Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Lugares
Ilha
Certa vez, fazendo com amigos um passeio de barco pelo mar verde-esmeralda de Paraty, paramos numa ilha onde morava a ex-namorada de um deles. Era cientista e vivia rodeada por cachorros, macacos e tucanos. Acho que tamb�m criava uma cabra. Uma vez por semana ia at� a cidade comprar mantimentos; o resto do tempo ficava em casa, sozinha. Fazia mais de dez anos que tinha decidido se afastar da sociedade. N�o era rude; pelo contr�rio, era educada e doce —e n�o nos deixou ir embora sem provar a cacha�a caseira que ela arranjava com um fabricante local. Ao seu lado, a gente logo percebia que o com�rcio entre os homens devia ser pra ela de uma viol�ncia insuport�vel e dava um certo al�vio constatar que tinha conseguido fugir de tudo e de todos. Ou pelo menos de quase todos.
Ilustra��o Guazzelli | ||
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Atenas
Quarto de pens�o com janela sobre uma rua comercial. De onde sobem gritos de vendedores e latidos de c�es. Levanto da cama na qual, tremendo de febre, me deitei h� alguns dias; afasto a cortina e apoio as m�os no parapeito. A cal das paredes na luz crua. A pele brilhante dos bra�os das mulheres. As cores dos tecidos. Um copo de vidro e um balc�o de metal. A carne do mundo � bela. Seu esqueleto tamb�m. Apalpo meu rosto e encontro minha caveira. Loucura ou liberdade —quem me trouxe at� aqui?
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Parapeito
Voc� me deixa em casa depois de um fim de semana numa cidade do interior que nos surpreendeu positivamente. O lindo parque com seus fantasmas de 1924. O quarto de hotel com vista pra piscina e pra serra —�rvores em flor ao longo das ruas. Abro a janela da sala e ligo a TV. A umidade do ar est� em 13%. Como no deserto. Penso em San Pedro do Atacama, onde estive em 2002, e nos contos de Sam Shepard, que li no ano passado. Encosto no parapeito e respiro fundo. Minhas narinas ardem. Seu rosto surge entre os pr�dios —sem nenhum cinismo. Sua voz ao telefone. A nitidez da imagina��o. Um jacar� sem �gua, sob o sol, passa diante de mim.
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Bras�lia
Visitamos o Pal�cio da Alvorada e o Eixo Monumental antes de irmos ao enterro. Era minha primeira vez em Bras�lia e quando olhei pro horizonte na dire��o da Esplanada prendi a respira��o sem querer. Acho que gosto mais do c�u do que do mar. O cemit�rio tamb�m era plano, e as sepulturas baixas, sem pompa, pareciam estar de acordo com aquela passagem de Tch�khov: "Tudo � belo neste mundo, tudo, com exce��o do que n�s mesmos pensamos e fazemos, quando nos esquecemos dos objetivos elevados da exist�ncia e de nossa pr�pria dignidade humana". As ora��es do padre e a m�sica entoada pelos ateus se perdiam no espa�o, sob as nuvens. �rvores do cerrado, retorcidas, e mangueiras carregadas. Ip�s-amarelos diziam AMARELO atrav�s das l�grimas.
Livraria da Folha
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