Modas intelectuais são isso mesmo: modas. E, como todas as modas, passageiras. Tive a confirmação empírica disso anos atrás, em Oxford, quando percorria o corredor de um colégio e centenas de livros se acumulavam no espaço para serem reciclados.
Parei para ver. Eram obras de inspiração marxista, que aplicavam à história, à filosofia e à sociedade as lentes estreitas da teoria. No seu tempo —anos 1940, anos 1950, anos 1960— fizeram sucesso nos departamentos de humanidades. Representavam, digamos, o "espírito do tempo".
Mas, no século 21, eram relíquias de um mundo intelectual morto.
O que é válido para a moda marxista, é válido para a moda "woke" que invadiu os departamentos de humanidades com a mesma visão maniqueísta sobre opressores e oprimidos. Só que, dessa vez, as desigualdades materiais deram lugar às questões de raça ou gênero.
O problema de base, porém, continua igual: não é possível subsumir indivíduos distintos, com vidas e aspirações distintas, numa mesma identidade coletiva (os brancos, os negros, as mulheres, os homens). O que Raymond Aron escreveu sobre o "proletariado" também se aplica aos novos "proletariados".
E, claro, não é possível combater desigualdades reais pela promoção de novas discriminações e pela defesa da censura em matéria de liberdade de pensamento e expressão.
Fato: no "wokismo", ainda estamos muito longe da extinção marxista. Mas há sinais de que a febre vai baixando sob o peso das suas próprias contradições (obrigado, tio Karl).
A revista Economist oferece números: olhando para a opinião pública, para a mídia, para as editoras e até para as empresas, as preocupações "woke" começaram a crepitar em 2015 (quando Donald Trump apareceu no radar) e atingiram o seu ponto máximo em 2021 (depois do brutal homicídio de George Floyd em Minneapolis).
Em 2023, houve uma diminuição acentuada desses temas no mundo cultural e empresarial. A título de exemplo, a revista informa que a expressão "privilégio branco" apareceu no "New York Times" 2,5 vezes por cada milhão de palavras em 2020. Em 2023, 0,4 vezes.
Sim, a contrarreação da direita pode explicar esse recuo. E, sim, a "realpolitik" também teve uma palavra importante: nos Estados Unidos, o partido democrata sabe que, para conquistar o centro (e o poder), não pode ser capturado pelo radicalismo iliberal da sua esquerda.
Mas há uma explicação hegeliana que sempre me pareceu mais convincente: "o ciclo de reação exagerada e contrarreação pode levar ao progresso", escreve a Economist.
Escreve muito bem: os temas "woke" foram perdendo importância à medida que as suas preocupações mais legítimas foram levadas a sério pela cultura e pela política vigentes.
E, nesse quesito, não é preciso engolir a premissa do "racismo sistêmico", muito menos defender o "cancelamento" de vozes que o contestam, para reconhecer que há "ângulos mortos" na vida em sociedade onde o preconceito e a discriminação persistem. E, como tal, devem ser expostos e combatidos como não eram anteriormente.
Moral da história?
O gradual desaparecimento do "wokismo" radical é prova de alguns dos seus méritos. Exatamente como sucedeu com o marxismo: não é possível pensar as condições alienantes do sistema econômico capitalista sem recordar Marx, os manuscritos de 1844 —e a influência tiveram na social-democracia triunfante e na construção do Estado de bem-estar.
Tese, antítese e síntese? Precisamente. Um dia, quando as grandes obras do pensamento "woke" marcharem para a guilhotina, não se esqueça de dizer adeus e obrigado.
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