o acordo com a MSK e notar que as reclamações de clientes continuavam se avolumando, encaminhou em fevereiro ofício ao DPPC, solicitando a apuração das denúncias. A área de fiscalização do Procon-SP conduz investigação sobre o caso, que poderá resultar em uma multa de até R$ 13 milhões contra a empresa.
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