Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Guerra está ficando mais perigosa para os EUA, e Biden sabe disso

Presidente americano ficou furioso com vazamentos recentes à imprensa de ajuda do país à Ucrânia

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The New York Times

Se você acompanha apenas o noticiário dos jornais e das TVs sobre a Ucrânia, pode imaginar que a guerra se afundou numa rotina longa, extenuante e um tanto entediante. Você estaria enganado. Na realidade, as coisas estão ficando mais perigosas a cada dia que passa.

Para começo de conversa, quanto mais tempo essa guerra se prolonga, mais oportunidades surgem para catastróficos erros de cálculo –e a matéria-prima para isso vem se acumulando rápida e furiosamente.

Considere os dois vazamentos vindos de autoridades americanas há alguns dias sobre o envolvimento do país na guerra entre Rússia e Ucrânia: primeiro, o New York Times revelou que "os EUA forneceram inteligência sobre unidades russas que permitiu aos ucranianos atacar e matar muitos dos generais de Moscou que morreram em ação no conflito até agora, segundo autoridades americanas".

Soldado das forças ucranianas passa em frente a casa destruída na vila de Rus'ka Lozova
Soldado das forças ucranianas passa em frente a casa destruída na vila de Rus'ka Lozova - Dimitar Dilkoff - 16.mai.22/AFP

Depois, o New York Times, após reportagem da NBC News e citando funcionários do governo americano, divulgou que a América "forneceu inteligência que ajudou as forças ucranianas a localizar e atacar" o Moskva, o principal navio de guerra da frota russa no mar Negro. Essa ajuda com a localização "contribuiu para o posterior afundamento" da embarcação por dois mísseis de cruzeiro ucranianos.

Como jornalista, adoro uma boa reportagem baseada num vazamento de informação, e os repórteres que deram aqueles furos fizeram um trabalho investigativo poderoso. Ao mesmo tempo, de acordo com tudo que pude captar de autoridades americanas, que falaram comigo sob a condição de anonimato, os vazamentos não fizeram parte de uma estratégia deliberada, e o presidente Joe Biden ficou furioso.

Ele teria telefonado ao diretor de inteligência nacional, ao diretor da CIA e ao secretário de Defesa para deixar claro, com a linguagem mais forte e incisiva possível, que esse tipo de falação descontrolada é insensata e precisa cessar já –antes de acabarmos numa guerra não pretendida com a Rússia.

A conclusão estarrecedora a tirar desses vazamentos é que eles sugerem que não estamos mais travando uma guerra indireta com a Rússia, mas nos aproximando aos poucos de uma guerra direta –e ninguém preparou o povo americano ou o Congresso para isso.

Vladimir Putin com certeza não tem ilusões em relação a quanto os EUA e a Otan, a aliança militar ocidental, estão armando a Ucrânia com equipamentos e inteligência, mas quando funcionários americanos começam a se gabar em público sobre o papel que tiveram na morte de generais russos e no afundamento do principal navio de guerra russo, que matou muitos marinheiros, podemos estar criando uma abertura para Putin responder de maneiras que podem ampliar este conflito perigosamente.

E, assim, arrastando os EUA para um envolvimento mais profundo do que o país deseja.

É duplamente perigoso, afirmam autoridades americanas, porque está cada vez mais claro para elas que o comportamento de Putin não está tão previsível quanto era no passado. E estão se esgotando as opções do presidente russo para conquistar alguma espécie de vitória em campo que possa salvá-lo de uma humilhação –ou mesmo para alguma saída indireta que o poupe disso.

É difícil exagerar até que ponto a guerra vem sendo uma catástrofe para Putin. Na realidade, Biden destacou a sua equipe que o russo queria combater a expansão da Otan, mas estimulou a ampliação dela. Finlândia e Suécia estão dando passos para entrar na aliança da qual ficaram de fora por sete décadas.

Infelizmente, temos de ter consciência de que não são só os russos que gostariam de nos envolver mais profundamente. Não se iluda: o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, tenta fazer o mesmo desde o começo –fazer a Ucrânia ingressar na Otan imediatamente ou convencer Washington a selar um acordo de segurança bilateral com Kiev. Respeito e admiro profundamente o heroísmo e a liderança de Zelenski. Se eu fosse ele, estaria tentando, tanto quanto ele agora está, levar os EUA a se envolverem do meu lado.

Mas sou cidadão americano e quero que tenhamos cuidado.

A Ucrânia era –e ainda é– um país cheio de corrupção. Isso não significa que não devemos ajudá-lo. Fico feliz por estarmos ajudando. Insisto que devemos ajudar. Mas minha impressão é que a equipe de Biden está percorrendo uma corda bamba com Zelenski, muito mais do que fica aparente à primeira vista.

A Casa Branca quer fazer todo o possível para assegurar que a Ucrânia vença esta guerra, mas de uma maneira que ainda conserve uma distância entre nós e a liderança ucraniana. Isso para que não seja Kiev a determinar o rumo a seguir e para não nos constrangemos com temas políticos do país no pós-guerra.

A visão de Biden e de sua equipe, pelo que tenho captado, é de que os EUA precisam ajudar a Ucrânia a restaurar sua soberania e a repelir os russos –sem deixar a Ucrânia se converter num protetorado americano na fronteira com a Rússia. Precisamos ficar atentos para o que é de nosso interesse nacional e não nos deixarmos desviar por rumos que levem a exposições e riscos que não queremos.

Uma coisa que sei a respeito de Biden –com quem viajei ao Afeganistão em 2002, quando ele era senador e chefiava o Comitê de Relações Exteriores– é que ele não se deixa facilmente seduzir por líderes mundiais. O presidente americano já tratou com líderes demais ao longo de sua vida política. Biden tem uma visão muito clara de onde param e começam os interesses dos EUA. Pergunte aos afegãos.

Então em que pé estamos agora? O plano A de Putin –tomar Kiev e instalar seu próprio líder— fracassou. E seu plano B –tentar apenas assumir o controle total do velho centro industrial ucraniano, conhecido como o Donbass, uma região em grande parte russófona– ainda está em dúvida.

Suas forças terrestres recém-reforçadas fizeram avanços, mas eles são limitados. É primavera no leste ucraniano, e as superfícies ainda estão às vezes barrentas e molhadas, de modo que os blindados russos em muitas áreas são obrigadas a ficar apenas nas estradas e rodovias, o que os torna vulneráveis.

Minha conclusão ecoa meu argumento inicial: precisamos nos ater o mais estreitamente possível a nosso objetivo original, limitado e definido, de ajudar a Ucrânia a expelir as forças russas ao máximo possível ou, sempre e quando os líderes ucranianos sentirem que é o momento adequado, negociar sua retirada.

Mas estamos lidando com elementos incrivelmente instáveis, especialmente um Putin politicamente ferido. Ficarmos nos gabando sobre matar seus generais e afundar seus navios, ou apaixonar-nos pela Ucrânia de maneiras que nos envolvam com esse país para sempre, é o cúmulo da insensatez.

Tradução de Clara Allain  

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