Enquanto os sírios celebravam a derrubada do regime de Assad após uma rápida operação das forças rebeldes no domingo, Israel avançava. Os militares israelenses lançaram alguns ataques aéreos contra alvos sírios, e estacionaram tanques no interior das fronteiras da Síria, rompendo um acordo de cessar-fogo de 50 anos.
Os ataques aéreos no domingo aparentemente estariam direcionados contra estoques de mísseis e armas químicas. Gideon Saar, ministro das Relações Exteriores de Israel, declarou que o objetivo dos ataques seria evitar que as armas fossem usadas por “extremistas”. E na segunda e na terça-feira, Israel continuou a atacar dezenas de outros alvos militares sírios — mais de 350 — e alegou ter destruído a Marinha da Síria.
No domingo à noite, os militares israelenses posicionaram suas tropas perto de quatros vilarejos sírios dentro de uma zona desmilitarizada bem a leste das Colinas de Golã, ocupadas por Israel, que foram tomadas da Síria em 1967, e posteriormente anexadas ilegalmente. O movimento das tropas viola um acordo de cessar-fogo de 1974 com a Síria, que Israel afirma ter se tornado nulo após o colapso do governo de Assad, embora tenha sido firmado por seu pai, 50 anos atrás. As forças de defesa israelenses também posicionaram soldados no topo do lado sírio do Monte Hermon, com 2.800 m de altura, que também está dentro da zona desmilitarizada do cessar-fogo.
O governo israelense declarou na segunda-feira que seus ataques e operações militares na Síria eram medidas de segurança preventivas para proteger seus cidadãos, com o objetivo de criar uma zona-tampão mais extensa entre os dois países enquanto o novo governo sírio toma forma. Uma carta escrita pelo embaixador de Israel ao Conselho de Segurança da ONU afirma se tratar de uma medida de segurança “limitada e temporária”. Um porta-voz da ONU, no entanto, declarou que as forças de paz que fazem a segurança ao longo da fronteira informaram Israel de que suas ações violam o acordo de 1974, e instruíram de que “não deve haver forças nem atividades militares na região”.
‘Israel não está interessado em uma paz justa e duradoura.’
Mas para aqueles que vivem na região ocupada das Colinas de Golã, onde ainda estão milhares de árabes sírios, as recentes operações de Israel são um sinal preocupante de possíveis novas agressões militares por vir.
“É um sinal muito negativo”, diz Nizar Ayoub, fundador do Al-Marsad, o Centro Árabe de Direitos Humanos nas Colinas de Golã. “Significa que, em [Golã], Israel não está interessado em uma paz justa e duradoura, o que acabará tornando a situação aqui mais complexa, e nós continuaremos a viver em uma situação de guerra.”
Os sírios nas Colinas de Golã, uma região de apenas 1.800 km² localizada perto das fronteiras da Palestina, Síria, Israel e Líbano, são frequentemente atingidos pelo fogo cruzado dos vários conflitos na região.
Ayoub, que mora em Majdal Shams, um vilarejo no limite nordeste das Colinas de Golã, perto das fronteiras da Síria e do Líbano, conta que esse último ano foi aterrorizante. Israel e o Hezbollah trocaram ataques de foguetes por meses sobre a região. Em julho, um projétil atingiu um estádio de futebol em Majdal Shams, matando 12 crianças e ferindo outras 32. Israel e o Hezbollah se acusam mutuamente de responsabilidade pelo ataque. Especialistas em armas consideram que provavelmente tenha se tratado de um acidente.
Ayoub diz estar preocupado que ataques semelhantes possam acontecer com a nova posição militar de Israel na Síria, perto de Golã. Ao longo do sábado e até a noite de domingo, ele conta ter ouvido bombardeios acontecendo em Golã e na Síria.
Embora Ayoub considere que é pouco provável que Israel esteja tentando ocupar novas terras de forma definitiva, diante de sua guerra genocida em curso em Gaza, e dos bombardeios no Líbano, o país costuma ampliar suas fronteiras durante tempos de guerra. Israel usou a guerra de 2006 no Líbano como pretexto para ocupar faixas do território sírio por aparentes motivos de segurança, diz Ayoub. Na época, Israel alegou que o Hezbollah estaria armazenando armas nas casas ao longo da fronteira da Síria.
O impulso expansionista já se mostrou nas ofensivas mais recentes de Israel, como em Gaza e no Líbano, onde as operações militares se arrastam indefinidamente em nome da segurança, desalojando e matando milhares de civis no processo.
“Na prática, atualmente faz parte das políticas expansionistas do país”, diz Mairav Zonszein, analista sênior sobre Israel e Palestina na organização International Crisis Group. Israel “tem um definição cada vez mais ampla do que significam segurança e defesa, e uma fronteira sempre em expansão. Eles têm fronteiras em expansão em Gaza, na Cisjordânia, e agora na Síria e no Líbano.”
‘[Israel] tem uma definição cada vez mais ampla do que significam segurança e defesa.’
Zonszein acha que Israel não tinha um plano premeditado de avançar sobre novo território, e que estava tentando responder a uma situação em rápido desenvolvimento após a tomada de Damasco pelos rebeldes no domingo. “Mas isso não significa que as coisas não possam evoluir de maneiras que acabem se tornando roubo de terras — há um padrão na forma como Israel vem agindo.”
Durante a guerra de 1967, Israel tomou as Colinas de Golã da Síria, juntamente com os territórios palestinos de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Em 1980, Israel já havia anexado formalmente as terras sírias.
Em outra guerra, em 1973, Israel chegou a ampliar seu avanço sobre a Síria, mas se retirou para a fronteira de 1967 e assinou um acordo com a ONU que criou uma fronteira desmilitarizada, conhecida como Linha Alfa, entre as Colinas de Golã ocupadas e a Síria. Israel historicamente já violou esse pacto.
Em 2018, uma investigação do Intercept revelou os planos de Israel para expandir sua zona-tampão sobre o território da Síria, muito além das fronteiras do acordo. E, no começo deste ano, a Associated Press encontrou indícios de um processo de construção de grande escala ao longo da fronteira, durante o qual as tropas israelenses haviam adentrado zona desmilitarizada, violando o pacto.
A legislação israelense rege o povo de Golã, e Israel detém o controle da água, além de já ter construído assentamentos na região, incluindo resorts e operações agrícolas. Um desses assentamentos, criado em 2019, foi denominado Colinas de Trump, em homenagem a Donald Trump, que, durante seu governo, estabeleceu uma política que reconhecia o controle de Israel sobre as Colinas de Golã. Sob o domínio de Israel, continua extremamente difícil para os sírios em Golã construir novas casas ou prédios, ou desenvolver suas terras.
A ONU e a maioria da comunidade internacional, com exceção dos Estados Unidos, rejeita o controle de Israel sobre as Colinas de Golã, que é considerado ilegal pelo direito internacional. Na semana passada, a ONU reafirmou seu pedido para que Israel encerre a ocupação do território.
Na guerra de 1967, Ayoud e sua família foram desalojados da cidade de Quneitra, no limite sul das Colinas de Golã. Quando tentaram retornar, décadas depois, já não havia para onde retornar, pois Israel havia destruído boa parte da cidade. Durante a guerra, mais de 80 mil pessoas — 95% da população de sírios árabes de Golã — já haviam sido alvo da limpeza étnica na região, segundo uma pesquisa realizada pela organização da Ayoub, Al-Marsad. O governo da Síria, em determinados momentos, tentou negociar com Israel a devolução das Colinas de Golã. Ayoub considera que a recente violação de Israel ao pacto de 1974 parece um obstáculo a mais para se chegar a essa paz.
Mesmo assim, ele afirma que ainda existe um forte desejo colocar fim na ocupação israelense, e devolver Golã ao governo da Síria. E a decisão sobre o destino das Colinas de Golã e seus habitantes, para Ayoub, deve ficar a cargo do povo sírio.
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