Viajantes no interior dos estados americanos de Washington, Oregon e Califórnia, neste fim de verão, não se preocupam com a previsão do tempo —a possibilidade de chuva é quase zero. Ficam é de olho nos registros de fogo, pois duas dúzias de incêndios florestais se propagam pelas florestas temperadas de coníferas.
Diferentemente do Brasil e de outros países com florestas tropicais, nesse caso a responsabilidade direta da atividade agrícola pelas chamas é desprezível. O ressecamento da mata e os ventos que as insuflam se agravam com o aquecimento global, do qual todos somos culpados, a começar pelo diesel dos descomunais SUVs dos turistas americanos e os trailers que arrastam.
Outros 500, no Brasil, são as queimadas intimamente ligadas ao desmatamento, em particular na Amazônia. Aqui, a banda ogra do agronegócio está por trás dos atuais recordes de fogo e fumaça que tornam o uso da terra em maior fonte nacional de gases do efeito estufa.
Os mais de 33 mil focos de incêndio registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no Brasil em agosto, grande parte na Amazônia, representaram avanço de 7% sobre o mesmo mês do ano passado. A área calcinada ultrapassou 24 mil km2, com crescimento de 30% sobre 2021, ficando atrás só de 2010, ano de seca ímpar, e 2019, primeiro ano de Bolsonaro.
Queimadas não são sinônimo de desmatamento recente, embora sempre ligadas a derrubadas anteriores. Usa-se fogo também para limpar pastos (que um dia foram florestas) e queimar detritos acumulados noutras temporadas. Incêndios florestais como os do noroeste dos EUA não ocorrem na Amazônia, uma floresta úmida.
Com a dinâmica presente de desmatamento na região, contudo, não se descarta que a floresta amazônica caminhe nessa direção. Quase 20% da cobertura do bioma já sofreu corte raso, e talvez outro tanto tenha sido degradado pelo garimpo localizado e pela retirada seletiva de madeira e suas estradas clandestinas.
Prevê-se que o contínuo ressecamento por essas atividades e anos de pouca precipitação com a mudança global do clima possa deflagrar um colapso do ecossistema conhecido como "dieback". Alcançando 25% de devastação, a mata reverteria para algo parecido com uma savana, bem mais inflamável.
Quanto dessa espiral destrutiva da floresta tropical pode e deve ser atribuída à atividade agrícola? Não é tarefa trivial determinar a responsabilidade, como discute alentado artigo de revisão publicado sexta-feira (9) no periódico Science.
Na penca de autores da equipe está Tasso Azevedo, líder no Brasil da iniciativa MapBiomas. O trabalho colaborativo põe em dúvida uma cifra muito citada na literatura científica, além de organismos internacionais e ONGs: 80% do desmatamento de florestas tropicais no mundo resultaria da atividade agrícola.
O artigo conclui que um número mais provável ficaria entre 90% e 99%. Nem toda área derrubada se converte de imediato em campos cultivados com grãos, verdade, mas o agronegócio não está dissociado do desmatamento especulativo, por exemplo, como bem demonstra a grilagem com abertura de pastos no Brasil.
Essa influência indireta do agronegócio na devastação das florestas tropicais decerto complica a tarefa de combatê-la. Muito esforço se dedica, no cenário internacional, a restringir o comércio de commodities ligadas a desmatamento, mas o trabalho na Science questiona a eficácia desse foco exclusivo, ainda que sem negar a importância de tais barreiras.
Boa parte dos grãos, da carne e da madeira oriundos de desmatamento, afinal, se destina a mercados domésticos, não exportação. É fogo: pense nisso na próxima vez que for ao supermercado e, dentro de três semanas, ao votar.
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