O jornal O Estado de São Paulo publicou, recentemente, um artigo que noticia a aprovação de um projeto de Pedágio Urbano na cidade de Nova York – EUA. O projeto tem como objetivo a redução do volume de automóveis em circulação nas vias urbanas da Ilha de Manhattan, por meio da aplicação de uma nova taxa que irá aliviar os congestionamentos, resultando benefícios ambientais e econômicos. O “Custo do Congestionamento”, como também é denominado este projeto, tem previsão de implementação a partir de 05 de janeiro de 2025, atingindo os automóveis que circulam na zona urbana e será cobrado a US$ 9 (ou R$ 54,00) por veículo na hora de pico.
A Autoridade Metropolitana de Transporte de Nova York – MTA, responsável pela implementação do projeto, estima reduzir em 80 mil veículos por dia a frota que circula por esta região central, hoje com cerca de 700 mil veículos por dia. A cobrança será automática e os recursos disponíveis hoje, como “tag” e outras formas de cobranças similares, tornam a medida viável e operacionalmente atraente. Os recursos advindos de projetos como este servem, em geral, para desestimular o trânsito em áreas centrais e podem ser revertidos para subsídios e melhoria dos Transportes Públicos.
Em muitas outras grandes cidades esta medida já foi implantada com sucesso, como em Cingapura, há cerca de 50 anos. Em Londres foi implantada com muita efetividade e para sua implementação foram indispensáveis muita vontade política, organização centralizada dos transportes, participação social e, principalmente, muita estruturação do Transporte Público. Na capital inglesa e em outras grandes cidades pelo mundo, foi ampliado este tipo de restrição ao tráfego livre de automóveis, sem descuidar dos serviços de transporte coletivo que funcionam com níveis excelentes de qualidade. Na cidade de São Paulo, em 2012, foi aprovado um projeto similar de Pedágio Urbano por uma Comissão da Câmara Municipal para ser implantado na área onde vigora o Rodízio Municipal por placas de veículos. Todavia, este projeto não chegou a ser submetido à aprovação da Câmara de Vereadores, pois sofreu forte resistência dos políticos que julgaram o projeto impopular e com forte risco da perda de votos…
Atualmente, e em decorrência da notícia de Nova York, fala-se de novo na implementação de um pedágio urbano no centro do município de São Paulo e nos benefícios que a medida poderá trazer. Em todos os lugares em que esta medida foi implementada trouxe bons resultados. Entretanto, há desafios que precisam ser cuidadosamente avaliados, pois há: tanto benefícios quanto riscos.
Na cidade de São Paulo, tomada pelo trânsito congestionado, os benefícios potenciais de um pedágio urbano podem ser imediatos e sensíveis, e estão consubstanciados nas seguintes considerações:
Diminuição Rápida dos Congestionamentos: A implementação de um pedágio urbano pode desencorajar o uso de muitos automóveis particulares na área onde vigora o Rodízio Municipal, especialmente, em horários de pico, aliviando o trânsito nas áreas centrais.
Arrecadação de Recursos Financeiros: A nova receita será substancial e não pode ser desprezada. Ela poderá financiar os subsídios da operação do transporte público ou investimentos em melhorias viárias.
Comportamento sustentável: O pedágio urbano pode incentivar os deslocamentos a pé, bem como o uso de transportes alternativos, como: bicicletas, caronas programadas, uso de aplicativos e outros.
Impacto Administrativo: A nova operação do pedágio urbano poderá evidenciar, com efeito bem rápido, a necessidade de criação de uma entidade administrativo/operacional para coordenação da rede multimodal de transporte, ou a instituição de uma Autoridade Metropolitana de Transporte.
Em complementação às considerações sobre os benefícios imediatos apontados anteriormente e com vistas a uma melhor avaliação do impacto que a operação do pedágio urbano poderá trazer para a cidade e sua população, foram relacionados os seguintes riscos:
Repartição Modal: A participação do transporte individual na matriz das viagens metropolitanas cresceu nos últimos anos e o pedágio urbano irá atingir um grande contingente de pessoas. Em situação inversa à de hoje, há 50 anos a maioria da população usava transporte público. Nos anos 1980, a porcentagem de deslocamentos através dos transportes públicos era de cerca de 70%. Com o passar dos anos essa proporção foi reduzida. Nos anos 1990, passou para 60-65%; nos anos 2000 baixou para 55-60%, nos anos 2010 chegou a 50-55% e, com a pandemia, baixou a 40-45%. Neste período, as perdas de passageiros nos transportes públicos não foram recuperadas e, hoje, constata-se uma redução de uso ônibus e mesmo de trem ou metrô em torno de 25-30% da demanda anterior à pandemia.
Integração Física do Transporte Público: Parte da população não se sente atraída para o transporte público devido à falta atendimento aos seus desejos de viagem, embora haja uma extensa rede multimodal com material rodante de excelente qualidade. A principal deficiência dos itinerários é que as linhas são definidas em níveis distintos de governo, o critério é por território das empresas operadoras, evidenciando a falta de racionalidade nos percursos, como também de integração física entre os vários modos. Existem linhas de ônibus em muitos trechos redundantes com linhas metroferroviárias que precisam ser reorganizadas.
Controle Operacional das Linhas: Como não existe planejamento operacional multimodal, há falta de racionalidade dos itinerários de ônibus e do ajuste das funções das linhas coletora e alimentadora. Poderia, também, haver melhor aproveitamento dos corredores com introdução de operação troncal ou de BRT, objetivando racionalização dos percursos, segurança e redução dos tempos de viagem.
Integração Tarifária do Transporte Público: Existe a possibilidade de uso do bilhete único entre os modos, todavia há acréscimo de custo para a integração entre ônibus-metrô-trem, penalizando os passageiros que ousam viajar por vários modos para completar o seu percurso. Além disso, não há bilhetagem mensal que possibilite a interoperabilidade da rede multimodal, com vistas a uma operação com economia, conforto e rapidez.
Impacto Social: Neste contexto, o pedágio urbano poderá ser percebido como injusto pela população se não for acompanhado de melhorias imediatas no transporte público. Como existe um contingente da população de menor renda que utiliza o transporte individual, ela pode ser a mais prejudicada, sem alternativas acessíveis e eficientes de transporte coletivo.
Integração Metropolitana: Como as linhas de ônibus, metrô e trem estão subordinadas a diferentes níveis de governo, torna-se impraticável o Planejamento Operacional do conjunto. Falta um Centro de Controle Operacional para regulação e coordenação da mobilidade da aglomeração urbana, como existe em todas as grandes cidades do mundo. Sem uma Autoridade Metropolitana de Transportes, é mais difícil garantir que o pedágio urbano esteja alinhado a uma política integrada de mobilidade para todos os municípios da região, ou para as diversas esferas de poder de toda a região metropolitana.
Coordenação Econômica Limitada: Sem uma entidade centralizada, existe o risco da destinação desequilibrada dos recursos arrecadados com o pedágio urbano, de maneira que sejam bem utilizados em iniciativas que atendam a toda a região. Um pedágio implantado, sem uma entidade metropolitana, pode concentrar a receita apenas num município, acarretando desequilíbrio entre a destinação de recursos financeiros para operação e os destinados a investimentos em baixa, média e alta capacidade de transporte. A destinação da receita precisa ser parcimoniosa.
Riscos Políticos e Técnicos: Implantar um pedágio urbano é uma decisão politicamente sensível e tecnicamente complexa. Pode produzir resistências, principalmente, antes de ser criada uma autoridade ou órgão metropolitano de coordenação.
A criação de uma entidade regional para regulação e coordenação dos transportes poderá equacionar todas as providências, visando diminuir os riscos da implementação de pedágio urbano como um projeto isolado, mas ser parte de um projeto maior que atende melhor os interesses gerais. Uma Autoridade Metropolitana de Transportes, como existe em Nova York e em todas as grandes cidades do mundo, permite uma abordagem mais estruturada e integrada do pedágio urbano dentro do contexto da mobilidade.
Uma restrição tão séria imposta ao transporte individual precisa oferecer alternativas de qualidade para as pessoas que optam por substituir o conforto de seus veículos particulares por um sistema público de qualidade. Dentre outras providências e inovações, esse órgão teria a missão de implementar um Intelligent Transportation System – ITS, com tecnologias digitais destinadas a coordenar o Planejamento Operacional, a Interoperabilidade da Bilhetagem, bem como institucionalizar as Políticas Públicas de Mobilidade entre São Paulo e os municípios vizinhos que a região necessita há muitos anos.
Assim, poderão ser garantidas as medidas de controle de tráfego em áreas restritas, decorrentes do pedágio urbano, acompanhadas das seguintes políticas públicas: Melhoria do transporte público em toda a região metropolitana; Normas complementares de estacionamento; Tarifas integradas e interoperáveis; Expansão de modos de transporte alternativos e Equidade no impacto das medidas, com suporte para grupos mais vulneráveis.
Concluindo, embora o pedágio urbano possa ser útil e trazer benefícios como medida isolada, a sua implementação, antes de organizar uma Autoridade Metropolitana de Transportes, corre o risco de ser descoordenada e de enfrentar resistência política e social. O ideal seria implementar o pedágio urbano como parte de um plano metropolitano integrado, liderado por uma entidade que pudesse garantir melhorias de longo prazo na mobilidade urbana.
________________________________________________________________________
Ivan M. Whately
Engenheiro especializado em Transporte. É o atual vice-presidente de Atividades Técnicas do Instituto de Engenharia.
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo