Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu The New York Times

Netanyahu está destruindo a sociedade de Israel em nome de um projeto pessoal de poder

Se a democracia israelense for enfraquecida, estará mais ameaçada em todo o mundo

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The New York Times

Israel hoje é uma caldeira com vapor demais se acumulando em seu interior, e os parafusos que a mantêm unida estão prestes a sair voando em todas as direções.

Ataques letais de jovens palestinos contra israelenses estão coincidindo com a ampliação de assentamentos israelenses e com o incêndio de vilas palestinas por colonos israelenses, além de um levante popular para resistir ao golpe do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu contra o Judiciário.

Juntos, esses fatores ameaçam provocar uma ruptura de governança que nunca antes foi vista em Israel.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e seu ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, no gabinete do premiê em Jerusalém - Ronen Zvulun - 23.fev.23/Pool/Reuters

Uma ideia da seriedade da situação pode ser dada pelo fato de vários ex-chefes do Mossad –alguns dos servidores públicos mais respeitados do país— terem denunciado o putsch judicial de Netanyahu.

O mais recente deles foi Danny Yatom. Na noite de sábado, segundo o site de notícias Haaretz, Yatom disse ao jornal do Canal 2 israelense que, se Netanyahu for adiante com seus planos de concretamente eliminar a autonomia da Suprema Corte israelense, pilotos de caças e agentes das forças especiais poderão legitimamente desobedecer ordens que venham do governo.

Eles "assinaram um acordo com um país democrático", disse Yatom. "Mas no momento em que o país se tornar uma ditadura, e Deus queira que isso não aconteça, e eles receberem uma ordem de um governo ilegítimo, acredito que seria legítimo que a desobedeçam."

No domingo, um atirador palestino matou dois judeus israelenses perto de Nablus para vingar a morte de 11 palestinos alguns dias antes, às mãos de forças israelenses. Em seguida, colonos atearam fogo e depredaram ao menos 200 casas e prédios em quatro vilarejos palestinos na área onde o tiroteio ocorreu.

E isso foi depois de cerca de 160 mil israelenses terem saído às ruas de Tel Aviv na noite do sábado para se oporem à tomada do Judiciário por Netanyahu, depois de ele ter dito a seus ministros: "Quero dar a vocês um punho cerrado para bater neles" –os manifestantes.

A violência entre colonos israelenses e palestinos não constitui novidade. Mas quando ela coincide com o governo mais ultranacionalista e ultraortodoxo da história de Israel –que hoje é impulsionado por fanáticos religiosos messiânicos cuja meta é anexar a Cisjordânia inteira e que agora controlam pastas-chave—, os tradicionais ministros israelenses prudentes que normalmente não permitiriam que atos desse tipo fossem adiante deram lugar a ministros que querem acabar com quaisquer limites.

O Haaretz noticiou na segunda que, antes da onda de violência dos colonos, um dos parceiros de coalizão de Netanyahu, o político de extrema direita Bezalel Smotrich, que ocupa o cargo de ministro das Finanças, curtiu um post no Twitter de um conhecido líder dos assentamentos, David Ben Zion.

Ele escreveu na mesma rede social que "o vilarejo de Huwara" –um dos quatro atacados pelos colonos— "deveria ser varrido do mapa hoje". Sim, um ministro de Netanyahu curtiu essa postagem.

Mas o fator novo que pode realmente dilacerar a democracia israelense é o plano de Netanyahu para essencialmente acabar com a independência da Suprema Corte de Israel, em nome da chamada "reforma judicial". Ignorando pesquisas indicando que a maioria da população se opõe à tomada do Judiciário –e a despeito de apelos dos presidentes israelense e americano para adiar quaisquer mudanças até que seja promovido um diálogo nacional sobre o tema—, Netanyahu e seus aliados extremistas estão fazendo o que é preciso para forçar sua aprovação pelo Knesset, o Parlamento local, nas próximas semanas.

Na realidade, a rapidez espantosa da manobra expõe a fraude total que é Netanyahu quando ele insiste docemente diante de líderes de outros países e de jornalistas que sua intenção é apenas fazer aprovar algumas inocentes medidas corretivas técnicas para deixar a Suprema Corte israelense mais alinhada com as de Estados Unidos, Canadá ou França.

Sério mesmo? Pergunte-se o seguinte: que líder israelense correria o risco de uma guerra civil em casa, uma ruptura com democratas judeus em todo o mundo, uma ruptura com os Estados Unidos, prejuízos importantes ao milagre high-tech israelense e agora queixas abertas de tropas israelenses dizendo que elas não vão se dispor a morrer para proteger uma ditadura? Que líder israelense correria o risco de tudo isso apenas para realizar alguns reparos técnicos ao Judiciário?

Netanyahu só arriscaria tudo isso por algo muito grande, muito importante e muito pessoal. E esse algo é uma "reforma" judicial que ele espera que arquive seu julgamento por acusações de quebra de confiança, pagamento de propinas e fraude, que podem colocá-lo na prisão. A "reforma" judicial também daria à sua coalizão de direita o poder irrestrito de construir assentamentos em qualquer lugar, tomar qualquer terra palestina e verter dinheiro dos impostos em escolas religiosas ortodoxas cujos alunos só precisam estudar a Torá, não matemática, ciências ou literatura –o que dirá servir no Exército.

Em outras palavras, nada desta suposta reforma judicial é o que parece ser. Trata-se de uma manobra que Netanyahu quer realizar para que com um simples levantar de um dedo –uma maioria simples de um voto no Knesset— ele possa passar por cima de qualquer coisa ordenada pela Suprema Corte.

É por isso que os protestos contra esse golpe judicial continuam a ganhar força. Israel não é a Hungria, onde o líder pode simplesmente impor a autocracia às pessoas, empurrando-a goela abaixo. Na noite de sábado, uma multidão se reuniu no centro de Tel Aviv para ouvir, entre outros, o ex-primeiro-ministro e chefe do Estado-Maior do Exército Ehud Barak. Barak não poderia ter sido mais inequívoco sobre o caráter existencial que tem este momento para Israel.

Nas próximas semanas, disse Barak, se a coalizão de Netanyahu aprovar essas "novas leis de ditadura", elas serão "canceladas pela Suprema Corte" como ilegais. Quando isso acontecer, e o governo então tomar medidas para anular algumas decisões da Suprema Corte, os quatro "guardiões" da segurança de Israel –o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e os chefes do Mossad, do Shin Bet e da polícia— terão de decidir de quem receberão ordens. "Isso levará a uma crise constitucional gravíssima."

"Se esse limiar for ultrapassado", prosseguiu, "e as leis da ditadura forem acionadas, a responsabilidade passará para nós, os cidadãos do país. Teremos que levar adiante a tradição iniciada por Gandhi, 80 anos atrás na Índia, e por Martin Luther King, 60 anos atrás nos EUA, e seguir o caminho da desobediência civil não violenta. Trata-se do direito ou mesmo do dever dos cidadãos quando seu governo age de formas que rompem com as regras do jogo e contrariam normas e o sistema de valores fundamentais do próprio país."

Ei, Friedman, parece que ultimamente você só escreve sobre Ucrânia e Israel. Você não tem mais nada a dizer? Não é por acaso. Penso que, se a Ucrânia for derrotada por Vladimir Putin e Israel se tornar uma democracia fajuta como a Hungria, o mundo inteiro se inclinará na direção errada.

Israel é a única democracia real no Oriente Médio, com um Judiciário independente. A Ucrânia está defendendo a União Europeia, um motor gigante do Estado de Direito, livres mercados, direitos humanos e normas democráticas, mesmo que nem todos os países da UE tenham aderido completamente a eles. Se a democracia for enfraquecida na UE e em Israel, a democracia em todo o mundo estará mais ameaçada.

Tradução de Clara Allain

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