Professores de escolas na periferia e com mais alunos negros ganham menos em SP

Docentes com mais tempo de serviço acabam por optar por unidades centrais, diz estudo que aponta disparidade salarial

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São Paulo

Professores de escolas municipais de São Paulo ganham menos em áreas mais pobres e com mais alunos pretos, pardos e indígenas, mostra estudo realizado em parceria entre a Fundação Tide Setubal e a Transparência Brasil.

O trabalho analisou os pagamentos mensais de 2019 aos educadores da rede e os cruzou com três indicadores dos colégios da prefeitura onde eles lecionam: localização, Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) e proporção de alunos pretos, pardos e indígenas.

Medido pela Fundação Seade, o IPVS leva em conta fatores como renda, saúde e escolaridade, entre outros. Na cidade de São Paulo ele varia entre 1, no Jardim Paulista (o melhor), e 3,9, em Lajeado, no extremo leste (o pior). O estudo mostra que, a cada ponto do IPVS, o valor médio da hora do professor cai R$ 4.

Muro com pintura descascada da EMEF Dom Paulo Rolim Loureiro, no bairro Cidade Nova São Miguel, zona leste de São Paulo
Muro da EMEF Dom Paulo Rolim Loureiro, no bairro Cidade Nova São Miguel, zona leste de São Paulo - Weslley Galzo/Folhapress

Para uma jornada de 30 horas semanais, a predominante na rede municipal, essa diferença resulta em um salário R$ 480 menor para uma diferença de um ponto no IPVS e de R$ 960 para uma variação de dois pontos.

Ao se olhar a proporção de pretos pardos e indígenas, a diferença no valor por hora vai para R$ 0,29 a cada percentual a mais de estudantes desses grupos na escola. Isso significa que, no final do mês, a média salarial dos profissionais de uma escola municipal com 40% de alunos pretos, pardos e indígenas é quase R$ 700 menor do que a de uma com 20%.

A sobreposição de desigualdades salariais não é coincidência. Escolas com maior proporção de alunos pretos, pardos e indígenas estão mais concentradas em bairros com maior vulnerabilidade social.

E o fato de elas, em regra, terem menores médias de vencimentos está ligado a características da progressão da carreira municipal, constatam os autores do estudo.

A progressão leva em consideração antiguidade e merecimento e, para os dois critérios, é considerado o tempo de serviço, seja como parâmetro principal ou secundário. Ele conta ainda para a concessão de adicionais como quinquênios e sexta parte.

Dessa forma, professores há mais tempo na rede municipal tendem a ganhar mais. E, além de salários melhores, eles têm prioridade nos concursos de remoção entre uma escola e outra.

Assim, os professores mais antigos e, portanto, mais bem remunerados acabam por se concentrar em áreas mais privilegiadas da cidade.

A prefeitura instituiu nos anos 1990 uma gratificação para o servidor que trabalha em local de difícil acesso, mas ela varia de R$ 26,75 a R$ 162,54 para professores, valores considerados pouco atrativos.

O Sinpeem, sindicato da categoria, pleiteia a revisão dos locais de difícil acesso. “A cidade mudou muito desde então, e surgiram escolas em áreas que nem sequer eram ocupadas naquela época”, diz Claudio Fonseca, presidente da entidade.

Em sua avaliação, a preferência de parte dos profissionais por áreas centrais está mais ligada a questões de ocupação urbana, como segurança e transporte, do que educacionais.

Professora do CEU Inácio Monteiro, em Cidade Tiradentes (zona leste), Angélica Hipólito, 41, conta que, há cinco anos, três professores pediram remoção após uma série de roubos de veículos na região.

Mas ela conta que o problema foi resolvido e, docente da escola há 12 anos, ela gosta de atuar lá. “É uma comunidade escolar tranquila, temos estrutura e é um local de fácil acesso, fácil de chegar da minha casa.”

Angélica faz parte de uma geração recente de professores formados em faculdades na própria zona leste, que preferem dar aulas perto de casa.

Simone de Souza Dias, 44, também dá aulas na zona leste. Sua escola, a Emei Rodrigues de Abreu, em Guaianases, é uma exceção na periferia da cidade.

A média salarial dos profissionais que lá atuam é similar à das unidades em áreas centrais da cidade. Um ponto azul em meio a outros vermelhos no mapa da desigualdade salarial.

Ex-aluna da própria escola e educadora ali há 19 anos, Simone encontrou ex-professoras suas quando começou a trabalhar lá e hoje leciona para filhos de ex-alunos.

Além da proximidade da sua casa e de conhecer as famílias dos estudantes, outro fator que conta muito para ela é a estrutura da escola, com parque, quadra e muito espaço para as crianças correrem.

“É o sonho de um professor, qualquer atividade que a gente planeja é possível fazer aqui”, diz.

Mas ainda assim ela vê desafios, e o futuro é o principal.

“Aqui atendemos 35 crianças por sala. A gente conhece regiões que conseguem atender 20”, diz. “Vejo muitos prédios sendo construídos na região, mas estão esquecendo de construir hospital, posto de saúde e escola para as famílias que virão. Eu vou me aposentar aqui, mas, para as próximas gerações, vai ser difícil.”

Mentoria e incentivos não financeiros são opções

O estudo aponta alguns caminhos para fixar por mais tempo profissionais em escolas da periferia.

Uma sugestão é usar o recurso da gratificação para locais de difícil acesso para um adicional mais significativo a ser dado a professores veteranos que possam atuar como mentores dos mais jovens em algumas unidades educacionais.

Outra possibilidade é a adoção de incentivos não financeiros, como reduzir a lotação das salas, assegurar mais segurança e oferecer oportunidades especiais de ascensão na carreira, além de fortalecer o projeto pedagógico.

O trabalho lembra que, em países como Coreia do Sul e Singapura, o professor, uma vez contratado, tem pouca flexibilidade para escolher onde irá trabalhar.

O importante, diz Pedro Marin, coordenador do programa de planejamento e orçamento público da Fundação Tide Setubal, é ter um olhar territorial no planejamento da política educacional. “O orçamento de pessoal é muito importante na educação. Se ele está sendo alocado de maneira regressiva, é muito difícil pensar numa maneira de essa política reduzir desigualdades”, diz.

Diretora de Operações da Transparência Brasil, Juliana Sakai aponta a importância da divulgação de dados territorializados para o controle social da política educacional do município.

Em nota, a Secretaria da Educação da gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmou apenas que todos os professores que ingressam na rede têm nível superior e cursos de formação no currículo.

A pasta cita a gratificação de difícil acesso e ressalta que “a evolução funcional do professor da rede municipal se dá através de tempo de carreira na rede e apresentação de títulos e não por localidade de ensino”.

A gestão municipal diz ainda que tem ampliado a transparência com a publicação de dados georreferenciados e de outras informações.

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