Em mais de cinco meses no comando da Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge gerou incômodos para o Palácio do Planalto com pareceres, manifestações e pedidos de investigação.
Embaraços políticos que atingiram, em especial, o presidente Michel Temer, que a nomeou para o cargo. Mas a procuradora também enviou sinais em sentido oposto, agradando àqueles que trabalharam por sua indicação de forma a marcar o antagonismo com Rodrigo Janot, seu antecessor. Nesta semana, movimentos da chefe do Ministério Público exemplificam essa dicotomia.
O primeiro deles atingiu a Polícia Federal, mais especificamente Fernando Segovia, demitido do cargo de diretor-geral da PF na última terça-feira (27).
Dodge avaliou ainda não haver elementos que demonstrassem a necessidade das quebras dos sigilos bancário e fiscal de Temer no inquérito que apura supostas irregularidades na edição do decreto dos portos, como requereu a PF ao Supremo Tribunal Federal.
A PGR, no entanto, pediu o afastamento do segredo bancário e fiscal de outros investigados, como Rocha Loures, e de empresas relacionadas ao caso.
Investigadores defendem que o avanço sobre os dados bancários e fiscais do presidente seria fundamental para levantar o rastro do dinheiro. Para os policiais, uma varredura nos dados presidenciais seria imprescindível para detectar movimentação financeira atípica, que pode indicar pagamentos ilegais durante a discussão da edição do decreto.
Por outro lado, Dodge adotou um entendimento diverso de Rodrigo Janot e pediu ao Supremo para incluir Temer como investigado em um inquérito que apura o suposto ilícito com a Odebrecht em um jantar no Palácio do Jaburu.
A procuradora recorreu a uma interpretação mais ampla da Constituição sobre a proteção conferida ao presidente por atos cometidos antes do mandato.
De acordo com a chefe do MPF, a Constituição impede a responsabilização do presidente, mas não que ele seja investigado. Até para evitar que provas sejam destruídas ou perdidas no tempo.
Investigadores tentam interpretar os passos de Dodge. A procuradora pede que Temer seja investigado e que deponha no inquérito, mas manifesta-se contra a quebra de sigilo do presidente; pede a prisão de Geddel Vieira Lima, ex-integrante do núcleo duro do peemedebista; posiciona-se contra o status de ministro para o secretário Moreira Franco; reafirma a denúncia contra o senador Romero Jucá, líder do governo; questiona a constitucionalidade do decreto de indulto natalino e contesta os gastos com a publicidade em favor da reforma da previdência.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público passou a expor uma postura vista como defensiva por procuradores, baixando o tom no combate à corrupção e optando por alardear uma pauta paralela, que não prioriza a Lava Jato e outras investigações de esquemas de corrupção.
Desde a sua posse, Dodge está sob observação da classe política, dos colegas de instituição, da sociedade e daqueles que estão sob investigação. Cada passo ajuda a compreendê-la.
Mas só o tempo e o transcorrer das investigações dirão se a decisão de Dodge de evitar afastar os sigilos de Temer foi cautela ou foi uma medida que acabou beneficiando o presidente e, por extensão, o grupo político que a colocou no cargo. Afinal, no direito penal, os sinais não são matemáticos e a régua é a lei.
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