150 mil íris escaneadas: entenda projeto de 'Identidade Global' da World ID
Projeto World ID quer criar sistema de identidade única e global e ajudar a prevenir fraudes digitais, mas coleta e tratamento de dados preocupa ANPD; entenda
A World ID, está realizando a leitura da íris de usuários no mundo todo com o intuito de criar uma “Identidade Global” única, e à prova de fraudes digitais — ou pelo menos mais segura que meios atuais de validação. Os dados atualizados da World Foundation registram que, em menos de um mês, mais de 150 mil usuários já tiveram a íris escaneada no Brasil pela infraestrutura idealizada por Sam Altman, CEO da OpenAI, dona do ChatGPT.
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No entanto, ainda há uma preocupação com a transparência em relação ao tratamento dos dados, bem como outros usos em potencial dessas informações. Um dia antes da World ID iniciar as coletas de dados no Brasil, no dia 13 de novembro, a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) abriu um processo para verificar se o processo de coleta, bem como a utilização das imagens, estão conforme a Lei Geral de Proteção de Dados. Em nota enviada ao TechTudo após a publicação original desta matéria, a representação da World esclareceu que o processo em questão é um procedimento padrão, e não se trata de uma ação legal.
"A investigação em andamento pela ANPD é um procedimento padrão aplicado a novas tecnologias e não reflete uma preocupação específica com o protocolo. A World se empenha em estar totalmente em conformidade com todas as leis e regulamentações aplicáveis ao processamento de dados pessoais nos mercados onde atua, incluindo, mas não se limitando à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - 13.709/2018)."
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O que é a World ID?
A World ID alega que pretende ser uma identidade única e global criada bom base na biometria da íris dos usuários cadastrados, algo muito mais difícil de burlar do que a biometria facial, por exemplo. O projeto é apenas uma das iniciativas da World Foundation, organização criada por Sam Altman, CEO da OpenAI, cujo objetivo é implementar formas “instituições mais justas e inclusivas de governança e de economia global digital”. Segundo a descrição da World ID, essa modalidade de biometria, além de mais segura, garante que os usuários comprovem sua identidade de forma “segura e anônima”. Vale ressaltar ainda que, apesar de ter sido fundada por Altman, a World Foundation não é subsidiária da OpenAI.
Ao registrar a imagem da íris dos usuários cadastrados, a World ID não armazena a imagem em si, ou mesmo os dados biométricos. Ela gera um código único, que permitiria não identificar necessariamente o usuário, mas que se trata de uma pessoa real, e não um deepfake gerado por IA. A criação da World ID é relativamente simples, sendo preciso apenas baixar o aplicativo e agendar um horário em um dos postos de coleta para ter sua íris escaneada. O processo já está sendo aplicado nos EUA, México, Espanha, Portugal, Alemanha, diversos países da Ásia, e já conta com 20 pontos de coleta no Brasil.
Até o momento, mais de 640 mil brasileiros já se cadastraram na plataforma World App, e 150 mil já realizaram o registro da íris. Também em resposta ao TechTudo, a World ID afirmou que todas as imagens são apagadas automaticamente após a geração do código da íris dos voluntários, e afirmou ainda que todos os usuários podem "solicitar a exclusão de seu código a qualquer momento".
Para que serve a World ID?
Associada aos processos específicos de validação de identidade em sistemas bancários, redes sociais e até processos eleitorais digitais, a plataforma da World ID poderia ser utilizada para verificar se tratar de uma pessoa real sem a necessidade de Captcha. Essa é inclusive a maior vantagem da ferramenta, segundo a fundação, já que por conta dos avanços em IA, muitos robôs já conseguem burlar esses sistemas de verificação com algoritmos até relativamente simples de visão computacional aplicados à programação dos bots.
Além da identidade digital, a World ID também criou uma criptomoeda que, teoricamente, seria utilizada como uma moeda digital global atrelada ao código biométrico único de cada usuário, e não a uma carteira que pode ter seus dados roubados. Os usuários que realizarem a coleta da íris ainda recebem 25 Worldcoins, o equivalente a R$ 470 na conversão atual. Em teoria, um sistema desse tipo permitiria estabelecer relações econômicas desvinculadas de sistemas de governo, mas mais seguras e rastreáveis que as criptomoedas, como Bitcoin, permitindo identificar o caminho das transações caso haja a necessidade de identificar negociações relacionadas a atos criminosos, por exemplo. Resumidamente, os usos potenciais propostos pela World ID seriam:
- Prevenção de fraudes online: evitar a criação de perfis falsos em redes sociais e plataformas digitais, além de facilitar a identificação de deepfakes;
- Segurança em transações financeiras: garantir que as transações bancárias e outras negociações sejam realizadas por pessoas reais, e não bots com ferramentas de IA;
- Votações online: garantir a autenticidade dos votos, possibilitando que mais governos adotem processos eleitorais digitais seguros contra fraudes;
- Acesso a serviços online: permitir que apenas humanos acessem determinados serviços, como sites de compras, redes sociais e outros aplicativos.
Por que isso pode ser um problema?
Por operar de forma independente dos sistemas legais e jurídicos de cada país, a anonimidade dos usuários e eventual quebra de sigilo para investigações precisaria, antes, passar pelas políticas de privacidade da World ID. Dependendo de como forem estabelecidas essas políticas, isso poderia acrescentar etapas a processos investigativos, já naturalmente morosos. Contudo, conforme a World ID, não há um objetivo específico e intencional de atuar de forma independente, mas integrada a outros sistemas.
"A tecnologia pode, sim, operar de forma independente, mas também pode atuar de forma integrada, como no caso da parceria com o governo da Malásia. Por lá, a parceria envolve o uso da tecnologia de captura de íris da Tools for Humanity, desenvolvida para a World, com o objetivo de verificar a humanidade dos indivíduos. Essa iniciativa integra uma estratégia mais ampla voltada para o aprimoramento das credenciais digitais no país."
Teoricamente, um problema ainda maior seria que, em caso de vazamento ou roubo de dados da própria World ID, criminosos poderiam utilizar essas mesmas ferramentas de segurança e privacidade para cometer fraudes. Na prática, em vez de estabelecer ferramentas mais justas de governança, isso agiria na contramão do processo, dificultando ainda mais a responsabilização por crimes digitais. Sobre este ponto específico, a questão foi levantada com base em uma reportagem de 2023 do MIT Review, sobre a qual o porta-voz da World foi categórico, afirmando não haver nenhum tipo de risco nesse sentido.
"Não há possibilidade de fraude, pois o código é fragmentado e anonimizado antes de ser enviado aos servidores. Os fragmentos criptografados não revelam nada sobre o indivíduo nem podem ser efetivamente vinculados de volta a ele. A World assegura a efetiva anonimização dos dados".
Além disso, a World utiliza a tecnologia avançada AMPC (Computação Multipartidária Anonimizada), que adiciona camadas extras de proteção. Com essa tecnologia, os dados da íris são processados de forma criptografada diretamente no Orb — o dispositivo que captura as imagens em alta resolução — tornando-os anônimos desde a origem. Dessa forma, apenas dados anonimizados são transmitidos, compartilhados de forma secreta e protegidos por criptografia de ponta a ponta, sendo processados separadamente em nós de computação dentro da arquitetura AMPC."
Essa reportagem foi atualizada no dia 18/12/2024 após contato com porta-voz da World.
Com informações de BBC, DW, G1 (1, 2), Information Commissioner's Office, MIT Technology Review (1, 2, 3), TechCrunch, The Guardian, World Foundation.
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