Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Dinheiro
Adoro dinheiro, sei muito bem o que fazer com ele, gasto o que cair na minha m�o sem o menor pudor e com grande prazer, mas infelizmente n�o tenho talento pra ganh�-lo. Deus d� asa pra quem n�o sabe voar. Ou Deus n�o d� asa pra cobra?
Ontem por�m tive a minha segunda ideia pra ficar rico. Antes, vou contar a primeira, que tem mais de dez anos e que, j� deu pra perceber, foi um fracasso completo. Era o seguinte: levar um, dois, infinitos caminh�es cheios daqueles limpadores de mesa que s�o nano feiticeiras pra Buenos Aires e transformar pra sempre os h�bitos de higiene dos portenhos.
� que, em 2005, quando passei uma temporada longa na Argentina, nunca vi em casa nenhuma a tal inven��o, que, acabei de ser informado pelo Google, leva os nomes de "mini feiticeira", "escova de mesa" ou (coisa linda) "papa migalhas". Cheguei a encomendar uma pra minha m�e aqui no Brasil; queria mostrar pros meus amigos hispanohablantes de que catzo eu estava falando; mas ela se recusou a pactuar com a minha "ideia de jerico".
Ilustra��o Guazzelli | ||
Pra azar da nossa fam�lia, pois vejam como s�o as coisas: dali a um ou dois anos Buenos Aires foi invadida pelas papa migalhas –e algum brasileiro mais esperto do que eu deve, nesse momento, tomar banho com champanhe franc�s, enquanto eu e minha m�e... Mas vamos deixar minha discreta progenitora neste quarto par�grafo e partir pro meu segundo insight no terreno das finan�as.
O plano � desmontar minha biblioteca, que ocupa um dos dois quartos do apartamento onde moro, me desfazer de metade dos livros, guardar a metade restante na sala e no quarto de dormir, e encher o c�modo vazio dos objetos mais banais da nossa �poca: garrafas pet, prendedores de roupa, apontadores de l�pis, cinzeiros, garfos, bolachas de chope, m�veis das Casas Bahia, colheres de pau, escorredores de macarr�o, copos americanos, escovas de dente, cabides, estatuetas de Iemanj�, sacolas pl�sticas de supermercado, sacos de papel da padaria, saca-rolhas polichinelo, celulares, preservativos, CDs, DVDs, cadernos, l�minas de barbear, Novalgina 1g, cortadores de pelo de nariz, rodinhos de pia etc. etc. etc.
Daqui a 30 anos essa tralha toda valer� uma fortuna, e eu hei de vend�-la pra algum milion�rio interessado no cotidiano do homem comum da primeira metade do s�culo, com a qual abrir� o Museu das Pequenas Coisas, visitado por milh�es de turistas estupefatos.
Mas eles jamais saber�o que a essa altura, pr�ximo dos 70 e depois de passar por duas opera��es de safena, estou vivendo com uma pintora e massagista japonesa na �ltima praia deserta do Mediterr�neo, numa casinha de paredes caiadas a poucos metros do mar, aparelhada apenas com meia d�zia de livros de poesia, uma geladeira de cervejas, um gal�o de azeite, um pote de manteiga e dois pares de chinelo —um 43 e um 34.
L�, entregues a um desejo simples e constante, a uma tristeza natural e suport�vel, a saudades sem m�goa e a ang�stias sem culpa, n�s te maldiremos e te esqueceremos, vil metal.
Livraria da Folha
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