Como, há 50 anos, a Grécia se livrou de seu rei e acabou com a monarquia
- Author, Jane Wilkinson
- Role, Da série Witness History, da BBC
Há meio século, no berço da democracia, o povo grego destronou a monarquia — não pela força, mas por meio das urnas.
"Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Atenas para celebrar que haviam se tornado uma República", noticiou a BBC após o referendo de 1974.
"Dói porque o resultado de uma votação não foi do jeito que você queria", declarou Constantino 2°, o monarca rechaçado.
"Porém, deixa de doer quando você sabe como essa votação aconteceu, e as circunstâncias que levaram a ela. E, então, você aceita essa realidade", acrescentou.
Mas como Constantino 2°, o último rei da Grécia, perdeu a coroa que estava em sua família desde 1863?
Golpe após golpe
Constantino tinha 23 anos quando subiu ao trono após a morte de seu pai em 1964.
"Com dignidade e solenidade, mas demonstrando pouca emoção, Atenas levou esta manhã o corpo do rei Paulo 1° para fora do palácio real, que tantas vezes foi um símbolo de controvérsia política", descreveu o apresentador da BBC.
"Toda a família real caminhou lentamente em direção a um futuro que agora depende muito do jovem rei Constantino."
Mas Constantino havia herdado um país profundamente dividido politicamente.
O novo rei logo se desentendeu com seu primeiro-ministro, e tentou nomear um novo governo sem realizar eleições.
Durante esta crise, um grupo de oficiais do Exército realizou um golpe de Estado em 1967.
Foi o início do que ficou conhecido como a "ditadura dos coronéis", um regime brutal e repressivo.
Depois de parecer cooperar com os novos líderes, Constantino tentou um contragolpe.
"Quanto mais tempo permanecia com aquele regime, mais forte ele se tornava, assumindo cada vez mais o controle do país", explicou o rei.
"Então, senti que, a menos que eu fizesse algo rápido e positivo para eliminá-los, as chances seriam reduzidas."
A conspiração do rei fracassou.
Ele se viu obrigado a fugir do país para a Itália, onde realizou uma coletiva de imprensa em Roma.
"Decidi agir. Não tive sucesso, mas continua sendo meu dever e meu propósito restaurar o governo parlamentar na Grécia."
"Sejamos perfeitamente realistas: não tenho nenhum poder real sob meu comando agora. Mas tenho por trás do meu propósito o desejo de todo grego de viver em liberdade."
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O apelo público não fez diferença.
Seis anos após o golpe, os coronéis declararam a Grécia uma República.
Os guardas reais cumpriam suas funções do lado de fora do palácio vazio. As pinturas reais permaneciam nas paredes, mas ninguém acreditava que a monarquia voltaria.
Constantino, no entanto, não parecia desanimar.
"Quando me encontrei com o rei Constantino pela primeira vez, ele impôs apenas uma condição: 'Quando você me apresentar', ele disse, 'por favor, não me chame de ex-rei'", contou o jornalista britânico Richard Lindley, da BBC, relembrando uma entrevista em 1973.
"Os reis podem ter que viver no exílio, mas não podem ser depostos. Um rei é sempre um rei", enfatizou o monarca da Grécia.
"Estou absolutamente convencido de que, quando meu povo tiver a oportunidade de se expressar livremente, nesse momento, uma maioria esmagadora deles vai desejar que eu retorne, porque eles sabem que, quando me tornei rei em 1964, coloquei minha mão sobre a Bíblia e jurei a Deus que os protegeria por meio de sua liberdade e de sua Constituição."
"E acho que, deste ponto de vista, sempre terei certeza de que voltarei ao meu país."
Em 1974, houve um lampejo de esperança para Constantino.
A ditadura dos coronéis entrou em colapso.
O governo civil que assumiu o poder até a realização de eleições democráticas considerou ilegítima a Constituição do regime militar e restabeleceu por decreto a Constituição de 1952, que estabelecia a forma de governo da Grécia como uma monarquia constitucional.
Tudo parecia indicar que Constantino seria novamente reconhecido como monarca.
Mas após as eleições, o novo primeiro-ministro, Constantinos Karamanlis, que era o líder tradicional do partido monarquista conservador, convocou um referendo para decidir o futuro da monarquia de uma vez por todas.
Os entusiastas da monarquia criaram cartazes, adesivos, panfletos e chegaram até a compor uma música especial de campanha em apoio ao retorno do rei.
Seu argumento era que a constância de uma democracia coroada com o rei como chefe de Estado não executivo poderia garantir a estabilidade de longo prazo de uma forma que um presidente não seria capaz.
Sem a presença do rei
Apesar de estar no centro da discussão, Constantino não foi autorizado a viajar para a Grécia em busca de apoio.
Quando perguntaram a um ex-oficial do Exército, Constantino Nikoludis, se o referendo poderia contrariar as esperanças monarquistas pelo fato de o rei não estar na Grécia para fazer campanha, ele respondeu:
"O rei não deveria estar aqui, e vai ganhar muito mais votos por não estar aqui do que estando."
"O rei não é um político e, portanto, não deve fazer campanha, um rei está acima dessas coisas. O rei, quando voltar, vai ter que ser tanto o rei dos comunistas quanto o rei dos socialistas."
Havia, no entanto, muita gente contra a volta da coroa.
Eles acreditavam que a monarquia era ultrapassada e irrelevante, e que Constantino havia se intrometido com muita frequência na política.
O novo governo permaneceu neutro na votação, mas George Mavros, um antimonarquista, deu uma indicação de como muitos políticos da oposição se sentiam.
"A questão pendente da forma de Estado, se haverá uma república ou um reino, será decidida pelo povo, as forças da União do Centro deixaram clara sua posição: somos a favor da República, mas respeitamos a vontade do povo."
A votação
Dias antes da votação, Constantino fez um apelo final pela televisão ao povo grego a partir do Reino Unido, onde estava exilado.
Ele prometeu ser um monarca líder, dedicado aos princípios democráticos e à proteção dos direitos civis.
Finalmente, em 8 de dezembro de 1974, cerca de 4,5 milhões de pessoas foram às urnas para votar.
O resultado? Dois a um a favor da República.
"A monarquia morreu nesta noite", noticiou a BBC.
"Nas ruas, [as pessoas] gritam de alegria, carregando velas, enquanto os carros continuam a buzinar, como têm feito desde que a vitória republicana se tornou certa."
"Eles não apenas votaram contra a monarquia, como a enterraram de vez e, assim, ganharam um primeiro dia importante na luta pela independência nacional e pela soberania popular", comemorou o líder socialista Andreas Papandreou.
"É o acontecimento mais significativo deste período. Estamos agora no caminho para uma Grécia que pertencerá aos gregos", acrescentou.
Karamanlis, o primeiro-ministro, fez um apelo, por sua vez, à unidade.
Seu porta-voz disse que não seria prudente que Constantino voltasse à Grécia neste momento.
Em seu coração
Nas duas décadas seguintes, Constantino só pôde visitar a Grécia em algumas ocasiões — uma delas, para o funeral de sua mãe, em 1981.
Em 1995, ele foi entrevistado novamente pela BBC.
"A nível pessoal, você aceitou de coração que não vai voltar a ser rei da Grécia novamente?, questionou a BBC.
"Não posso fazer isso pela simples razão de que não posso prever o que o povo grego vai querer fazer daqui a 5, 15, 20, 25 anos — não sei quanto tempo vou viver —, mas não posso fazer isso simplesmente porque não se sabe como as pessoas vão reagir", ele respondeu.
"Se o povo grego quiser mudar isso, ele vai fazer isso, e ninguém vai impedir."
"Então, o que você realmente está nos dizendo é que não importa quanto tempo leve, se te pedirem, você vai voltar, estará sempre pronto."
"Absolutamente", ele confirmou.
Constantino nunca voltou à Grécia como rei, mas em 2013 ele foi autorizado a voltar a viver em Atenas.
Ele morreu 10 anos depois, aos 82 anos, na capital grega.
E a Grécia continua sendo uma República.
*Esta reportagem é uma adaptação do episódio "How Greece got rid of their king" ("Como a Grécia se livrou de seu rei", em tradução livre) do programa Witness History, da BBC. Ouça aqui a versão original (em inglês).