Como não rir da mais recente conspiração dos apoiadores de Donald Trump?
Depois de acreditarem que o Partido Democrata era dominado por um grupo de pedófilos que cometia seus crimes na cave de uma pizzaria, a invenção do momento envolve Taylor Swift e o namorado, Travis Kelce, jogador de futebol americano.
Os trumpistas, atemorizados com a possibilidade de ambos endossarem Joe Biden nas eleições americanas, acreditam que o namoro é artificial e que o objetivo é político: unir os fãs de futebol americano e da cantora pop numa frente anti-Trump.
Essa conspiração não se limita a Taylor Swift e Travis Kelce. A própria Liga Nacional de Futebol Americano está envolvida no negócio, beneficiando o Kansas City Chiefs —a equipe de Kelce— para que vença a Super Bowl.
É impossível não rir, repito, mas também é impossível não ficar fascinado com a cabeça de um conspiracionista. E então lembro, com saudade, o meu amigo Paulo Tunhas, um filósofo português que pensou seriamente sobre o assunto.
Dizia ele que a cabeça de um conspiracionista é o mais perfeito paradoxo, capaz de combinar o ceticismo mais radical com a credulidade mais radical.
Ou, dito de outra forma, o conspiracionista começa pelo ceticismo e acaba na crença cega.
O ceticismo está na recusa instintiva de aceitar o mero bom senso —ou, subindo o degrau da sofisticação, o conhecimento científico testado e provado.
Uma vacina nunca é uma vacina. A Terra não é esférica. Taylor Swift não namora com Travis Kelce. Nada é o que parece.
Mas depois, num salto de fé rumo ao delírio, o conspiracionista acaba por acreditar em versões da realidade que são infinitamente mais implausíveis do que os fatos que ele contesta.
As vacinas são uma forma de controle social promovido por comunistas. A Terra é rigorosamente plana, caso contrário o pessoal do hemisfério Sul cairia no espaço (cuidado, Brasil!). Taylor Swift e Travis Kelce são agentes socialistas ao serviço do Partido Democrata.
E quando um cidadão comum, abismado com a sabedoria alienada de um conspiracionista, pede provas das suas afirmações, entra em cena uma mistura de paternalismo e arrogância, como se a cabeça dos mortais fosse demasiado estreita para entender a Verdade (com maiúscula).
Eis o paradoxo: a cabeça de um conspiracionista só acredita no inacreditável.
Conheço casos. Convivo com dois ou três. E, perversamente, gosto de alimentar a paranoia deles (são sempre "eles"; as mulheres, mais inteligentes, não costumam figurar nessa comédia).
Falo de guerras, crises econômicas, dramas políticos domésticos. Uso fatos, evidências, registros históricos.
Para tudo isso, os meus conspiracionistas têm uma explicação original, deliciosamente imbecil e absolutamente sigilosa: ninguém pode saber o que só eles sabem (caso contrário, os enfermeiros podem chegar a qualquer momento, imagino).
Se, pelo contrário, eu próprio fabrico uma conspiração (minha última investida foi tentar convencer um familiar que a roupa interior que importamos da China contém químicos que tornam inférteis os ocidentais), o conspiracionista medita um pouco e recebe de braços abertos essa pérola de informação.
No fundo, é isso que alimenta o ego do conspiracionista: o sentimento poderoso de que pertence a uma elite iluminada que não se confunde com as inteligências rasas de quem habita o planeta Terra.
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