Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu The New York Times

Crise pode levar Israel ao mesmo pesadelo que assolou o Líbano

Netanyahu e sua coalizão violaram contrato social responsável por manter país unido nos últimos 75 anos

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The New York Times

Em 12 de setembro, a Suprema Corte de Israel julgará se a tomada do Poder Judiciário pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu é legal. Netanyahu se recusou diversas vezes a prometer cumprir uma decisão contrária. Portanto, se o tribunal decidir contra sua coalizão, Israel estará em plena crise judicial.

Os chefes dos militares, do Mossad, do Shin Bet e da polícia terão que decidir a quem são leais –a uma coalizão política envolvida num golpe judicial ou a uma Suprema Corte que preserva sua independência.

Mesmo que o tribunal decida que é impotente para manter sua autoridade, Israel ainda estará numa crise total. Porque Netanyahu e sua coalizão de extrema direita de judeus supremacistas e ultraortodoxos já violaram o contrato social central que manteve Israel unido nos últimos 75 anos –"viva e deixe viver".

Manifestantes em Tel Aviv contra a proposta de reforma judicial da coalizão do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu
Manifestantes em Tel Aviv contra a proposta de reforma judicial da coalizão do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu - JACK GUEZ/Jack Guez/AFP

Sei muito sobre esse princípio. Morei em dois países do Oriente Médio do final dos anos 1970 até o final da década de 1980 que mantiveram sua estabilidade respeitando esse princípio. Até deixarem de fazê-lo. Líbano e Israel têm duas características em comum: são muito pequenos em geografia e incrivelmente diversificados em população –há diversidade religiosa, étnica, política, linguística e educacional.

Quando sua democracia é muito pequena e muito diversa, só há uma maneira de manter a estabilidade –todos os atores devem respeitar o princípio de "viva e deixe viver". Ou, como os libaneses diziam cada vez que uma facção violava esse princípio, mergulhava o país numa guerra civil e então tinha que restabelecer o equilíbrio entre as seitas: "Sem vencedor, sem vencido". Todo mundo tem que respeitar certos limites.

Nas últimas duas décadas, porém, a milícia xiita pró-iraniana do Líbano, o Hizbullah, cujo nome significa "o partido de Deus", destruiu esse princípio. Ele usou sua superioridade em armas e combatentes, além do apoio do Irã, para impor sua autoridade a todos os outros partidos e seitas libanesas.

Em vez de "nenhum vencedor, nenhum derrotado", o Hizbullah impôs o princípio frequentemente associado a ditadores africanos –"é a nossa vez de comer", o que significa que dane-se a democracia, é a nossa vez de obter mais do que a nossa parte justa dos recursos estatais, operando sem o controle de qualquer autoridade independente (como um sistema judicial).

Apesar de todas as muitas diferenças entre Líbano e Israel, a coalizão de Netanyahu é seu próprio partido de Deus e decidiu que era a sua vez de comer –embora tenha vencido a eleição de novembro passado por apenas 30 mil votos, de 4,7 milhões. Assim, quebrou o princípio de viver e deixar viver e imediatamente começou a transferir quantias sem precedentes de dinheiro para escolas religiosas ultraortodoxas –sem exigir que ensinassem matemática, ciências, inglês ou educação cívico-democrática–, a nomear ministros com antecedentes criminais e a derramar recursos do governo para expandir os assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada, a fim de esfriar o processo de paz de Oslo. Tudo isso foi feito enquanto tentava neutralizar a capacidade da Suprema Corte de impedi-lo.

Esse tipo de apropriação de recursos/poder não tem precedentes na política israelense, e é ainda mais perturbador quando se considera que está sendo feito, em parte, por partidos ultraortodoxos cujos membros pagam menos impostos e servem menos tempo nas Forças Armadas.

Até agora, com exceções ocasionais, todos conheciam seus limites –os seculares sabiam até onde pressionar os ortodoxos para abrir restaurantes no sábado, os ortodoxos sabiam até onde pressionar os seculares sobre os direitos LGBTQIA+. Os colonos da Cisjordânia odiaram o acordo de Oslo, mas nunca tentaram desmantelar a Autoridade Palestina, que governa partes da Cisjordânia.

Até a Suprema Corte se tornou muito mais equilibrada ideologicamente nos últimos anos entre conservadores e liberais, apesar das declarações enganosas de Netanyahu em contrário.

Ao quebrar esse equilíbrio de viver e deixar viver por pura força –graças a uma pequena e transitória vantagem no Parlamento–, Netanyahu e sua coalizão violaram algo muito mais importante do que uma lei. Quebraram a norma não escrita que mantinha Israel unido. É difícil ver como o país seguirá o mesmo.

Se a Suprema Corte declarar que não tem autoridade para deter o golpe judicial de Netanyahu, ou se Netanyahu se recusar a cumprir uma decisão contra sua tomada de poder, o sistema israelense –já fragmentado porque tantos reservistas do Exército e da Força Aérea se recusam a servir a um governo que agora consideram ditatorial, antidemocrático– poderá sair completamente do controle.

Aqui está como Yohanan Plesner, presidente do Instituto de Democracia de Israel, um grupo de pensadores apartidário (do qual sou um doador), colocou num ensaio recente no site da organização:

"Um governo eleito acabou de fazer uma mudança constitucional potencialmente de longo alcance, com base em estreitas linhas partidárias. O que quer que se pense da emenda em questão, uma linha vermelha foi ultrapassada. […] O fato de que esta tomada pelo Poder Executivo foi realizada em face dos maiores e mais duradouros protestos da história do país, contra a vontade da maioria do público e apesar das severas advertências de especialistas em segurança, direito e economia, deixou clara a magnitude da ameaça para milhões de israelenses."

A partir deste momento, acrescentou Plesner –numa análise que tem ecos reais também para a democracia americana–, "toda vez que um cidadão israelense for às urnas, o fará com a assustadora nova consciência de que o preço da derrota pode ser seu modo de vida".

"Um homem religioso colocará seu voto com medo de que um governo secular possa enfraquecer unilateralmente o caráter judaico do Estado, se assim decidir. Uma mulher secular votará tremendo pelas consequências de uma vitória da direita para seus direitos."

Na verdade, perguntei ao autor e ensaísta israelense Ari Shavit o que ele mais temia hoje em seu país. Não era, observou ele, que Israel se tornasse "uma ditadura eletiva –outra Hungria, Polônia ou Rússia. Isso porque a herança política judaica não pode tolerar a autoridade por meio do absolutismo e porque a direita radical em Israel não tem poder suficiente para impor sua vontade aos liberais".

O verdadeiro perigo, argumentou ele, é que Israel caia no caos e se desintegre.

"O espectro iminente é o Líbano", acrescentou Shavit. "Nosso vizinho do norte sofreu uma grande ruptura quando sua delicada ordem intertribal desmoronou." E agora, em Israel, "o compromisso histórico que permitiu que suas comunidades altamente diversas vivessem juntas pacificamente –com a direita controlando o poder político durante a maior parte dos últimos 20 anos e o centro e a esquerda dominando os tribunais, a mídia e as universidades– desmoronou."

Como nos dias do Primeiro e do Segundo Templos, disse Shavit, "o fanatismo e o partidarismo estão nos separando e ameaçando destruir a magnífica nação que construímos aqui. Então, o pesadelo que me acorda de madrugada não é Budapeste ou Varsóvia, mas Beirute".

Tendo vivido pessoalmente aquele pesadelo de Beirute no final dos anos 1970, posso confirmar que é uma possibilidade muito real para Israel hoje. Você o quebra, você o perde –e não pode recuperá-lo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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