Em 2019, cientistas reunidos na Comissão EAT-Lancet publicaram um estudo apelidado de “dieta da saúde planetária”, que apresentou diretrizes para a redução do consumo de carne, em escala global, e o estímulo de dietas baseadas em alimentos de origem vegetal (como feijão). O objetivo é diminuir, simultaneamente, a desnutrição e a obesidade, e frear as mudanças climáticas. Um estudo inédito indica que, no Brasil, o maior consumo de ultraprocessados é associado à menor adesão dessa dieta. 

A pesquisa “Adesão à dieta sustentável do EAT-Lancet e consumo de alimentos ultraprocessados: resultados de um estudo nacional de base populacional no Brasil”,  publicada na Public Health Nutrition, foi conduzida por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/USP) e do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP).  É o primeiro estudo a avaliar a associação entre a adesão à dieta sustentável do EAT-Lancet com o consumo alimentar de acordo com a classificação Nova – ou seja, considerando o nível de processamento dos alimentos.

 

Resultados

“O principal resultado que encontramos é que o maior consumo de alimentos ultraprocessados está associado com a menor adesão à dieta sustentável do EAT-Lancet. O mesmo acontece com o maior consumo de alimentos processados (como milho em lata) e ingredientes culinários processados (como óleos e açúcar).  O oposto acontece com os alimentos in natura (frutas, legumes, feijões e castanhas, por exemplo), que apresentam uma relação positiva com a adesão ao modelo de dieta sustentável”, explicou Leandro Cacau, pesquisador do Nupens/USP e do Departamento de Nutrição da FSP/USP e autor principal do artigo. 

Cacau afirmou que os achados eram esperados, já que o conceito de dietas sustentáveis está atrelado ao de dietas saudáveis, e que estudos anteriores já demonstraram a relação entre o maior consumo de alimentos ultraprocessados e a piora na qualidade da alimentação. A publicação, no entanto, é pioneira ao considerar a dieta sustentável proposta pela Comissão EAT-Lancet e, ao mesmo tempo, o nível de processamento dos alimentos. 

O pesquisador comentou que a ideia foi suprir a lacuna deixada pela Comissão EAT-Lancet:  “A Comissão foi um marco e catalisou as discussões sobre dietas sustentáveis e de sistemas alimentares sustentáveis. No entanto, um dos pontos críticos do relatório e do modelo de dieta proposto, é que ignoram os efeitos deletérios dos alimentos ultraprocessados na saúde humana e planetária. Agora podemos afirmar que, quanto maior a ingestão de ultraprocessados, menos saudável e sustentável  é a dieta”.

 

Metodologia

Para avaliar a alimentação da população brasileira, considerando quantidade e tipos de alimentos, o estudo considerou informações do Inquérito Nacional de Alimentação 2017-2018, integradas aos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, realizada pelo IBGE. 

Os itens listados foram divididos segundo a classificação Nova (in natura e minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados), e avaliados segundo o Índice de Dieta da Saúde Planetária, um método para pontuar os grupos de alimentos propostos pelo EAT-Lancet, de acordo com critérios de qualidade geral da alimentação e menor emissão de gases de efeito estufa.

Cacau reforça que o uso conjunto da classificação Nova com o Índice da Dieta de Saúde Planetária permitiu evidências que atestam a necessidade de incluir os níveis de processamento dos alimentos sobre dietas saudáveis e sustentáveis: “A gente parte da premissa de que dietas que fazem bem para a saúde humana e planetária devem ser majoritariamente compostas por alimentos in natura ou minimamente processados”.

 

A Comissão EAT-Lancet

A Comissão EAT-Lancet é um projeto conjunto da EAT, uma fundação global sem fins lucrativos, e do periódico científico The Lancet. A comissão reúne especialistas em saúde, nutrição, sustentabilidade ambiental, agricultura, ciência política e economia para desenvolver recomendações sobre dietas saudáveis e sistemas alimentares sustentáveis.

O relatório mais conhecido da Comissão EAT-Lancet, publicado em 2019, propôs uma “dieta planetária” que visa melhorar a saúde humana e a sustentabilidade ambiental. Esta dieta enfatiza o aumento do consumo de alimentos de origem vegetal, como frutas, vegetais, nozes e leguminosas, e a redução do consumo de alimentos de origem animal, especialmente carne vermelha e gordura animal.

 

Adherence to the EAT-Lancet sustainable diet and ultra-processed foods consumption: findings from a nationwide population-based study in Brazil
Autores: Leandro Cacau (Nupens/USP), Maria Laura Louzada (Nupens/USP), Thays Nascimento (Nupens/USP) e Dirce Marchioni(FSP/USP)
Revista: Public Health Nutrition