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PRÊMIO CAPES DE TESE
Pesquisa investiga o processo de aprendizagem reparador e coletivo
O trabalho de Marta Haas, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi o vencedor do Prêmio CAPES de Tese 2024 na área de Educação. Sua tese, intitulada Por uma Pedagogia Performativa da Memória: performance e testemunho sobre violência de Estado na escola, investigou como a performance pode contribuir para a transmissão da memória traumática relacionada à violência de Estado no contexto escolar.
Trajetória acadêmica, da graduação ao doutorado.
Sou graduada como bacharela em Filosofia na UFRGS. Paralelamente à formação acadêmica, sempre atuei no teatro. A vontade de aprofundar a pesquisa sobre teatro e educação me levou a ingressar no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, na linha de pesquisa Arte, Linguagem e Currículo. Em minha dissertação de mestrado, investiguei as práticas de resistência nas ações artístico-pedagógicas dos grupos teatrais latino-americanos: Grupo Cultural Yuyachkani (Peru) e Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Brasil). Analisei quatro estratégias de resistência que emergem das práticas de ambos os grupos, sendo uma delas o compromisso com a memória.
O interesse pelo tema da memória me levou ao Clínicas do Testemunho, no qual participei de uma capacitação em 2015 e de um ciclo de estudos em 2017. Esse projeto, realizado em convênio com instituições psicanalíticas da sociedade civil por meio de editais públicos, visava fomentar a implementação de núcleos de apoio, atenção e reparação psíquica aos afetados pela violência de Estado da ditadura. Nesse contexto, conheci Nilce Azevedo Cardoso (1945-2022) e pude acompanhar o resultado de um trabalho que ela estava realizando em parceria com uma professora de História no Colégio Estadual Presidente Arthur da Costa e Silva, escola em que trabalhou após sair do cárcere durante a ditadura.
Apesar de tudo o que sofreu e dos traumas que carregava consigo, Nilce sempre tomou a vida corajosamente e militou, sem nunca perder o afeto. Quando testemunhava sobre o que viveu, tinha uma grande capacidade de dialogar com as novas gerações. Por isso, costumo afirmar que ela foi a grande “musa inspiradora” desta pesquisa. Ao observar o trabalho de Nilce, surgiu a inquietação inicial da investigação realizada no doutorado, que questiona como a performance pode transmitir a memória traumática relacionada à violência de Estado no contexto escolar.
Sobre o que é a sua pesquisa?
Investigou-se como a performance pode contribuir na transmissão da memória traumática relacionada à violência de Estado no contexto escolar. Para tanto, foram realizadas experiências performáticas com estudantes da rede pública de ensino de Porto Alegre. Apresenta-se a ideia de que a performance funciona como um ato de transferência, o que transmite conhecimento e memória por meio da repetição de conduta. Isso permite o entendimento de como a performance, na sua relação com o testemunho de um evento traumático, pode tornar a experiência de dor em algo coletivo e partilhado.
Em meio às disputas sobre o passado, as performances de uma memória insurgente, que geram empatia com os vencidos, possuem uma função pedagógica e reparadora, sintetizada na ideia de educar para que não se repita. A investigação demonstra que a reparação da violência praticada pelo Estado pode advir de uma pedagogia performativa da memória, na medida em que reconhece e desnaturaliza a violência incorporada, engendra um sentido de responsabilidade coletiva, reencarna e reatualiza a memória, e, assim, a partir da imaginação, vislumbra um futuro diferente.
O que você destacaria de mais relevante na sua pesquisa?
A partir da intersecção entre a educação e os estudos da performance, a possibilidade de ver o corpo como protagonista no processo de aprendizagem foi extremamente significativa. Não se trata simplesmente de lembrar que habitamos um corpo e de percebê-lo como instrumento para outra atividade mais nobre, como o pensamento, mas de pensar com o próprio corpo. Se as práticas tradicionais de ensino sobre as catástrofes e as violações do passado muitas vezes levam a um acúmulo de informações, a partir do qual torna-se difícil extrair um aprendizado que também seja reparador, a pedagogia performativa da memória possui uma vocação para a reparação. Uma metodologia performativa do ensino sobre o passado toma o corpo como meio de uma aprendizagem coletiva que engendra empatia com as vítimas e um sentido de responsabilidade, além de acentuar o caráter imaginativo, processual e desviante da performance.
Qual a importância para você de sua tese ter sido escolhida a melhor na área?
Ter sido escolhida dentre diversas pesquisas extremamente relevantes na área da Educação significa, em primeiro lugar, o reconhecimento de um percurso que sempre é coletivo. Significa, também, que a inquietação inicial que levou à pesquisa reverbera socialmente e que o tema da tese ainda precisa ser amplamente debatido na esfera pública.
De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?
Está em vislumbrar uma pedagogia performativa da memória. A análise dos experimentos realizados com os estudantes e o percurso traçado nesta investigação demonstram que a reparação da violência praticada pelo Estado pode advir de uma pedagogia performativa da memória. Uma pedagogia centrada na memória de grandes catástrofes e violações dos direitos humanos busca tensionar o passado – sem negar a singularidade de cada acontecimento histórico – e extrair dele uma lição. Se a pedagogia da memória visa, a partir de um olhar empático com as vítimas, educar para que as violências do passado não se repitam, uma pedagogia performativa da memória acentua a potência da performance nesse labor, amplificando a sua função reparadora.
Foi bolsista da CAPES? Se sim, de que forma a bolsa contribui para sua formação?
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que minha investigação só foi possível porque existem políticas públicas que incentivam a pesquisa e a ciência. Tive a oportunidade de realizar todo o meu percurso acadêmico em uma universidade pública e de excelência, a UFRGS. Na graduação em Filosofia, recebi uma bolsa de iniciação científica, no mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação, fui bolsista da CAPES. No doutorado, consegui realizar o estágio doutoral na França (previsto pelo acordo de cotutela com a Universidade Paris Nanterre) graças a uma bolsa do programa CAPES-PRINT. Ter a oportunidade de pesquisar o tema da memória na França, país onde surgiu a noção de “dever de memória”, ganhou uma grande dimensão em meu trabalho e, ao ler a minha tese, isso é muito evidente.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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