Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)
Sobre sapos escaldados e corais desbotados
Aquecimento dos oceanos surpreende pesquisadores e prenuncia o pior
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Sabe aquela lorota de sapos ou rãs que morrem na panela porque não percebem a água esquentando aos poucos até ferver? Pois é lorota mesmo, balela, patranha, potoca. O animal vai pular fora rapidinho. Já humanos...
A atmosfera da Terra está se aquecendo desde o século 19 com os gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) da queima de combustíveis fósseis e florestas. Na média, subiu 1,2ºC desde então, perto demais do 1,5ºC que a ciência aponta como limite de segurança.
Meio que nos acostumamos com o avanço lento e gradual dos termômetros. Mas o povo xinga dia e noite o calor, a dengue, a Enel, as enchentes, as queimadas, as secas, os deslizamentos de morros, o preço do feijão –sem atentar que muitas dessas pragas têm algo a ver com o aquecimento global.
Se não nos incomodamos com o esquentamento da atmosfera, que vai infernizar de vez a vida de nossos filhos e netos, imagine com os oceanos. Quem tem o privilégio de frequentar praias até gosta de água mais quentinha e está certo de achar que não corre risco de morrer fervido.
Muita vida vai morrer antes de nós. Já estão perecendo os bancos de corais, por exemplo. É uma extinção em massa ocorrendo ao vivo e em cores, melhor dizendo, em branco.
O fenômeno se chama branqueamento ("bleaching", em inglês). Recifes de coral são formados por milhões de pólipos, organismos do reino animal que mantêm algas em seu interior, numa relação simbiótica. Com o choque térmico, perdem as algas, a vida e as cores exuberantes que maravilham mergulhadores e cinegrafistas.
Apenas 1% dos mares da Terra apresentam bancos de corais. Mas eles são responsáveis, como berçários e fonte de alimentos, por sustentar um quarto da vida marinha. Sem mencionar milhões de pessoas que vivem do turismo.
O maior espetáculo fica na Grande Barreira da Austrália, conjunto de cerca de 3.000 recifes que se estendem por 2.300 km e cobrem 344 mil km2. Neste 2024, o portento atravessa seu quinto branqueamento em massa em oito anos.
Coisa de 80% da Grande Barreira esteve sob estresse. É a maior extensão já registrada, deixando para trás os 60% medidos em 2017. E não só aí: 54% das áreas marinhas com corais do planeta enfrentam temperaturas capazes de desencadear o branqueamento. Até o fim deste século os corais podem extinguir-se.
Não é para menos: os oceanos nunca estiveram tão quentes, batendo recordes seguidos por mais de um ano. Na média, a temperatura na superfície dos mares alcançou 21,07ºC em março, segundo a agência europeia Copernicus, ligeiramente acima dos 21,06ºC de fevereiro.
Os valores superam os registrados ao longo de 2023, que por sua vez foi o ano mais quente já observado, na atmosfera e no mar. No primeiro caso, o aumento da temperatura do ar está em linha com o que os modelos predizem com base na concentração atmosférica de CO2.
No caso dos mares, climatologistas e oceanógrafos quebram a cabeça para desvendar o que está acontecendo. Só El Niño, que deve acabar em breve, não dá conta de explicar toda a anomalia.
O oceano absorve boa parte do calor adicionado à atmosfera pela humanidade, mas a mudança climática em curso não se mostra suficiente para esclarecer a quentura das águas. Um enigma preocupante, porque o clima como o conhecemos é regulado por correntes marinhas, massas de ar e diferenças de pressão que os mares desencadeiam.
O aquecimento anormal do Atlântico, que tem bagunçado o clima no Brasil, deve ocasionar uma temporada frenética de furacões, prevê-se. Quem viver verá.
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