João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Punir Benjamin Netanyahu com censura de judeus é uma velha ideia totalitária

Castigar artistas e escritores pelos atos dos seus governos é uma forma de barbárie que condena vários grupos inteiros

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É muito simples: punir artistas e escritores pelos atos dos seus governos é uma forma de barbárie. Disse o mesmo quando o Ocidente, do alto da sua suposta superioridade moral, "cancelou" artistas ou escritores russos depois da invasão da Ucrânia.

É indiferente se o artista "X" ou o escritor "Y" gosta, ou não gosta, de Vladimir Putin. Não é indiferente se falamos de um bom músico, pintor ou escritor.

Benjamin Netanyahu em cerimônia que homenageou israelenses mortos no ataque terrorista de outubro de 2023

Minha defesa da autonomia da arte é tão firme que, podendo viajar no tempo, eu defenderia Martin Heidegger, Louis-Ferdinand Céline, Ezra Pound ou Knut Hamsun, apesar de suas simpatias fascistas. O mesmo ­vale para Jean-Paul Sartre, Pablo Neruda, Bertolt Brecht ou Bernard Shaw, apesar de suas simpatias comunistas.

O problema é que o fanatismo do tempo vai mais longe. Não ataca apenas artistas ou intelectuais conotados com certas ideologias ou regimes, o que já seria discutível. Ataca grupos inteiros só pelo fato de serem russos —ou israelenses.

É esse o espírito de uma carta pública que junta centenas de nomes célebres –Judith Butler, Sally Rooney, Percival Everett (sério, Everett?). É uma carta cínica que esconde o jogo para enganar o auditório.

A ideia não é "boicotar" a cultura israelense por causa da tragédia humanitária em Gaza, mas é "recusar a cumplicidade" com "instituições literárias" ligadas ao Estado judaico ou insuficientemente críticas dele, dizem piamente os autores.

A ideia, sem eufemismos, é contribuir para a marginalização de autores judeus, das suas editoras, dos seus festivais literários. É colocar sobre cada um deles uma estrela amarela, não por aquilo que dizem ou escrevem, mas por aquilo que são.

O que virá a seguir? Fogueiras públicas para os seus livros, na melhor tradição de 1933?

A carta teve resposta. Centenas de autores denunciaram o propósito do documento em nova carta pública –e, lendo os subscritores, encontrei autores judeus e não judeus que, ao longo dos anos, têm sido críticos ferozes da ocupação israelense dos territórios palestinos, da construção de assentamentos na Cisjordânia e da catástrofe humanitária em Gaza.

Falo de nomes como Simon Schama, Adam Gopnik, Elfriede Jelinek ou Simon Sebag Montefiore. Serão eles os próximos a marchar para a fogueira só porque não concordam com a fúria destrutiva dos seus colegas?

Qualquer pessoa dotada de atividade cerebral só pode olhar com horror para os cadáveres e as ruínas de Gaza.

Mas a tentação primária de punir o governo de Benjamin Netanyahu através da censura de escritores judeus e israelenses (imagino que escritores árabes israelenses estão fora de perigo) é uma velha ideia totalitária que dissolve o indivíduo no ódio cego a um grupo inteiro.

Nunca aprendemos nada.

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