Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Thomas L. Friedman

Por que Kamala Harris é tão importante nas eleições de 2024 nos EUA

Biden terá de mostrar a republicanos moderados e a independentes que vice seria capaz de assumir comando do país

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The New York Times

Algumas semanas atrás, um dos intelectuais mais famosos da França, Bernard-Henri Lévy, deu uma entrevista ao New York Times sobre seu novo documentário, "Slava Ukraini", e disse algo que me ajudou a entender por que, ao me aproximar dos meus 70 anos, ainda quero ser jornalista.

Questionado sobre por que, aos 74, ele se esquivou de foguetes na Ucrânia para relatar a selvageria da invasão russa, Lévy disse: "Na Ucrânia, tive pela primeira vez a sensação de que o mundo que eu conhecia, o mundo em que cresci, o mundo que quero deixar para meus filhos e netos, pode desabar".

Eu tenho exatamente o mesmo medo.

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, discursa durante evento sobre direito ao aborto na Universidade Howard, em Washington
A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, discursa durante evento sobre direito ao aborto na Universidade Howard, em Washington - Julia Nikhinson - 25.abr.23/Reuters

É por isso que o foco de minhas colunas hoje em dia tem sido restrito. Há três coisas que absolutamente não podem acontecer: não se pode permitir que Israel se transforme numa autocracia como a Hungria de Orbán; a Ucrânia não pode cair nas mãos de Putin; e Trump não pode mais ocupar a Casa Branca.

Se todos os três acontecessem, o mundo que quero deixar para meus filhos e netos poderia desmoronar completamente. Israel, a única democracia pluralista em funcionamento no Oriente Médio, temperada pelo Estado de Direito, embora imperfeita, estaria perdida. A União Europeia estaria à mercê de Putin.

E os EUA, com um Trump vingativo de volta à Casa Branca, efetivamente perdoado por seus muitos ataques às nossas instituições democráticas e seu assalto à integridade de nossas eleições, nunca mais seriam os mesmos. Trump estaria livre para agir –um pensamento totalmente arrepiante.

É por essa lente que quero falar sobre o anúncio feito por Joe Biden na última terça-feira (25) de que está concorrendo à reeleição, novamente acompanhado por Kamala Harris. A capacidade de Biden de terminar seu mandato atual e navegar com sucesso por outro é crucial para os três cenários mencionados acima. É por isso que, agora que Biden declarou que está concorrendo, ele precisa vencer.

Mas, embora você possa pensar que a eleição de 2024 provavelmente será uma reprise de 2020, não é o caso para os democratas. Desta vez, o companheiro de chapa de Biden realmente importa.

Sempre nos dizem que, no final das contas, as pessoas votam no candidato a presidente, não no candidato a vice. Mas como Biden faria 86 anos no final de um segundo mandato –e, portanto, a chance de sua saúde piorar não é pequena–, as pessoas terão de votar tanto na vice-presidente quanto nele, talvez mais do que em qualquer outra eleição na história americana.

A última média do agregador de pesquisas de aprovação FiveThirtyEight revelou que 51,9% desaprovam o desempenho no cargo de Harris e 40% o aprovam, quase os mesmos números de Biden.

Deixe-me ser claro: votei em Joe Biden e não quero meu dinheiro de volta. Ele é um bom homem e tem sido um bom presidente, melhor do que as pesquisas lhe dão crédito. A aliança ocidental que ele montou e manteve unida para conter a invasão russa da Ucrânia tem sido uma aula magistral na gestão de alianças e na defesa da ordem democrática na Europa. Pergunte a Putin.

A maneira como Biden disse ao premiê israelense, Binyamin Netanyahu, que não se deixa enganar pelo golpe de Estado judicial disfarçado de reforma judicial tem sido uma tremenda fonte de encorajamento para centenas de milhares de israelenses que saíram às ruas para defender sua democracia.

E nas questões domésticas que mais me interessam –reconstruir a infraestrutura dos EUA, garantir a liderança americana na fabricação dos microchips mais avançados que alimentarão a era da inteligência artificial e incentivar as forças de mercado a fornecer a enorme escala de energia limpa necessária para mitigar os piores impactos da mudança climática–, Biden superou minhas maiores esperanças.

Biden seria meu candidato, independentemente de sua idade, desde que estivesse físico e mentalmente capaz, porque não vejo outro democrata com sua combinação de habilidades políticas, sua crença na necessidade e na possibilidade de união nacional, seu conhecimento de política externa e sua capacidade de discordar dos apoiadores de Trump sem tentar humilhá-los. Ele quer tirar o veneno do sistema político.

Mas estou perfeitamente ciente de que muitos americanos não compartilham as minhas opiniões. Percebo que cerca de 30% dos republicanos que são devotos de Trump provavelmente estão fora de alcance –e nada que Biden possa dizer os trará de volta. No entanto, eles não decidirão a próxima eleição.

Como relatou o Axios, pesquisa Gallup de março "descobriu que um recorde de 49% dos americanos se consideram politicamente independentes –o mesmo que os dois principais partidos juntos".

Isso significa que há muitos conservadores e independentes moderados e de princípios que não votarão, ou preferem não votar, em Trump. Apenas o suficiente deles demonstrou isso nas eleições de meio de mandato de 2022 para impedir que praticamente todos os principais trumpistas negacionistas da eleição disputando cargos estaduais e nacionais vencessem. Seus votos ajudaram a salvar nossa democracia.

Se a corrida de 2024 se resumir a Biden e Trump novamente, precisaremos que os independentes e os republicanos moderados apareçam novamente. Mas desta vez, devido à idade de Biden e à possibilidade de não conseguir terminar um segundo mandato, seu vice terá muito mais importância para os eleitores.

Dadas as apostas, Biden precisa defender por que Harris é a melhor escolha para sucedê-lo, caso ele não consiga completar o mandato. Ele não pode ignorar uma questão que estará na mente de muitos eleitores.

Ao mesmo tempo, Harris precisa se defender, idealmente mostrando com mais força o que pode fazer. Uma coisa que Biden pode considerar é colocar Harris no comando da transição dos EUA para a era da inteligência artificial, garantindo que funcione para fortalecer as comunidades e a classe média.

Estou com muito medo de entrar nesta eleição com uma chapa democrata que dê aos republicanos moderados e aos independentes qualquer desculpa para gravitar de volta para Trump.

E cuidado. Trump não é tolo. Se ele for o candidato republicano, posso facilmente vê-lo pedindo a uma republicana mais moderada, como Nikki Haley, para ser sua companheira de chapa, sabendo que a presença dela pode ser um incentivo que dará a pelo menos alguns republicanos e independentes avessos a Trump uma desculpa para tapar o nariz e votar nele mais uma vez.

Não se engane: a Vice-Presidência realmente vai importar. Não quero que Biden ganhe esta eleição por 50,1%. Quero que seja uma rejeição esmagadora ao trumpismo e à política de divisão.

Quero que envie uma mensagem forte a todo o mundo –para os Putins, Netanyahus e Orbáns– de que há muito mais americanos como nós na centro-direita e na centro-esquerda, muito mais pessoas dispostas a trabalhar juntas para o bem comum, do que há haters e divisores.

Estes são os EUA que vale a pena entregar para nossos filhos e netos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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