Bjus, bêjo ou beijo

Termino uma palestra sobre o uso das novas tecnologias na educação. Alguns questionamentos, algumas dúvidas, palmas e fim. Concluo que foi uma boa palestra, estavam presentes mais de 70 professores do Ensino Fundamental e Médio. Recolho minhas coisas e me dirijo até o estacionamento, de repente alguém me chama:

– Professora, posso falar com você?

– Pois não.

– Eu não sou professora, estava ali no café esperando o intervalo, eu sou a que estava servindo o café. Gostei muito da sua palestra. Mas eu tenho uma pergunta.

Sorri e aguardei a pergunta.

– Comprei um computador para meu filho. Sabe, o Márcio é um bom menino, tira boas notas e mereceu o presente, no final de semana ele fica na internet, conversa com os primos. Mas tô preocupada, ontem ele me deixou um bilhete dizendo que dormiria na casa do seu amigo João e no final escreveu beijo com: b-j-u-s. Ele escreveu assim por causa da internet, né? Isso vai atrapalhar ele nas escritas na escola?

Uma mãe de repente me fez a pergunta mais profunda da manhã. Respondo que não, que ele com certeza sabe que na escola terá que escrever de outra forma.

– Mas sabe, continuou ela – o meu medo é que a professora de português é durona, se ele escrever assim ela pode até gritar com ele. Ele é um menino sensível e sei que ela grita na sala quando corrige os textos e encontra muitos erros. Já pensei em proibi-lo de acessar a internet.

Disse-lhe que não precisava proibi-lo, que conversasse com ele sobre a forma como ele escreveu beijo. Diga que entendeu a mensagem, mas que ele cuidasse para não escrever assim nos trabalhos escolares, pois a forma como ele escreveu é para ser utilizada no computador.

Ela sorriu e continuou:

– Quer dizer que na internet ele pode continuar escrevendo assim?

Eu disse que sim, pois era a escrita da internet.

– Muito obrigada, professora, estou mais aliviada. A professora dele deveria saber disso, né?

Sorri e nos despedimos. Enquanto dirijo penso nessa nossa conversa e o que fica repetindo é: ?A professora dele deveria saber disso, né?? Fiquei refletindo o que os professores devem saber sobre isso.

Quando questionados sobre a escrita utilizada na internet, alguns professores são unânimes ao afirmarem que é uma escrita utilizada por jovens e que não deve ser proibida, mas que o professor tem que tomar muito cuidado quando ?os jovens? usarem essa escrita na escola, ou seja, essa escrita é considerada como ?errada? pelo professor.

Com certeza a produção e a circulação de textos na internet trazem desafios para a educação formal das novas gerações. O que precisamos entender é que essa forma de escrita acontece num suporte específico (o computador) e tem configurações diferentes conforme a ferramenta (processador de texto, MSN, e-mail, blog, floog, orkut, etc.) que utilizamos.

Cabe ao professor mostrar isso ao seu aluno, com atividades práticas, de preferência utilizando os ambientes informatizados da escola, que produzir textos é se comunicar e que cada gênero textual exige uma configuração particular, ou seja, deve estar adequado ao lugar, contexto e interlocutor. Aquele professor que insiste em não refletir sobre as práticas culturais específicas surgidas de necessidades diferenciadas nas sociedades do mundo contemporâneo, com certeza, não conseguirá mostrar isso ao seu aluno, pois não pensa em inovar as suas metodologias de sala de aula.

Portanto, não devemos considerar a escrita na internet como erro, mas sim como novos processos de produção e construção do texto escrito. Precisamos lembrar sempre que a ortografia é artificial, uma decisão política, e que a língua é natural. Portanto, na internet, estamos sempre utilizando a língua. A ortografia oficial é necessária para que todos possam ler e compreender o que está escrito. É normal acharmos que nos bate-papos na Internet teríamos de usá-la também, mas na internet simulamos situações de fala e por isso em vez de beijo, eu escreva bêjo ou bju, ou simplesmente coloque um emotion (desenho com movimento).

Espero que a professora do Márcio, nas suas aulas de Língua Portuguesa, passe a utilizar metodologias que mostrem aos alunos que tipo de escrita deve ser usada nas diversas situações comunicativas. Ou seja, tudo depende dos seguintes fatores: quem diz, o quê, a quem, como, quando, onde, por que e visando a que efeito. Isso nos leva a considerar que a interação comunicativa face a face, atualmente também se dá ?tela a tela?.

Glaucia da Silva Brito ([email protected]) é professora do Departamento de Comunicação e da Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná.

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