Um, dois, três, por detrás de um grande líder político estão sempre quatro, cinco, seis ou mais conselheiros de todas as naturezas e idoneidades. Sussurram o que lhes é dito e não dizem o que lhes é sussurrado. Angela Merkel tem Uwe Corsepius ("o confidente"), Putin tem Anton Vaino ("o filósofo"), Xi Jinping tem Liu He ("o negociador"). Ninguém sabe quem são, mas todos os conhecem.
Em Portugal e no Brasil estes conselheiros, principalmente os responsáveis por temas econômicos, esquivam-se dos bastidores e apropriam-se de um espaço midiático que é aproveitado para chancelar a candidatura do futuro chefe.
Do outro lado do Atlântico, tanto os pré-candidatos quanto os candidatos a pré-candidatos recrutam, tão temporalmente quanto possível, o seu "homem forte para a economia" para que a candidatura possa chegar à fase adulta.
Paulo Rangel, um eurodeputado que é candidato à liderança do PSD (principal partido de direita) nas eleições internas no final do mês, já apresentou o seu "coordenador da área econômica" na eventualidade de ser escolhido para líder do partido e, meses mais tarde, eleito primeiro-ministro. O indicado foi um professor da Universidade do Minho.
No Brasil também se apresentam publicamente os conselheiros econômicos antes de se conhecerem os programas de economia. Recrutam-se colunistas dos cadernos de negócios, professores universitários e gente com lastro no mercado para ratificar uma candidatura.
Na ausência de uma longa fileira de economistas celebridades, os candidatos disputam a atenção dos poucos que lhes poderão desembaraçar o caminho em direção ao poder. Como nenhum votante lê programas eleitorais e, mesmo que lesse, dificilmente encontraria por lá orientações pitonísicas sobre o que será implementado em caso de vitória do postulante, os artigos de opinião e as entrevistas desses conselheiros passam a ser uma espécie de agulha magnética em meio às suposições.
Paulo Guedes ("o desastre") benzeu a candidatura de Bolsonaro e arrebanhou o mercado. Nessa mesma candidatura de 2018, Alckmin tinha Pérsio Arida. Quatro anos antes, Armínio Fraga apoiou Aécio Neves. Na mesma entrevista em que Sergio Moro se apresentou como pré-candidato, Affonso Celso Pastore foi citado como o principal conselheiro na economia.
Negligencia-se o conteúdo e sobrevaloriza-se a pessoa. As políticas econômicas deixam de ser o resultado de debates de construção coletiva, no seio de um partido ou de uma coalizão, e passam a equivaler às opiniões públicas de um único cidadão.
As diretrizes tributárias, a política monetária, as ferramentas para o crescimento do PIB, tudo passa a depender do temperamento, dos anseios ou do gênio de uma pessoa. A política econômica individualiza-se: "l’économie c’est moi", diriam os novos reis iluminados.
Em 2022, eu prestarei atenção ao candidato que apresentar um programa de economia e não atalhar caminho anunciando apenas um conselheiro econômico. E valorizarei também o candidato que apresentar um programa nacional de sustentabilidade (nas suas mais diversas vertentes) e não tirar apenas da cartola um famoso ambientalista.
Como vimos nos últimos quatro anos, a personalização da política, os expedientes efêmeros, as meias verdades e os disparos de WhatsApp podem eleger candidatos, mas não preparam presidentes. E o Brasil precisa sofregamente de um presidente estável e democraticamente eleito. É um privilégio que o país não desfruta há vários anos. O fraco rei faz fraca a forte gente, escreveu Camões.
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