Conhecido no mercado pela austeridade administrativa, José Galló, presidente da Lojas Renner há mais de duas décadas, está sempre vestido com roupas da empresa que administra. O executivo vigia, a partir de um Big Brother com grandes monitores instalados em seu escritório, pontos de venda da Renner de todo o Brasil em busca de falhas no atendimento ao cliente e desperdícios de recursos.
Apesar da preocupação constante em fazer mais com menos, Galló não pretende, em 2015, fazer ajustes radicais nos investimentos da Renner – a não ser em “caso extremo”. Vice-líder no varejo brasileiro de confecções, atrás apenas da C&A, a rede faturou R$ 4,6 bilhões no ano passado. Para garantir que a Renner siga relevante e ganhe mercado, Galló sabe que é preciso manter a grande máquina girando.
Por isso, a companhia prevê investir R$ 550 milhões este ano – 10% a mais do que em 2014. Entre as apostas estão um novo centro de distribuição, a construção de um edifício para os escritórios da matriz, em Porto Alegre, e pelo menos 45 lojas de três bandeiras.
Apesar de o ajuste fiscal envolver aumento de impostos e redução de concessões feitas ao setor produtivo – como a desoneração da folha de pagamento -, Galló diz ver o movimento de cortes do governo como “imprescindível”. Segundo ele, se o remédio for inicialmente muito amargo, tudo bem: “Muitas vezes, antes de melhorarem, as coisas têm de piorar.”
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado:
Em momentos de crise como este, é importante continuar a ocupar espaço?
Até o presente momento, estamos mantendo nossa política de expansão conforme o programado e aprovado pelo nosso conselho de administração. Vamos abrir 25 lojas Renner, 10 Camicado (rede de cama, mesa e banho) e 10 YouCom (voltada à moda jovem) em 2015.
A Renner deve investir mais em lojas de rua, após anos apostando nos shoppings. Por quê?
Considerando os anos de 2015, 2016 e 2017, temos mais de 80 pontos já negociados apenas para a Lojas Renner. Às vezes, há um pouco de drama em relação à situação dos shoppings. Na realidade, há shoppings sendo construídos e expandidos. Nós temos mais lojas de shopping porque, quando resolvemos ser mais agressivos no nosso plano de expansão, coincidiu com a construção de um número grande de shoppings. Então nós dirigimos toda a nossa capacidade de crescimento para os shoppings porque realmente é difícil você não entrar no shopping e depois ter de esperar uma expansão. Foi um processo natural. (Hoje, 93% das lojas da Renner estão em shoppings).
Como será a aposta nas lojas de rua?
Temos espaço para mais lojas de rua. Provavelmente, dessas 25 lojas de 2015, 4 ou 5 serão lojas de rua. É uma proporção porcentualmente maior. Normalmente, quando há um enfraquecimento da economia, as lojas de rua sofrem mais. E aí surgem mais oportunidades (de negociações melhores de pontos).
Mas as lojas de rua não são menos rentáveis?
As lojas de rua custam menos do que as de shoppings. E não é verdade que a loja de rua seja menos ou mais rentável. Além disso, vale esclarecer que, quando resolvemos abrir uma loja, nós temos um plano de negócios para cada uma delas. Queremos ter um determinado retorno sobre o valor investido. Sem esse plano, não abrimos lojas nem em shopping nem em rua.
A Renner ampliou bastante as importações da China nos últimos anos. Com o dólar alto, isso será revertido?
Temos um escritório na China há uns dois anos, além de operarmos uma trading própria no país. Somos, de certa forma, praticamente obrigados a usar a China nos artigos de inverno, pois hoje não existe uma indústria nacional com porte para atender às grandes empresas. No passado, as empresas de lã e de couro do Brasil forneciam metade do ano para o mercado interno e exportavam no restante do tempo. Mas, como perdemos competitividade na exportação, elas sumiram. Praticamente metade da fatia de produtos que importamos, de 25% a 30% do total, é de roupas de inverno.
Então é uma situação sem saída?
Não temos alternativa aqui para esses produtos, independentemente da taxa cambial. Tanto nós quanto nossos concorrentes precisamos importar. Com o nosso escritório próprio, conseguimos negociações melhores.
A Renner divulgou que fez um ‘hedge’ (proteção) que lhe garante um dólar de R$ 2,60 até o fim do ano. Isso dá um fôlego nessa turbulência?
Temos esse hedge que nos dá um dólar médio bastante interessante.
Há anos, o sr. defende dentro da Renner a simplificação de processos como ferramenta de cortes de custos. Isso fica mais importante agora?
É importante em todos os momentos e mais ainda agora. A simplicidade normalmente leva a menores custos, a processos mais simples e rápidos. É mandatário num período como esse.
O senhor está no comando da Renner há mais de duas décadas. Tendo isso em mente, essa crise é pior do que outras que o País já viveu?
A turma jovem não se lembra, mas nós já vivemos momentos de 60% de inflação ao mês. Passamos por muitas situações de dificuldade enorme para se fixar preços. As pessoas recebiam o salário, mas a inflação era de tal porte que, no fim do mês, o poder aquisitivo se perdia. Já vimos coisas piores, com as variáveis econômicas muito mais deterioradas. O Brasil era um país mais frágil. Hoje temos um mercado maior, esses 30 ou 35 milhões de brasileiros que vieram reforçar o mercado (ao ascenderem para a classe C). O mundo não vai acabar.
Mas também não vai ser fácil.
Nós tivemos uma economia bastante aquecida entre os anos de 2003 e 2010. Era uma época em que todo mundo ia bem, independentemente do diferencial competitivo. Quando você tem um desaquecimento da economia, começam a ser testados os diferenciais. Certamente, nem todas as empresas que estavam lá naquele bom momento vão permanecer do mercado. Vamos ter uma concentração do mercado, com oportunidade de aumento de share (participação de mercado) para quem fizer o trabalho bem feito.
As grandes redes, que têm maior fôlego econômico, podem ganhar mercado das redes menores e do mercado informal neste momento mais difícil?
Sim, porque certamente as grandes têm diferenciais competitivos reconhecidos pelo consumidor. Uma empresa não cresce só porque tem capital. Não adianta ter dinheiro se não tem diferenciais competitivos. Nós estimamos hoje que a informalidade no mercado do vestuário ainda esteja ao redor de 40%.
Por isso, a fatia de mercado das grandes redes ainda é pequena.
Sim. As cinco maiores empresas do setor do vestuário – Renner, C&A, Riachuelo, Marisa, Pernambucanas – devem ter de 13% a 14% do mercado de vestuário do Brasil. Os cinco maiores operadores de supermercados estão ao redor de 50%. As redes de eletrodomésticos também estão ao redor de 50%. Eu não vejo os cinco líderes do vestuário com 50%, mas algo entre 20% e 25% seria razoável.
O valor médio das compras na Renner está em alta, mas agora existe uma pressão sobre preços. A empresa vai ter de diminuir preços?
Nosso tíquete médio está na ordem de R$ 180. Se você divide isso por cinco vezes, operamos com um tíquete médio baixo e uma prestação (de R$ 36 por mês). Vamos manter nossa política de preços neste ano. Além disso, o vestuário não é um produto de compra comparada, como um eletrodoméstico ou um carro. Os jornais sempre dizem que o setor de beleza e de cosméticos é imune à crise. E eu digo: não se esqueça de que o vestuário é primo dos cosméticos. Acho que vamos sofrer menos do que os itens de maior valor, eletrodomésticos, automóveis e imóveis.
Como a Renner vende a crédito, a inadimplência não preocupa?
O consumidor está se desendividando há algum tempo. Certamente as empresas que facilitaram muito o crédito terão problemas. Nós somos bastante conservadores quando damos crédito. Eu gosto muito de olhar o comprometimento da renda com as prestações mensais. Acho que este deve ser o principal indicador (a ser observado).
Não existe um risco de crédito, em sua opinião?
Não podemos esquecer que o consumidor brasileiro tem uma dependência muito grande do crédito. Nos últimos 20 anos, nós nunca tivemos uma crise de crédito do consumidor no Brasil. Em algumas vezes, a gente teve casos específicos de empresas que tiveram problemas de créditos. O que houve nos EUA, no ano de 2008, nos financiamentos imobiliários, foi uma crise de crédito do consumidor. Isso não ocorre no Brasil. Se um cidadão cai em uma lista de inadimplência, ele não consegue comprar mais nada, não consegue alugar casa, tudo fica comprometido. O consumidor brasileiro se comporta muito bem, mesmo em períodos de redução nos negócios. Falo isso faz uns 15 anos, mas ninguém parece acreditar em mim.
Mesmo empresas saudáveis do ponto de vista econômico fizeram cortes de funcionários recentemente. A Renner precisará fazer o mesmo?
Nos 20 anos que eu estou aqui, nós nunca demitimos um colaborador para reduzir custos. A gente é muito cuidadoso ao admitir. Só aumentamos o quadro quando é realmente necessário. Eu também tenho de reconhecer que o giro de trabalhadores é relativamente alto no varejo. Se eventualmente tiver de fazer algum ajuste, é só deixar de admitir alguém que sai para reajustar rapidamente o quadro.
Mas a Renner adotou alguma medida específica em relação aos custos contra essa crise?
Pode parecer pretensioso, mas nós fazemos isso sempre. Para ver isso, basta olhar as nossas despesas. Nos últimos cinco anos, você pode observar uma redução de despesas mesmo em época de mercado muito bom.
Se acontecer o pior cenário para a economia, vocês vão segurar os investimentos?
A gente tem uma série de compromissos. Nós temos investimentos em novas lojas, reformas, sistemas, um novo centro de distribuição. Tem algumas coisas que temos de completar independentemente do cenário. O centro de distribuição de Santa Catarina, que já está em fase de montagem de equipamentos, vai ser terminado. Estamos construindo um novo prédio para a matriz, em Porto Alegre, com 25 mil metros quadrados. Se for necessário, a gente vai certamente analisar o que pode ser postergado. Por enquanto, estamos prevendo investir R$ 550 milhões, contra R$ 500 milhões de 2014.
Mesmo com o aumento de impostos, o sr. considera o ajuste fiscal do governo importante?
É mais forte do que importante, é imprescindível. Acho animador ver que, mesmo quem era contra, está começando a se conscientizar dessa necessidade. Muitas vezes, para as coisas melhorarem, elas têm primeiro de piorar. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.