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Crise de espermatozoides?

A piora na saúde reprodutiva dos homens é tema de novos artigos científicos - e de teorias da conspiração

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Rossana Soletti

Um homem adulto produz de 100 milhões a 200 milhões de espermatozoides por dia, e cada um deles leva cerca de 70 dias para se formar. O número de espermatozoides presentes no sêmen humano contribui para a possibilidade de engravidar uma parceira — o valor ideal é de no mínimo 15 milhões deles para cada mililitro de sêmen.

Em 1992, um estudo analisou diversas pesquisas feitas entre 1940 e 1990 e a conclusão não foi muito animadora: nesse intervalo de tempo a quantidade regular de espermatozoides caiu de 113 milhões para 66 milhões por mililitro. Essa análise, à época de grande repercussão, ainda é muito citada, a despeito das severas críticas à metodologia, que teria superdimensionado o resultado final.

Arte ilustra um hambúrguer e produtos industrializados como desinfetantes envoltos por espermatozoides
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

Em 2017 a polêmica voltou à tona, com mais um grande estudo indicando um declínio: a contagem de espermatozoides em homens dos Estados Unidos, Europa, Austrália e Nova Zelândia caiu de 99 milhões por mililitro em 1973 para 47 milhões em 2011. Esse novo estudo, porém, também possui limitações: é muito difícil fazer comparações ao longo das décadas e entre valores obtidos por laboratórios em distintas partes do mundo, dadas as diferenças nas técnicas de análise do sêmen, no controle de qualidade laboratorial e até no treinamento das equipes.

Além disso, vieses na seleção dos pacientes e mesmo fatores como o tempo de abstinência sexual antes da coleta podem interferir no resultado final. Estudos mais recentes continuam tentando responder se a produção de espermatozoides está de fato diminuindo e se isso representa um perigo para o futuro da humanidade, mas as conclusões são contraditórias.

Uma pesquisa definitiva e com resultados precisos talvez não seja possível tão cedo. Os experimentos ideais envolveriam análises consistentes e absolutamente padronizadas no correr de muitas décadas, com um considerável número de indivíduos em populações comparáveis. A falta de registros clínicos para as contagens de espermatozoides é um empecilho, já que não existem bancos de dados com análises desse material em diferentes lugares do globo. Na verdade, a maioria dos homens sequer conhece os parâmetros de qualidade do próprio sêmen.

A saúde reprodutiva masculina é tradicionalmente negligenciada. Apesar de metade dos casos de infertilidade conjugal ter origem em fatores do homem, no imaginário social a "culpa" recai sobre a mulher. Também por isso, os estudos que apontam quedas na quantidade de espermatozoides não devem ser ignorados, mesmo com todas as controvérsias e limitações. É preciso nos aprofundarmos nas causas desse suposto declínio — pesquisas feitas em animais e estudos de associação em humanos trazem alguns fatores relevantes nesse sentido.

O estilo de vida atual — mescla de sedentarismo, dieta inadequada, obesidade, tabaco, excesso de álcool, stress e falta de sono regular — tem algo a dizer sobre o assunto, assim como a exposição a poluentes conhecidos como disruptores endócrinos, que alteram os níveis de hormônios sexuais. Esses produtos químicos se encontram em pesticidas e em aditivos industriais que compõem centenas de produtos, como espumas de mobiliário, circuitos eletrônicos, materiais têxteis, plásticos, tintas e até produtos de higiene pessoal.

As possíveis rotas de absorção também são muito amplas, indo desde a ingestão de água e alimentos contaminados até a inalação. Como exemplo, a exposição ao bisfenol A (BPA), matéria-prima de alguns plásticos, tem sido associada à diminuição na quantidade de espermatozoides e à piora de outros parâmetros do sêmen. Muitos países já baniram essa substância de alguns produtos, mas a indústria passou a utilizar substitutos como o bisfenol S (BPS) e o bisfenol F (BPF), que apresentam o mesmo potencial de danos à saúde reprodutiva.

Enquanto as causas para possíveis quedas na qualidade do sêmen têm sido extensamente estudadas, grupos extremistas atribuem à agenda feminista o colapso reprodutivo. Ao propor a igualdade nos papéis sociais de homens e mulheres, ela estaria provocando uma diminuição nos níveis de testosterona e destruindo a masculinidade. Além de absurdo e sem fundamento, tal discurso esconde o que realmente importa: conscientizar os homens de que mudanças positivas no estilo de vida podem melhorar a quantidade e qualidade dos espermatozoides, e que todos deveriam apoiar o desenvolvimento de pesquisas e de políticas públicas para mitigar os impactos dos poluentes ambientais na saúde humana.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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