Entendo o feminismo como um movimento pacífico da sociedade em busca da igualdade de direitos entre homens e mulheres, uma vez que os homens têm exercido poder violento e coercitivo contra elas desde que o mundo é mundo. Não podendo responder categoricamente à pergunta de um milhão de dólares —por que essa opressão se repete em todas as culturas até aqui?—, resta-nos avaliar eticamente o que fazer com a injustiça.
Daí a resposta do feminismo, ou melhor, dos feminismos, já que há algumas versões e correntes diversas dentro do movimento. Quanto a mim, certamente afetada pela psicanálise, alinho-me às que entendem que cada uma tem o direito de escolher sua forma de vida, a tal ponto que até escolher ser submissa deve ser respeitado.
E não poderia ser muito diferente para quem acredita que devemos reconhecer nosso desejo, decidir o que fazer com ele —o que nem sempre significa realizá-lo— e assumir integralmente a responsabilidade por isso.
Quando critico as antifeministas é por, pelo menos, duas razões: a incoerência do discurso e o autoritarismo de impô-lo às demais. Não quer casar? Quer ser monogâmica? Quer ter filhos? Abrir mão dos estudos? Não quer abortar? Tudo bem. Mas obrigar outras mulheres a terem a mesma sina é inaceitável. Submeta-se o quanto quiser, mas não venha colocar a colher no meu angu.
Quanto à coerência, vamos falar de um vídeo que anda circulando pelas redes de uma deputada cujo nome faço questão de não mencionar, pois é assim que essas pessoas se promovem e ganham eleitores.
São falas disruptivas, de cunho extremista, que funcionam como ímã para a direita radical. Essa senhora diz em alto e bom som que a mulher deve ser submissa ao marido e que o homem é a cabeça da família.
Não é a primeira nem será a última a proferir essas crenças, mas, ao fazê-lo no exercício de seu cargo político, fica a questão: ela não deveria estar em casa preparando a comida do cônjuge?
Se uma das conquistas mais notórias do feminismo, que levou à prisão, à tortura e à morte diversas sufragistas, foi o direito ao voto, o que dizer do direito de exercer um cargo político? Se a deputada realmente acredita no que grita em plenário, ela se imagina a exceção ao que ela mesma prega. Figura bem representada pela personagem Serena Joy em "O Conto da Aia", de Margaret Atwood.
Esposa do Comandante, que lutou ativamente para instituir uma sociedade na qual as mulheres estão sob o poder masculino, ela se espanta sempre que tem que se submeter ao jugo do marido, jugo que ela mesma ajudou a criar. Não há deputadas em Gilead, apenas mulheres que oprimem outras mulheres que estão na escala inferior da pirâmide social.
A repórter Jéssica Nakamura, em entrevista que gravei para o Deutsche Welle, me alertou sobre o artigo "The Rise and Fall of the Trad Wife", de Sophie Elmhirst, na revista The New Yorker. A expressão descreve um grupo de mulheres que defende o retorno aos lares e ao cuidado com a família tradicional: papai, mamãe e filhos, sendo o pai o provedor financeiro e a mãe a cuidadora.
Esse modelo, que nunca saiu de moda, agora perde a vergonha de se posicionar abertamente em favor do discurso que foi hegemônico até os anos 1950, antes da revolução sexual. O interessante da reportagem é mostrar que o espectro de classe, raça, político e religioso dessas mulheres é mais amplo do que se esperava, revelando que elas não compõem o estereótipo das famílias ricas, brancas, republicanas e evangélicas, como se imagina.
Nesse ponto, retorno à minha reflexão inicial neste artigo: "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".
Desde que não obriguem as demais mulheres a seguir seu caminho, não tenho nada contra. Acredito que essa seja uma das respostas possíveis para o desafio que as mulheres enfrentam ao tentar conciliar carreira e filhos. Nesse caso, elas abrem mão da carreira em favor de criar filhos, tendo o marido como apoio financeiro.
Essa escolha tem três saídas bem conhecidas, como denunciam as feministas há mais de cem anos: divórcio e tentativa de voltar ao mercado de trabalho tardiamente, agora com filhos para cuidar; aguentar qualquer violência para não perder o "carrasco provedor"; viver felizes para sempre. Façam suas apostas.
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