Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu The New York Times

Biden estuda acordo entre Arábia Saudita e Israel com concessões à Palestina

Presidente americano enviou dois funcionários a Riad para discutir possibilidade de normalização das relações com Tel Aviv

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The New York Times

Para as centenas de milhares de defensores da democracia israelense que tentaram bloquear o golpe judicial do premiê Binyamin Netanyahu, o fato de a Suprema Corte israelense ter sido privada de seus poderes cruciais de impor limites ao Executivo certamente é sentido como uma derrota dolorosa.

Eu entendo, mas não se desesperem por completo. É possível que haja ajuda a caminho, graças às discussões entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita. Sim, você leu certo.

O presidente americano, Joe Biden, durante reunião com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington - BRENDAN SMIALOWSKI/Brendan Smialowski - 27.jul.23/AFP

Quando entrevistei Joe Biden recentemente no Salão Oval, minha coluna abordou o pedido que ele fez a Netanyahu para não impor a reforma judicial sem nem sequer uma aparência de consenso nacional.

Mas não foi só sobre isso que conversamos. O presidente estuda se deve buscar um pacto de segurança mútua com a Arábia Saudita para que o país normalize suas relações com Israel, desde que Tel Aviv faça concessões aos palestinos que preservassem a possibilidade de uma solução de dois Estados.

Após discutir nos últimos dias com o secretário de Estado, Anthony Blinken, seu assessor de segurança nacional, Jake Sullivan, e o funcionário-chefe da Casa Branca, Brett McGurk, Biden despachou os últimos dois para a Arábia Saudita, onde chegaram na manhã desta quinta-feira (27) para explorar a possibilidade de algum tipo de entendimento EUA-sauditas-israelenses-palestinos.

O presidente ainda não decidiu se vai levar a ideia adiante, mas deu sinal verde para sua equipe sondar o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, para saber se algum tipo de acordo é possível e a que preço. Fechar um acordo multinacional desse tipo demandará tempo, será difícil e complexo, mesmo que Biden decida levá-lo para o próximo nível imediatamente. Mas as discussões exploratórias estão seguindo adiante agora –mais rapidamente do que eu imaginei— e são importantes por dois motivos.

Primeiro, um pacto de segurança EUA-sauditas que normalizasse as relações entre a Arábia Saudita e o Estado judaico –ao mesmo tempo limitando as relações entre Arábia Saudita e China— seria um divisor de águas para o Oriente Médio, algo ainda maior que o tratado de paz de Camp David entre Egito e Israel.

Isso porque uma paz entre Israel e Arábia Saudita, guardiã das duas cidades mais sagradas do Islã, Meca e Medina, abriria o caminho para a paz entre Israel e o mundo muçulmano, incluindo países gigantes como a Indonésia e talvez até mesmo o Paquistão. Seria um legado importante da política externa de Biden.

Depois, se os EUA forjarem uma aliança de segurança com a Arábia Saudita –com as condições de que esta normalize suas relações com Israel e que Tel Aviv faça concessões significativas aos palestinos—, a coalizão governista de supremacistas judaicos e extremistas religiosos presidida por Netanyahu teria que responder à seguinte pergunta: vocês podem anexar a Cisjordânia ou podem ter paz com a Arábia Saudita e todo o mundo muçulmano, mas não podem ter as duas coisas. Então qual delas será?

Não seria uma discussão interessante em volta da mesa do gabinete de Netanyahu?

Adoraria ver o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, aparecer na televisão israelense e explicar ao povo de Israel por que é do interesse de Israel anexar a Cisjordânia e seus 2,9 milhões de habitantes palestinos –para sempre— em vez de normalizar relações com a Arábia Saudita e o resto do mundo muçulmano. Uma paz saudita-israelense reduziria drasticamente a hostilidade entre muçulmanos e judeus nascida mais de um século atrás com o início do conflito judaico-palestino.

Mas antes que essa escolha –anexação ou normalização— possa ser submetida a esse governo israelense extremista, é preciso que muitas coisas sejam acordadas por muitas pessoas.

Isto dito, Jake Sullivan não está em Riad hoje para fazer turismo.

Os sauditas querem três coisas principais de Washington: um tratado de segurança mútua do nível da Otan que obrigaria os EUA a vir em defesa da Arábia Saudita se esta fosse atacada (provavelmente pelo Irã). Um programa nuclear civil monitorado pelos EUA. E a possibilidade de adquirir mais armamentos americanos avançados como o sistema de defesa antimísseis balísticos Terminal High Altitude Area Defense (Thaad), ou "defesa de área terminal de alta altitude", que seriam especialmente úteis para os sauditas contra o crescente arsenal iraniano de mísseis de médio e longo alcance.

Entre as coisas que os EUA querem dos sauditas está o fim dos combates no Iêmen, onde o conflito vem diminuindo no último ano, um pacote de assistência saudita inusitadamente grande às instituições palestinas na Cisjordânia e limites significativos à relação crescente entre Arábia Saudita e China.

Igualmente importante, porém, é o que os sauditas exigiriam de Israel para preservar a perspectiva de uma solução de dois Estados –do mesmo modo que os Emirados Árabes Unidos exigiram, como preço de seus Acordos de Abraão, que Netanyahu abrisse mão de qualquer anexação da Cisjordânia. A liderança saudita não está especialmente interessada nos palestinos nem acompanha os detalhes do processo de paz.

Mas se a equipe de Biden fechasse um acordo sem um componente palestino significativo, isso daria, ao mesmo tempo, um golpe mortal contra o movimento democrático israelense –ao dar a Netanyahu um enorme prêmio geopolítico de graça depois de ele acabar de fazer algo tão antidemocrático— e contra a solução de dois Estados, a base da diplomacia EUA-Oriente Médio.

Não creio que Biden o fará. Isso provocaria uma rebelião na base progressista de seu partido e praticamente impossibilitaria a ratificação do acordo. "Já será suficientemente difícil para o presidente Biden convencer o Congresso americano a aderir a qualquer acordo como esse", comentou o senador democrata Chris van Hollen, que integra o Comitê de Relações Exteriores do Senado e o Subcomitê de Apropriações sobre Operações no Exterior, que financia o Departamento de Estado.

"Mas posso assegurar que haverá um núcleo forte de oposição democrata a qualquer proposta que não inclua medidas significativas, claramente definidas e aplicáveis, para preservar a opção de uma solução de dois Estados e atender à exigência do próprio Biden de que palestinos e israelenses gozem igualmente de liberdade e dignidade. Esses elementos são essenciais para uma paz sustentável no Oriente Médio."

Penso que os sauditas e os americanos podem (e devem) exigir no mínimo três coisas de Netanyahu em troca de um prêmio tão grande de normalização e estabelecimento de relações comerciais com o mais importante Estado árabe muçulmano:

  • Uma promessa oficial de não anexar a Cisjordânia –jamais;
  • Nenhum assentamento novo na Cisjordânia nem expansão dos assentamentos já existentes;
  • Nenhuma legalização de assentamentos judaicos irregulares;
  • E a transferência de algum território habitado por palestinos da área C da Cisjordânia (agora sob controle total de Israel) para as áreas A e B (sob controle da Autoridade Palestina), como previsto nos Acordos de Oslo.

Em troca, a Autoridade Palestina teria que endossar o acordo de paz da Arábia Saudita com Israel. Na verdade, a Autoridade Palestina não está em condições de travar discussões de paz com Israel hoje. Ela está em confusão. Os palestinos têm de reconstruir seu governo, mas em paralelo os ministros de ultradireita de Israel tentam absorver o máximo possível da Cisjordânia, o mais rapidamente possível.

O que é urgentemente necessário é parar com isso o quanto antes –mas não com mais uma dose de reprimendas do Departamento de Estado falando de como os EUA estão "profundamente perturbados" com os assentamentos israelenses. Em vez disso, a melhor opção é uma grande iniciativa estratégica que inclua algo importante para todos, exceto os fanáticos de todos os lados.

Tradução de Clara Allain

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