Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Torcicolo
Guazzelli | ||
Naquele dia ele chegou na editora com um torcicolo t�o forte que ganhou o apelido de Torre de Pisa.
Na cozinha em que a equipe se reunia pra tomar caf�, n�o faltou quem lhe desse conselhos pra sarar logo. (O pior de ficar doente � ter que ouvir conselhos de parentes, amigos e conhecidos. Sem falar nos chatos melanc�licos, que te acolhem como se finalmente voc� tivesse entrado pro time deles, dos que n�o querem mais viver.
�s cinco da tarde, n�o aguentando mais de dor, perguntou se algu�m conhecia um(a) massagista. Conheciam, mas eram massagistas de madame, e ap�s um m�s de f�rias na Col�mbia ele estava sem dinheiro.
A solu��o foi apelar pros classificados do jornal. Por experi�ncias pr�prias em madrugadas solit�rias, sabia que massagistas de jornal n�o oferecem exatamente os servi�os que anunciam. Mesmo assim, pensou, ser� que n�o havia uma �nica massagista de verdade, rec�m-formada e barateira, perdida ali no meio do pessoal festivo?
Puxou a cadeira pra perto do telefone decidido a encontrar essa salvadora. Depois de muito "oi, gato, fa�o completinha", atendeu uma garota de voz doce e comum (parecia ter no colo um pacote de bolachas). Ele chegou a perguntar "voc� � massagista mesmo?", ao que ela respondeu "claaaro".
Quando abriu a porta (jovem, branca, bochechas vermelhas, gordinha —uma hero�na de Dostoi�vski), ele achou tudo normal: TV ligada, chinelo no tapete, gato no sof�.
Passaram pela cozinha, onde uma mulher, mais velha que a outra, comia feij�o com macarr�o. Sem parar de comer, ela o cumprimentou erguendo a m�o esquerda.
A sala de massagens era um quarto min�sculo, com uma cama com buraco pra enfiar a cabe�a (inven��o genial) e uma mesinha com �leos e cremes (ok, massagistas tamb�m usam). O estranho era a luz roxa.
Ela avisou que ia buscar uma toalha e enquanto isso ele podia ir tirando a roupa. Explicou que n�o tinha short —tudo bem ficar de cueca? "Fica pelado", respondeu, e riu de um jeito que queria ser sexy.
Ele sorriu de volta, lembrou da namorada (tinham acabado de se conhecer) e disse: "Olha, n�o me leve a mal, voc� � linda, em outras circunst�ncias... Mas n�o vim atr�s de programa".
Ela ficou sem gra�a e saiu. Culpado, ele tirou a roupa e deitou. Ela reapareceu de biqu�ni. Come�ou a massagear seus p�s. De repente parou e se afastou da cama, encostou na parede. Ele levantou a cabe�a —o que aconteceu? Ela respirou fundo e explodiu:
— Eu n�o entendo as pessoas! Quando eu n�o fazia programa, os caras tentavam de tudo comigo. Agora que eu me conformei, agora que fa�o tudo sem pensar muito no que t� fazendo, aparece um louco como voc� e me rejeita.
Depois, mais calma, jurou que tinha feito faculdade de educa��o f�sica em Londrina e v�rios cursos de massagem por a�. Ele acreditou e disse que acreditava. Pagou o que devia e se vestiu.
No elevador, ainda a ouviu comentar com a amiga:
— C� n�o acredita o que aconteceu! Escuta essa. O ser humano � foda!
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