Se o governo Lula der certo, deixará uma marca forte na agenda social. Mas se der muito certo, deixará também um legado na industrialização verde do país. O período de transição tem sido um inventário de tropeços, acotoveladas e ânimos contidos. Mas chegou a hora de arregaçar as mangas.
Primeiro a história. O Brasil começou a sua industrialização de forma tardia. Em 1785, com a revolução industrial despertando na Inglaterra, a colônia chegou a ser proibida de produzir produtos manufaturados. Mas depois tivemos o Barão de Mauá, Getulio, Juscelino e tantos outros que contribuíram para a aceleração do crescimento industrial. Nas últimas décadas, porém, o debate em torno da industrialização tornou-se ideologizado, servindo para bipolarizar decisões.
O governo Lula irá distrair-se se centrar a agenda da industrialização em discussões de antiquário sobre estatização, nacionalização ou protecionismo. O foco deve estar na industrialização verde do Brasil, que visa dissociar o crescimento econômico das externalidades ambientais negativas, maximizando a aplicação de energia limpa, a produção industrial verde a as tecnologias limpas. Está alinhada com o Plano de Retomada da Indústria apresentado recentemente pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Duas regiões se destacam lá fora. A União Europeia, a mais ambiciosa, adotou em 2019 o colossal Pacto Ecológico Europeu, visando atingir a neutralidade climática até 2050. O pacto engloba todos os setores de atividade, desde transportes, agricultura, alimentação, indústria e infraestruturas. Mas também a África tem dados passos importantes, apoiada por várias agências da ONU. Está passando da fase das conferências, dos relatórios e dos grupos de trabalho regionais para projetos concretos de industrialização verde.
Há sinais positivos oriundos de África do Sul, Moçambique, Nigéria e Marrocos, de onde escrevo. No ano passado foi lançado o programa "Tatwir Green Growth", para apoiar o surgimento de novos setores industriais verdes e reduzir a poluição industrial. E, neste ano, foi assinada uma parceria com a Unido (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial) assente em um roteiro para a descarbonização da indústria e na mobilização de fundos verdes, que está caminhando sem grandes atrasos. No próximo ano, o governo deverá anunciar a criação de um fundo de US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões) para auxiliar na descarbonização da sua indústria.
A industrialização verde do Brasil será lenta se todo o trabalho estiver centrado no Ministério da Indústria e Comércio ou se se limitar a iniciativas isoladas, como um programa de fomento ao hidrogênio verde ou emissão de dívida ‘verde’ soberana com lastro em planos ambientais. O governo Lula poderá ser mais ambicioso e eficiente.
Apesar da nomeação do seu vice-presidente como ministro ser um gesto repleto de riscos, como descrevi em artigo recente, Lula poderá aproveitar a escolha de Alckmin para deixar claro que a industrialização verde é um esforço interministerial, transversal e presidencial. Tocará em dezenas de ministérios, da Fazenda ao Meio Ambiente. Demandará capacidade para desenhar políticas públicas que possam ser devidamente financiadas, implementadas e avaliadas (o quadrunvirato de uma administração pública de qualidade).
Certamente a política opera numa lógica de mínimos denominadores comuns e não cenários otimizados. Ademais, o desmonte do governo Bolsonaro foi tão expressivo que as nossas expetativas para o governo Lula precisam ser balizadas pelas dificuldades acrescidas no terreno. Mas o governo precisaria criar uma instância acima dos ministérios que supervisione e implemente a industrialização verde. Algo inspirado no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou no PPI (Programa de Parcerias para Investimentos).
A descarbonização necessariamente pressupõe um programa forte de investimentos em múltiplos setores —como energia, agricultura, indústria, infraestrutura— a ser realizado em articulação com governos estaduais.
O número excessivo de partidos no Brasil e a necessidade de formar frentes amplas e compor com o Congresso resulta em governos engordurados caracterizados por silos, personalização e desresponsabilização. Mas algumas políticas públicas não podem ser isoladas ou exclusivas de pastas específicas. A tendência em países como a Alemanha, França ou África do Sul é a concertação e a coordenação, como salientei neste artigo sobre o ministério do meio ambiente.
Políticas públicas são cada vez mais horizontais do que verticais. Lula precisa de olhar para a frente, não só para aquilo que resultou no passado. Uma sinalização positiva? Se não for a Davos daqui a três semanas, então que a delegação brasileira seja chefiada por Alckmin. Será um bom fórum para apresentar uma agenda verde.
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