Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Thomas L. Friedman
Descrição de chapéu tecnologia internet

Ferramentas como o ChatGPT abrem nova era prometeica da sociedade

Mundo assiste a um superciclo tecnológico que pode ser usado para o bem e para o mal, e depende de nova governança

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tive uma experiência notável, mas perturbadora, na semana passada. Craig Mundie, ex-diretor de pesquisa e estratégia da Microsoft, estava me fazendo uma demonstração do GPT-4, a versão mais avançada do chatbot de inteligência artificial (IA) ChatGPT.

Craig se preparava para informar ao conselho do museu de minha esposa, Planet Word, do qual ele é membro, sobre o efeito que o ChatGPT terá sobre as palavras, a linguagem e a inovação.

"Você precisa entender", avisou-me antes de começar sua demonstração, "isso vai mudar tudo. Acho que representa a maior invenção da humanidade até hoje. É qualitativamente diferente –e será transformador."

Logo da OpenAI, empresa proprietária do ChatGPT
Logo da OpenAI, empresa proprietária do ChatGPT - Florence Lo - 9.fev.23/Reuters

Modelos amplos de linguagem como o ChatGPT aumentarão constantemente suas capacidades, acrescentou Craig, e nos levarão "em direção a uma forma de inteligência artificial geral", oferecendo eficiência em operações, ideias, descobertas e intuições.

Então ele fez uma demonstração. E percebi que as palavras de Craig eram um eufemismo. Primeiro, ele pediu ao GPT-4 –que acaba de ser lançado ao público– para resumir o Planet Word e sua missão em 400 palavras. Ele fez isso perfeitamente, em alguns segundos.

Então ele pediu para fazer o mesmo em 200 palavras. Mais alguns segundos. Depois, pediu para fazer o mesmo em árabe. Com a mesma rapidez. Depois em mandarim. Mais dois segundos. Em seguida, novamente em inglês –mas na forma de um soneto de Shakespeare. Mais alguns segundos.

Então Craig pediu ao GPT-4 que escrevesse a mesma descrição em um verso abecedário –no qual a primeira linha começa com a letra A, a segunda com B e assim por diante, com todo o alfabeto. Ele fez isso, em inglês, com uma criatividade impressionante:

Mal consegui dormir naquela noite. Observar um sistema de IA produzir esse nível de originalidade em vários idiomas em apenas alguns segundos de cada vez... Bem, a primeira coisa que me veio à mente foi a observação do escritor de ficção científica Arthur C. Clarke de que "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia".

A segunda coisa de que me lembrei foi um momento no início do filme "O Mágico de Oz": a cena do tornado em que tudo e todos são erguidos num redemoinho, incluindo Dorothy e Totó, e depois varridos do mundo banal do Kansas para a reluzente e futurista Terra de Oz, onde tudo é colorido.

Estamos prestes a ser atingidos por um desses tornados. Este é um momento prometeico –um daqueles momentos na história em que são introduzidas certas ferramentas, formas de pensar ou fontes de energia tão diferentes e avançadas do que já existia que você não pode simplesmente mudar uma coisa, tem que mudar tudo. Ou seja, como você cria, como compete, como colabora, como trabalha, como aprende, como governa e, sim, como trapaceia, comete crimes e trava guerras.

Conhecemos as principais eras prometeicas dos últimos 600 anos: a invenção da imprensa, a revolução científica, a revolução agrícola combinada com a revolução industrial, a revolução da energia nuclear, a computação pessoal e a internet. E agora este momento.

Só que esse momento prometeico não é impulsionado por uma única invenção, mas sim por um superciclo tecnológico. É a nossa capacidade de sentir, digitalizar, processar, aprender, compartilhar e agir, cada vez mais com a ajuda da IA. Esse ciclo está sendo colocado em tudo –do carro à geladeira, do smartphone aos aviões de combate– e conduzindo cada vez mais processos todos os dias.

É por isso que chamo nossa era prometeica de "a era da aceleração, amplificação e democratização". Nunca tantos humanos tiveram acesso a ferramentas mais baratas que amplificam seu poder num ritmo cada vez mais acelerado, conforme são difundidas na vida pessoal e profissional de cada vez mais pessoas ao mesmo tempo. E está acontecendo mais rápido do que a maioria esperava.

O uso potencial dessas ferramentas para resolver problemas aparentemente impossíveis é assombroso. Considere apenas um exemplo do qual a maioria das pessoas provavelmente nunca ouviu falar –a maneira como o DeepMind, um laboratório de IA de propriedade da Alphabet, controladora do Google, usou recentemente seu sistema AlphaFold AI para resolver um dos problemas mais complexos da ciência.

O problema é conhecido como "enovelamento de proteínas". As proteínas são moléculas grandes e complexas, formadas por cadeias de aminoácidos.

Mas, observou a Science News, foram necessárias "décadas de experimentos vagarosos" para revelar "a estrutura de mais de 194 mil proteínas, todas armazenadas no banco de dados de proteínas". Em 2022, porém, "o banco de dados AlphaFold explodiu com estruturas previstas para mais de 200 milhões de proteínas". Para um ser humano, seria digno de um prêmio Nobel. Talvez dois.

Com isso, nossa compreensão do corpo humano deu um salto gigantesco. Como disse um artigo científico de 2021, "Unfolding AI's Potential" [revelando o potencial da IA], publicado pelo Bipartisan Policy Center, o AlphaFold é uma metatecnologia: "As metatecnologias têm a capacidade de ajudar a encontrar padrões que auxiliam nas descobertas em praticamente todas as disciplinas".

O ChatGPT é mais uma dessas metatecnologias. Mas, como Dorothy descobriu quando foi repentinamente transportada para Oz, lá havia uma bruxa boa e uma bruxa má, ambas disputando a sua alma. Assim será com o ChatGPT, o Bard da Google, o AlphaFold e semelhantes.

Estamos prontos? Não é o que parece. Estamos discutindo se devemos proibir os livros no despertar de uma tecnologia que pode resumir ou responder a perguntas sobre praticamente todos os livros.

Como tantas tecnologias digitais modernas baseadas em software e chips, a IA é de "uso duplo" –pode ser uma ferramenta ou uma arma.

Na última vez que inventamos uma tecnologia tão poderosa, criamos a energia nuclear –ela pode ser usada para iluminar todo o seu país ou destruir todo o planeta. Ela foi desenvolvida por governos, que criaram coletivamente um sistema de controle para impedir sua proliferação para maus atores.

A IA, por outro lado, está sendo promovida por empresas privadas com fins lucrativos. A pergunta que temos que fazer, argumentou Craig, é como governar um país, e um mundo, onde essas tecnologias de IA "podem ser armas ou ferramentas em todos os campos", enquanto são controladas por empresas privadas e aumentam seu poder a cada dia? E fazê-lo de forma a não jogar fora o bebê junto com a água do banho?

Vamos precisar desenvolver o que chamo de "coalizões adaptativas complexas" –onde empresas, governos, empreendedores sociais, educadores, superpotências concorrentes e filósofos morais se reúnem para definir como obter o melhor e amortecer o pior da IA.

Nenhum jogador nessa coalizão pode resolver o problema sozinho. Ele requer um modelo de governo muito diferente da política tradicional de esquerda e direita. E teremos que fazer a transição para ele em meio às piores tensões entre as grandes potências desde o fim da Guerra Fria, e com as guerras culturais estourando em praticamente todas as democracias.

É melhor descobrirmos isso rápido, Totó, porque não estamos mais no Kansas.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.