Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Megaevento marca volta triunfal dos psicodélicos à medicina

Mais de 10 mil pessoas agitam conferência em Denver sobre LSD, MDMA etc.

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Para usar um lugar comum sobre a psique, assiste-se a um retorno do reprimido. Após meio século de proibição na fracassada guerra às drogas, substâncias psicodélicas voltam em grande estilo à farmacopeia para saúde mental, como deixa patente o gigantismo da conferência Psychedelic Science 2023.

São esperados mais de 10 mil participantes no megaevento, que começa nesta segunda-feira (19) em Denver, Colorado (EUA). É o clímax da militância com base científica iniciada há quase quatro décadas pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês).

Esta é a quarta conferência organizada pela Maps. Na última, em 2017, compareceram cerca de 3.000 interessados nos testes clínicos preliminares que indicavam o potencial terapêutico de substâncias prescritas como a psilocibina de cogumelos e o ecstasy (MDMA) das raves.

Página do congresso Psychedelic Science 2023, em Denver (Colorado)
O congresso Psychedelic Science 2023, em Denver (Colorado), deve receber 10 mil pessoas - Reprodução

A reabilitação avançou de lá para cá. Concluiu-se um ensaio de fase 3 para tratar transtorno de estresse pós-traumático com MDMA em apoio à psicoterapia. Espera-se que os resultados dos testes clínicos liderados pela Maps conduzam à autorização do protocolo pela agência de fármacos FDA em 2024.

A psilocibina como adjuvante de terapia para depressão vem logo atrás na trilha da regulamentação pela FDA, mas atropela por fora com legislações municipais e estaduais a autorizar o uso adulto de cogumelos. É o caso de Oregon e Colorado, mas a burocracia encarece demais o serviço em centros credenciados.

Podem surgir percalços no plano federal, contudo. Pesquisas com psicodélicos tropeçam no sistema duplo-cego privilegiado pela agência, pois voluntários quase sempre adivinham se tomaram placebo ou a substância ativa, porque seus efeitos são evidentes.

Não está claro se a FDA vai subir a barra para conceder a autorização. De todo modo, mesmo que atrasem, parece improvável que não venham as licenças. Os adeptos da via oficial defendem que só com elas se poderá baratear o tratamento, com cobertura por seguros de saúde.

Outro tema deverá ocupar os debates em Denver e poderá bagunçar esse esquema: os parapsicodélicos. Reservo esse nome para a estratégia de desenvolver compostos inspirados nos alteradores de consciência, mas que prescindam de seu efeito subjetivo (a "viagem").

Há ceticismo, no meio, quanto a abrir mão de conteúdos que afloram no estado alterado e fornecem farto material para psicoterapia. Além de não apostarem na eficácia dessas inovações, críticos lamentam a recaída no modelo de pílulas supostamente milagrosas, para tomar todo dia e assim escapar da elaboração psíquica.

Seria uma radicalização da estratégia da indústria farmacêutica, voltada para lucros com a miragem de comprimidos da felicidade. Essa via encontra resistência acirrada na vertente antropológica e comunitária do campo psicodélico, que abomina patentes sobre substâncias legadas pelo uso ancestral por povos indígenas.

Essa ausência de reconhecimento e respeito pelo saber tradicional poderá figurar, um dia, entre os obstáculos contra a aposta de investidores no ressurgimento dos psicodélicos. O frenesi capitalista que se seguiu à conferência de 2017 já arrefeceu, startups estão em crise, redes de clínicas morrendo antes de chegar à praia.

Problemas de reputação no setor e excesso de entusiasmo (hype) decerto não ajudarão esses tratamentos a vingar. Há quem se preocupe com o risco de novo revertério, como o sobrevindo com o proibicionismo que inviabilizou a pesquisa por décadas.

A PS 2023 deixará esse panorama mais claro. A expectativa com psicodélicos é justamente que o reprimido retorne para libertar, não necessariamente como sintoma de uma patologia.

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