Escrevo do meio do mato, conectado pelo Elon Musk. É uma contradição: gosto da antena, desprezo seu criador. Achei melhor me exilar aqui, entre jacus sóbrios e pacus abstêmios. Fugi por não aguentar mais a social do fim de ano. A gota d’água foi quando me chamaram para um After Jesus no dia 25. Tinha piscina aquecida e rum cubano. Só achei o caminho de casa graças à estrela de Belém (mas pode ter sido o Waze).
E por que tanta gente entorna o balde em dezembro? Vou apresentar uma tese. Peguemos o Churchill. Na guerra, ele bebia champa todo dia. Dizia que “nas vitórias, eu mereço; nas derrotas, eu preciso”. Tem um documentário novo sobre ele no streaming. Assisti ontem, comendo tofu e bebendo chá de hibisco. Detesto hibisco, e tofu tem sabor minimalista. Porém, estou precisando me purificar.
Inspirado em Winston, com ressaca moral e hepática, interpreto. Segundo eu mesmo, as pessoas arregaçam no fim do ano por a) merecimento; b) vingança; ou c) necessidade. Explico a lógica de cada.
Merecimento: 2024 foi pancadaria, ano passado eu morri, mas este ano não morro - portanto vamos comemorar. A maioria dos eventos natalinos tem esse caráter, e não precisa de gatilho nem nada: basta chegar e soltar o chester. São momentos deliciosos e totalmente catárticos. Na vitrola, celebrate good times - c’mon!
A vingança acontece nas festas de firma: me ferrei o ano todo nesta empresa, agora vou buscar redenção tomando e comendo tudo que esta mesma corporação está bancando. Vou dar prejú! – pensam. São pessoas ingênuas, porque normalmente a conduta termina mal. Festas de firma são famosas pelos vexames, gente dançando YMCA de cueca ou coisa pior.
Mas dezembro tem pelo menos dois encontros familiares. E aí, a pessoa bebe porque precisa. É muito estresse - criança correndo, Jingle Bells na caixa, sobrinho dando rasante na sala com o drone que acabou de ganhar... amigo secreto! Gente do céu. Tenho muito orgulho dos meus amigos, não vejo razão deles serem secretos. Sem contar que, por causa da sidra, a parentada se autoriza a falar o que dá na cabeça. Fica todo mundo sincero, e aí vira Omaha no dia D. Pergunte ao Winston como foi.
Ninguém quer sinceridades. Nem verdades. Por exemplo: minha mulher quis saber, depois do almoço de Natal, com um cálice de 43 na mão: “você acha que engordei?”. Eu, hein? Não vou cair nessa. Não quero ter o mesmo fim que Jesus Cristo – com todo respeito. Em vez de um destino trágico, terminemos o ano com esperança: só falta o réveillon.
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