João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

A democracia só sobrevive num país de democratas

Debate sobre a defesa do sistema pondera quais os mecanismos de defesa de que dispomos para evitar o pior

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É uma velha e difícil questão: como é que uma democracia se defende de partidos ou candidatos antidemocráticos? Permitindo que eles existam e possam vociferar as suas mensagens?

Ou banindo esses dois espécimes para que o sistema não seja alvo dos seus ataques —e, no limite, destruído por dentro?

O ex-presidente dos EUA e pré-candidato à Presidência pelo Partido Republicano Donald Trump fala a jornalistas ao visitar centro de votação no colégio de ensino médio Londonderry, na cidade homônima, no estado de New Hampshire - Chip Somodevilla/Getty Images/via AFP

O cientista político Jan-Werner Mueller, em artigo para a Project Syndicate, regressa a essa questão. Com Donald Trump nos Estados Unidos e a Alternativa para a Alemanha (AfD) na Alemanha, as democracias questionam quais os mecanismos de defesa de que dispõem para evitar o pior.

Para Mueller, a solução não está em banir os partidos em questão —nos Estados Unidos, por exemplo, isso significaria banir o Partido Republicano, que é hoje o partido de Trump. Um ato suicidário do próprio sistema democrático, que passaria a ser um sistema de partido único.

Talvez a solução esteja em barrar individualmente quem o sistema considera perigoso ou nefasto, permitindo assim que os partidos escolham outras lideranças.

No fundo, Jan-Werner Mueller está aberto à ideia de "democracia militante" de que falava Karl Loewenstein. Contemplando a forma como os nazistas chegaram ao poder, o filósofo alemão entendia que as democracias, às vezes, têm de combater o fogo com fogo.

Ou, em termos menos metafóricos, têm de combater os antidemocratas com as mesmas armas, usando a força se necessário.

Entendo o argumento de Jan-Werner Mueller. Não subscrevo a admiração que ele sente pelo conceito de "democracia militante", que me parece assentar em dois equívocos —um histórico, outro filosófico.

O equívoco histórico está na ideia simplória de que Hitler chegou ao poder por meios estritamente democráticos. Parcialmente, é verdade: os nazistas venceram as três últimas eleições da República de Weimar.

Mas a subida ao poder também se explica pelo clima de intimidação a que os nazistas submeteram a Alemanha —e, pormenor fundamental, pela rendição abjeta das elites conservadoras do país, que se aliaram a um gângster por pensarem que o poderiam controlar.

A traição da democracia, na Alemanha, não veio apenas das massas; veio das elites —políticas e também econômicas. Entregar às elites as chaves de quem entra no clube, como Loewenstein defendia, é uma proposta historicamente duvidosa.

Entenda: não me repugna que uma sociedade estabeleça, na sua lei fundamental, os valores que defende e dos quais não abdica.

Se, por exemplo, a constituição proíbe discursos que incitam ao ódio racial, caberá depois aos tribunais superiores proibir partidos ou candidatos que praticam esse esporte.

Coisa diferente é haver um comitê de sábios que decide, de forma casuística, quem pode ou não participar no jogo. Uma vez mais, seria a democracia a suicidar-se com estrondo.

Por último, há um equívoco filosófico: a democracia só sobrevive num país de democratas. No limite, é indiferente saber se as leis ou as instituições são robustas e decentes. A questão é pré-política e lida com a educação de um povo para as virtudes democráticas.

Se a maioria não possui essas virtudes, desprezando a liberdade, o pluralismo, o compromisso e a civilidade, a manutenção da democracia será tão improvável como a manutenção de uma ditadura onde a maioria as tem em excesso.

O governo é sempre do povo. Mesmo quando não é por ele e para ele.

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