Deve ser particularmente dolorido para a esquerda, cuja autoimagem sempre foi a de única representante legítima das massas trabalhadoras, o fato de ter florescido uma direita popular no Brasil.
Não me refiro às maiorias que sustentaram as duas eleições de Fernando Henrique Cardoso, que apenas na propaganda de seus rivais do PT pode ser tachado de direitista. Ou alguém imagina FHC a elogiar torturadores, a aliar-se carnalmente aos Estados Unidos ou a incentivar trogloditas destruidores de florestas?
Direita é o que temos agora. E ela só chegou ao poder porque, a despeito de galvanizar o sentimento anti-establishment, atraiu simpatias na sociedade numa escala inédita em mais de três décadas de democracia.
O tamanho e as características dessa base popular da direita brasileira ficam mais nítidos conforme o presidente se desgasta. O vasto contingente de batalhadores cuja família ganha de R$ 2 mil a R$ 5 mil por mês desponta como o mais importante bastião da resistência bolsonarista.
Não se trata das elites da Faria Lima, do Leblon ou dos Jardins. Essas categorias somadas mal conseguiriam, no sentido figurado, lotar uma Kombi. Que dirá sustentar a popularidade presidencial nos níveis atuais.
Aliás, o Datafolha publicado nesta segunda (2) mostra que no estrato mais elevado da renda —acima de R$ 10 mil mensais, em que estão apenas 5% dos eleitores— ocorreu fuga em massa do apoio a Jair Bolsonaro. Algo parecido aconteceu entre a minoria que completou a faculdade.
Já o escalão intermediário da remuneração e da escolaridade, que congrega cerca de 40% do eleitorado, por ora exibe afinidade mais sólida com o presidente. Ninguém nessa condição vive com folga no bolso nem passeia na Riviera Francesa.
Será que tantos brasileiros dependentes da labuta diária só estão temporariamente iludidos com Bolsonaro mesmo depois de ele já ter apresentado um repertório amazônico de excentricidades? Ou enxergam no governo algo que os representa?
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