Crise hídrica global ameaça mais de metade da produção de alimentos

Relatório pede ações urgentes e alerta sobre má gestão dos recursos hídricos e mudanças climáticas

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DW

Mais da metade da produção mundial de alimentos pode estar em risco até 2050 se medidas urgentes contra a crise global de água não forem adotadas, alertou um grupo de líderes e especialistas em um relatório publicado nesta quinta-feira (17).

"Quase 3 bilhões de pessoas e mais da metade da produção mundial de alimentos estão agora em áreas onde o armazenamento total de água tende a diminuir", diz o relatório produzido pela Comissão Global sobre a Economia da Água (GCEW, na sigla em inglês).

A imagem mostra um grupo de cinco mulheres caminhando em uma estrada rural. Elas estão vestidas com saris coloridos e carregam potes de metal na cabeça. Algumas mulheres também têm baldes ou recipientes nas mãos. Ao fundo, há vegetação e algumas casas visíveis.
Moradoras de uma vila carregam recipientes com água no distrito de Shahapur, no estado indiano de Maharashtra, em meio a onda de calor - Indranil Mukherjee - 26.mai.2024/AFP

Intitulada "A economia da água: valorizar o ciclo hidrológico como um bem comum global", a análise alerta que a crise hídrica pode levar a uma redução média de 8% no PIB (Produto Interno Bruto) em países de alta renda até 2050 e de até 15% em países de baixa renda.

Os declínios econômicos seriam consequência "dos efeitos combinados das mudanças nos padrões de precipitação e do aumento das temperaturas devido às mudanças climáticas, juntamente com o declínio do armazenamento total de água e a falta de acesso a água limpa e saneamento".

A GCEW considera que "a utilização destrutiva da terra e a persistente má gestão dos recursos hídricos se juntaram ao agravamento da crise climática para colocar o ciclo global da água sob uma pressão sem precedentes".

Em hidrologia, o chamado ciclo da água ou ciclo hidrológico refere-se à troca contínua de água entre a atmosfera, a água do solo, águas superficiais, subterrâneas e das plantas.

"Pela primeira vez na história da humanidade, estamos desequilibrando o ciclo global da água. Já não podemos confiar na chuva, a fonte de toda a água doce, devido às alterações climáticas e de uso da terra causadas pela humanidade, que prejudicam a base do bem-estar humano e da economia mundial", afirma Johan Rockström, diretor do Instituto de Potsdam de Pesquisa sobre Impactos Climáticos e um dos cinco copresidentes da GCEW.

Relatório histórico

A Comissão Global sobre a Economia da Água foi criada pela Holanda em 2022, com base no trabalho de dezenas de cientistas e economistas de renome, com o objetivo de formar uma visão abrangente sobre o estado dos sistemas hidrológicos globais e sua gestão.

O relatório de 194 páginas publicado nesta quinta é o maior estudo global a analisar os vários aspectos da crise da água e sugerir soluções. O documento, que a comissão classifica de "histórico", argumenta que as abordagens existentes ocasionaram a crise da água, por não levarem em conta o seu valor para a economia e a preservação dos ecossistemas.

Embora a água seja frequentemente percebida como "um presente abundante da natureza", o relatório enfatiza que ela é escassa e cara para transportar.

Em julho de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o direito de todas as pessoas ao acesso a água suficiente para uso pessoal e doméstico, o que equivaleria a entre 50 e 100 litros por dia. A GCEW, no entanto, afirma que essa quantidade foi subestimada e sustenta que "uma vida digna —incluindo nutrição e consumo adequados— requer um mínimo de cerca de 4.000 litros por pessoa por dia".

Água como bem comum global

Os especialistas apelaram para que o ciclo da água seja considerado um "bem comum global", o que exige uma "colaboração através de fronteiras e culturas", e para uma transformação na governança da água em todos os níveis.

"Os custos envolvidos nessas ações são muito pequenos em comparação ao dano que a inação contínua causará às economias e à humanidade", destacaram os especialistas.

Para enfrentar a crise, é necessária uma "nova economia da água", baseada num "pensamento mais ousado e integrado e numa reformulação da estrutura das políticas", defende a comissão.

"Só podemos resolver esta crise se pensarmos em termos muito mais amplos sobre como governamos a água. Reconhecendo as interações da água com as alterações climáticas e a biodiversidade. Mobilizando todas as nossas ferramentas econômicas e financiamento público e privado para inovar e investir na água. Pensando e agindo multilateralmente", resume outro copresidente da GCEW, o líder de Singapura, Tharman Shanmugaratnam.

Do fim de subsídios a dietas de origem vegetal

Entre outras medidas, o documento da GCEW defende a eliminação de subsídios prejudiciais em setores de uso intensivo de água. "Precisamos vincular a precificação da água a subsídios apropriados", disse Ngozi Okonjo-Iweala, Diretora-Geral da Organização Mundial do Comércio e copresidente da GCEW.

A primeira missão, segundo a comissão, deverá ser o lançamento de uma revolução nos sistemas alimentares, o que incluiria o uso da microirrigação (técnica de irrigação que consiste na aplicação de água de forma precisa e controlada) na agricultura e a mudança progressiva "de dietas de origem animal para dietas de origem vegetal".

A GCEW recomenda também que sejam conservados e restaurados habitats naturais essenciais para preservar a umidade nos solos e plantas, que retorna e circula pela atmosfera e gera chuva.

"Nenhuma comunidade ou economia será poupada"

O relatório apela ainda pela proteção dos mais pobres e vulneráveis. "A crise global da água atinge primeiro, e de forma mais dura, os mais vulneráveis. Mais de mil crianças com menos de 5 anos de idade morrem todos os dias por causa de água imprópria e falta de saneamento", diz o relatório.

"No entanto, nenhuma comunidade ou economia será poupada das consequências de um ciclo da água desregulado —resultado de nossas ações coletivas ao longo de décadas. O mais perigoso é que falharemos no combate às mudanças climáticas se falharmos na gestão da água", alerta o texto.

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