João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu mudança climática

Genocídios em nome de um dogma não são a praia dos defensores da humanidade

Se quem hoje rebenta oleodutos amanhã rebenta com pessoas, o que pode ser feito para evitar que isso aconteça no futuro

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É uma boa pergunta: se você acredita mesmo que uma catástrofe climática esteja a caminho, por que não sai de casa para destruir os símbolos mais evidentes da economia carbonizada —fábricas, automóveis, aviões etc?

Gasoduto contínuo, com curvas, como uma serpente, com lampejos de explosões ao longo de seu corpo de metal
Ilustração de Angelo Abu - Folhapress

Se aquilo que nos espera é o apocalipse, não é bizarro que o pessoal esteja quieto e sereno, esperando pela sua própria extinção? "Amanhã, estaremos todos mortos", diz o ser humano médio. "Mas, nos entretantos, vamos tomar uma cerveja". Ilógico, não?

Há exceções, claro. Uma delas, que conheci agora, é Andreas Malm. Em entrevista para o The New York Times, o professor sueco de 46 anos e autor de "How to Blow a Pipeline" faz uma defesa vigorosa do "radicalismo climático".

O problema é o seguinte: todos nossos esforços para controlar o aquecimento global não foram suficientes. E, se não foram, é preciso subir um degrau e começar a explodir coisas —os oleodutos que transportam o veneno que mata o planeta, por exemplo.

Como afirma Malm, é necessário que os investidores dos combustíveis fósseis entendam os riscos que correm. E como o dinheiro fala sempre mais alto, é preciso atacar onde dói: direto nas suas contas bancárias.

Claro que, na entrevista, Malm é confrontado com uma pergunta óbvia: quem hoje rebenta com tubagens amanhã rebenta com pessoas. O que pode ser feito para evitar que isso aconteça no futuro?

Aqui, Malm vacila. Por um lado, o objetivo é destruir infraestruturas, não vidas humanas. Mas não é possível garantir que não haverá sangue humano no futuro, ele reconhece.

Pois não, Malm: a história do terrorismo ilustra essa ladeira deslizante com particular brutalidade. Aliás, seguindo o seu raciocínio, esse será o degrau seguinte, sobretudo se a sabotagem material também não resultar. E quem, coerentemente, pode recusar esse caminho?

Para salvar a humanidade inteira, você não estaria disposto a sacrificar centenas, milhares, até milhões de seres humanos que se recusam a mudar de vida?

Por acaso, eu não. Genocídios em nome de um dogma nunca foram a minha praia. Digo dogma porque as consequências mais apocalíticas do aquecimento global se baseiam em projeções e modelos que estão longe de fechar o debate.

Acontece que o terrorismo climático não aceita o debate. Nem sequer a persuasão inteligente. Escolhendo a violência como o único caminho para mudar mentalidades, desconfio que o resultado é o oposto: alienar mentalidades.

O filósofo Pascal Bruckner, que não me canso de recomendar às almas tementes, tem dedicado ao tema do catastrofismo ecológico alguns dos melhores textos que conheço.

E um dos argumentos de Bruckner é a natureza contraproducente do catastrofismo. Quando se apresenta o desafio em termos tão avassaladores —não há nada a fazer, exceto regressar ao Paleolítico—, a reação humana nunca se traduz em ação coletiva.

A resposta comum é a desistência. Quem pensa que isso é ilógico não conhece a matéria de que somos feitos: só agimos quando pressupomos que o nosso esforço não é em vão.

Além disso, existe no catastrofismo uma contradição evidente, acrescenta Bruckner. Como sustentar, ao mesmo tempo, que os seres humanos são o câncer do planeta e a salvação do planeta?

O marxismo, pelo menos, fazia uma divisão entre exploradores e explorados, cabendo a esses últimos a redenção da história. Havia uma dimensão de otimismo que inspirava a luta por um mundo melhor.

O catastrofismo ecológico não discrimina, afirma Bruckner. O planeta inteiro é o novo proletariado —frágil, indefeso, mártir— sem a força vital e transformadora do velho proletariado.

E a classe exploradora somos todos nós. Como esperar que os exploradores se entreguem voluntariamente nas mãos da justiça climática?

O ódio à espécie que os terroristas climáticos exibem, o tom acusador aos nossos pecados temporais, o sentido de superioridade que emana das suas palavras, tudo isso só serve para afugentar o pessoal. Não se fazem bons negócios insultando os clientes.

Por mim falo: sempre que apanho um Adreas Malm no púlpito fulminando a nossa ruindade, peço mais uma cerveja e saboreio o mundo enquanto existe mundo.

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