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Gustavo Nogy

Gustavo Nogy

Vocês, consequencialistas, que se entendam

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Embora tenha provocado palpitações morais na audiência, a filosofia que inspira o artigo de Hélio Schwartsman, Por que torço para que Bolsonaro morra, tem origem respeitável e não foi inventada anteontem só para atacar o mandatário.

O consequencialismo consiste em julgar a qualidade moral de uma ação por suas consequências, e não por seu valor intrínseco.

Uma variação desse princípio é o utilitarismo de Jeremy Bentham (radical) e de John Stuart Mill (moderado): as consequências de um ato moral devem ser boas para o maior número possível de indivíduos.

E é com base nessa concepção que Schwartsman constrói seu argumento. Se a morte de Jair Bolsonaro trouxesse um bem a um número maior de pessoas, torcer para que ele morra seria legítimo. Mais do que legítimo, correto.

O curioso é que a estrutura do raciocínio é compartilhada pelo próprio Bolsonaro. A diferença é sutil, mais semântica que lógica, e a semelhança é grande.

Em 1999, aos 44 anos de idade, Bolsonaro defendia o fuzilamento de FHC, a ditadura militar e a morte de 30 mil inocentes. Para ele, tais consequências eram pequenas ante o bem maior previsto (que não se sabe qual seria).

Para nosso infortúnio, aquele político miúdo virou presidente miúdo e não freou nem mitigou esse ímpeto moral. Ao contrário: ratificou muitas e muitas vezes, em público, no exercício de mandatos sucessivos, ideias tão ou mais insultuosas que a defendida pelo colunista da Folha de S.Paulo.

Agora, como presidente da República, tendo a chance de demonstrar maturidade ética e espírito cívico, faz o contrário.

Sua reação à crise sanitária se limita a um grosseiro utilitarismo, carente de empatia, para quem os efeitos positivos da abertura econômica compensam os efeitos negativos das mortes. É a política pública do deixa-estar-para-ver-como-é que-fica.

Ora, mais de uma vez ele disse, e muitos de seus apoiadores repetiram, que quem tiver de morrer, que morra. Em especial os velhos e doentes. Foi muito além do deplorável “e daí”: incentivou e participou de aglomerações populares sem nenhum tipo de cuidado ou proteção.

Portanto, a distinção entre torcer e omitir, desejar e ignorar, é pequena. Enquanto Hélio Schwartsman torce pela morte de um homem, Jair Bolsonaro é indiferente à morte de quase 70 mil pessoas.

Do ponto de vista prático, concreto, factual, o desejo do jornalista causa menos danos que a irresponsabilidade do político. Hélio torce pela morte de Bolsonaro, mas sua esperança é irrelevante. Bolsonaro, por sua vez, poderia e deveria agir para minimizar os efeitos da pandemia, mas nada faz.

Eu não sou consequencialista e por isso reprovo a posição de ambos. Os atos e sujeitos morais têm valor intrínseco. Pouco importa o sentimento íntimo de repulsa ou admiração que eu porventura tenha pelo presidente ou pelo comentarista. Bolsonaro deveria rejeitar a filosofia de Hélio pelo mesmo motivo que Hélio deveria rejeitar a filosofia de Bolsonaro.

Para quem se interesse pela discussão, recomendo o livro Moral – Uma Introdução à Ética, de Bernard Williams, publicado no Brasil pela Martins Fontes.

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