Em "Marcello Mio", Chiara Mastroianni, a filha de Mastroianni, e Catherine Deneuve parecem ter se enchido de tanto ouvir que a primeira é a cara de Marcello. Chiara decide, então, ser Marcello. O que começa quase como uma brincadeira em pouco tempo se transforma em crise de identidade.
As coisas não são simples. Catherine Deneuve, sua mãe, tenta convencê-la de que é tão filha dela quanto de Marcello. A diretora de um filme que está prestes a ser gravado, Nicole Garcia, procura uma atriz, mas Chiara não aceita se submeter aos seus desejos. Para completar, seu parceiro no filme de Garcia, Fabrice Lucchini, decide se tornar parceiro da nova identidade de Chiara. Diz que tudo que queria na vida era ser amigo de Marcello. Agora conseguiu!
Não é difícil perceber que estamos diante de uma ideia sem grande futuro, que Christophe Honoré tenta conduzir com a maior honestidade. E é verdade que Chiara parece por vezes um carbono feminino de Mastroianni-pai, o que muita gente lamenta, pois não sobrou praticamente nada da Deneuve para a filha.
No mais, Deneuve tenta convencer a filha de que ela possui um lugar no cinema e que o conquistou por seu talento etc, etc. Mas nessa altura o mal já está feito. E, se para alguma coisa serve o filme, no fim das contas, é para nos mostrar que Chiara não é, afinal, Marcello. Nem mesmo fisicamente. Quando se veste como o pai, a distância entre os dois se mostra com clareza.
A partir de determinado ponto, o argumento se divide. De um lado, Marcello-Chiara passa a explicitar a falta que sente do pai. Da Maria Callas que, quando pequena, escutava junto dele, por exemplo. Sintomas do amor que sentia por ele. De outro, existe uma exacerbação da imagem de Marcello Mastroianni. São algumas das melhores sequências do filme.
Chiara acredita cada vez mais que é Marcello, o que dá vez ao aparecimento de um Melvil Poupaud, que teme pela sanidade mental de Chiara, e de um programa da televisão italiana, em que Stefania Sandrelli a escolhe como melhor sósia de Marcello.
Bem resumido, temos aqui um punhado de nomes importantes dos cinemas francês e italiano à procura de um ator, de um monstro sagrado do cinema mundial, comandada por uma Chiara que também sabe ser uma bela atriz, mas decepcionou quem entendia que uma filha de Deneuve e Mastroianni somaria a os talentos, fama e encantos dos dois progenitores.
Como a impressão final é a que fica, "Marcello Mio" parece um lugar, um gesto de nostalgia em relação não apenas ao ator como a um tempo em que o cinema europeu tinha uma vitalidade que hoje raramente aparece para valer, com exceção dos filmes de filhos e netos de pessoas vindas das antigas colônias.
Não faltam problemas reais na Europa que mais produz filmes —França e Itália, por vezes Alemanha—, talvez ainda seja difícil para o cinema dar-lhes forma. "Marcello" parece mais um sintoma dessa falta de sintonia do cinema com a vida real do que de fato uma homenagem a um ator que faz falta à filha, aos amigos e, afinal, também a nós, espectadores.
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