Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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'Gilmarpalooza': e se Gilmar Mendes estiver certo?

São raros os países que conseguem mobilizar alguns milhares de conterrâneos para discutirem os seus problemas em um país estrangeiro

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Para muitos, o "Gilmarpalooza" gera estupefação pelos conflitos de interesse diretamente proporcionais à hemorragia de dinheiro público. Em sua 12ª edição, o Fórum Jurídico promovido em Lisboa pelo ministro do STF, Gilmar Mendes, continua a ser alvo de críticas, especialmente de colunistas da imprensa brasileira e de jornalistas investigativos. Um dos oito homens brancos que fizeram os discursos de abertura chegou a dizer que "este evento tornou-se tão grande que está a ganhar detratores". Mas e se Gilmar Mendes estiver certo?

O ministro Gilmar Mendes. Sessão Plenária do STF, sob a presidência do ministro Luis Roberto Barroso. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress) - Pedro Ladeira/Folhapress

A programação do evento impressiona. A imprensa destaca, com glândulas salivares a destilar ironia, a presença de seis ministros do STF, 12 do STJ, sete ministros do governo federal, quatro governadores, além de nove deputados e seis senadores. Mas eles se dissolvem em uma programação oceânica que aborda temas como mudanças climáticas e inteligência artificial ou a guerra no Oriente Médio, contando com a participação de intelectuais respeitados, dos medalhados do PIB brasileiro, colunistas e jornalistas reconhecidos e líderes de organizações do terceiro setor. A curadoria é exemplar.

O Fórum Jurídico deixou de ser uma homilia em juridiquês para fiéis de toga em recesso forense. No discurso de abertura, Gilmar Mendes saudou os mais de 50 painéis de discussão, 300 palestrantes confirmados e 2.423 participantes presenciais inscritos. "Números recorde." Quem tem RG e não foi convidado pode-se sentir lacanianamente excluído.

Tornou-se o principal evento onde as elites brasileiras se encontram. No dia de hoje, praticamente só se ouve português brasileiro nos corredores lotados da Faculdade de Direito e nas ruas adjacentes, onde se realiza o evento. O clima não é acadêmico, mas de intimidade, acesso e festim. Distribuem-se abraços, não business cards. A maioria veio do Brasil de propósito. A Folha reportou 160 representantes da República. Mas o número é difícil de apurar, se contarmos as assessoras e também os assessores que apoiam os homens de Brasília e da Faria Lima. Ou celebridades que não figuram na programação, mas desfilam pelos corredores, como Rodrigo Maia ou Alessandro Molon. Ou ex-ministros como Nelson Jobim ou Joaquim Levy.

Por três dias, a capital política do Brasil volta a estar localizada em Lisboa.

A programação oficial se acasala com uma programação paralela –um conjunto de workshops, coquetéis e jantares organizado por várias entidades, do Grupo Esfera a Azul ou ao BTG.

"Gilmarpalooza" aspira quiçá a ser a versão brasileira, em escala reduzida e versada para temas jurídicos, de outros grandes eventos internacionais, como o Fórum Económico Mundial de Davos, Future Investment Initiative, Conferência de Bilderberg, Aspen Ideas Festival ou a conferência do Milken Institute. São eventos exclusivos que atraem a elite mundial para encontros e contatos com uma programação paralela diversificada. Políticos, multinacionais e ONGs fazem de tudo para promover as suas agendas, causas e produtos.

Pelo tamanho que o "Gilmarpalooza" já atingiu, Gilmar Mendes tem fundamentos para rebater as críticas.

Até porque os críticos dizem que o evento é de brasileiros para brasileiros. Gilmar tem reforçado que o Fórum é um evento internacional, organizado no estrangeiro e com forte apoio de entidades portuguesas e do público português. O website de inscrição, que exige um CPF e telefone brasileiro, deixando todos os estrangeiros à porta, é uma distração do webdesigner. A pouca atenção da mídia portuguesa ao evento se deve aos seus recursos cadavéricos. Quando podem olhar para o Brasil, priorizam a cobertura de temas como a "PL dos estupradores" ou o recorde de incêndios no Pantanal e Cerrado desde 1988. Se a programação é composta quase que só por brasileiros é porque os estrangeiros consideraram dispendioso voar para Lisboa, país periférico da Europa desde o período cretáceo, ou porque preferem aguardar pela COP30 para discutir os problemas do Brasil no Brasil. Se o evento fosse de brasileiros para brasileiros não se justificaria extraviar centenas de participantes do Brasil para um país remoto reconhecido sobretudo pela boa gastronomia. Seria um desperdício de tempo e de dinheiro.

E como os próprios portugueses são regrados com as contas públicas, o evento não conta com nenhum deputado ou prefeito daqui. Aliás, apenas um. O presidente da Assembleia da República participou protocolarmente da cerimônia de abertura. Mas saiu a meio. E vi o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) portuguesa, Luís Laginha de Sousa, sentado na penúltima fileira de um anfiteatro lotado, enquanto o seu homólogo brasileiro, presidente da CVM, discutia regulação brasileira num painel de brasileiros para cerca de 120 brasileiros. O painel estava aberto a todos os estrangeiros que quisessem assistir.

Os críticos e os jornalistas também dizem que o evento facilita conflitos de interesse. Ministros do Supremo e autoridades da República confraternizam com indivíduos e empresas sobre os quais terão de deliberar judicialmente ou politicamente. Quando patrocinadores apoiam financeiramente o evento dos magistrados, possibilitando a festa, daí poderia nascer uma relação de microdependência e cumplicidade desverbalizada. Seria uma erosão da independência da magistratura.

Mas o evento permite que os representantes do Poder Judiciário, tantas vezes julgados pela sua insularização, possam reconectar-se com a sociedade. No seu discurso de tomada de posse como presidente do STF, Luís Roberto Barroso afirmou: "Precisamos estar abertos para o mundo, com olhos de ver e ouvidos de ouvir o sentimento social. A gente na vida deve ser janela e não espelho, ter a capacidade de olhar para o outro, e não apenas para si mesmo."

Os ministros do STF cumprem em Lisboa o desígnio do seu presidente. Pelo jornalista João Gabriel de Lima, a Folha sublinhou que a adoção de códigos de ética pelas supremas cortes é uma tendência recente em nível global. Mas nada deveria ter impedido 60 juízes do Supremo Tribunal de Justiça português de participarem do evento. A ausência dos colegas portugueses de Gilmar foi uma indelicadeza, não licitude ou lisura.

Os críticos também afirmam que o evento depende de um estuário de dinheiro público e o seu modelo de negócios não é claro. Bastaria ler os diários oficiais para sabermos que muitos participantes receberam ajudas de custo do erário brasileiro. Nada mais claro. O Fórum em Lisboa é uma ferramenta central na formação profissional de dirigentes políticos. Eventos internacionais como os citados acima têm códigos de conduta, códigos de compras públicas, relatórios de atividades e modelos de negócio descritos em seus websites. O Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), dirigido pelo filho de Gilmar Mendes, que coorganiza o evento, não dispõe destas informações em sua página na internet porque o evento tem custos frugais. Se há patrocinadores, nem precisam ser divulgados, nem sequer nos materiais e nos corredores do evento.

As críticas são exageradas. São raros os países que conseguem mobilizar alguns milhares de conterrâneos para discutirem os seus problemas em um país estrangeiro. E há outro feito. Na abertura, Arthur Lira (PP-AL) mencionou que, pela primeira vez na história doG20 (grupo das maiores economias do mundo) e sob iniciativa brasileira, será organizada em Maceió uma reunião de mulheres parlamentares –no contexto do P20, o braço parlamentar do grupo. Esperamos apenas que o painel de abertura desse evento seja mais diverso do que o de hoje.

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