Chefe da UE vai ao Uruguai em apoio a acordo com Mercosul apesar de oposição de Macron

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, uma mulher branca de cabelo curto loiro claro ficando grisalho, com um blazer  azul, em frente a três bandeiras da união europeia

Crédito, Reuters

Legenda da foto, A presidente da Comissão Europeia é Ursula Von der Leyen

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, anunciou nesta quinta-feira (5/11) sua chegada ao Uruguai, onde é realizada a Cúpula de Líderes do Mercosul, aumentando as expectativas de que o acordo do bloco de livre comércio com a União Europeia (UE) seja concluído.

"Pousamos na América Latina. A linha de chegada do acordo UE-Mercosul está à vista. Vamos trabalhar, vamos atravessá-la. Temos a oportunidade de criar um mercado de 700 milhões de pessoas", escreveu a chefe da UE na rede social X.

Von Der Leyen disse ainda que o pacto é "a maior parceria de comércio e investimento que o mundo já viu": "Ambas as regiões se beneficiarão".

Horas depois, o governo da França reiterou sua oposição ao acordo em sua conta no X ao dizer que o pacto "é inaceitável como está" e que o presidente Emmanuel Macron disse isso à chefe da UE.

"Continuaremos a defender incansavelmente nossa soberania agrícola", afirmou o governo francês, ressaltando que, em sua visão, o acordo com o Mercosul representa uma ameaça ao agro no país.

Por isso, Macron vem costurando uma aliança para se opor ao acordo em sua deliberação entre os parlamentares dos países-membros do bloco europeu para conseguir barrar sua aprovação mesmo que seja assinado pela Comissão Europeia, o órgão executivo da UE.

O acordo executivo é defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A assinatura do acordo encerraria uma negociação que já dura 25 anos.

Mas esta não é a primeira vez que cresce a expectativa em torno de um possível anúncio de um acordo.

O mesmo ocorreu na Cúpula do Mercosul de 2023, no Rio de Janeiro. Mas o anúncio não veio e o clima que se instalou no governo foi de decepção.

Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que o acordo estava para sair, o que também não se concretizou.

Otimismo brasileiro, oposição francesa

Lula e Macron apertando mãos com guardas da república francesa ao fundo em cerimônia oficial

Crédito, Ricardo Stuckert / Presidência da República

Legenda da foto, Apesar de trocarem elogios, Emmanuel Macron e Lula estão em lados opostos quando o assunto é o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O francês é contra e o brasileiro é a favor
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Neste ano, o governo e a diplomacia brasileiros deram novas demonstrações de otimismo.

“Pretendo assinar esse acordo este ano ainda”, disse Lula durante um evento na semana passada.

O principal negociador do acordo pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), Maurício Lyrio, disse que o governo está “esperançoso”.

“Estamos vendo de maneira positiva o desenrolar das negociações”, afirmou.

Segundo o governo brasileiro, os negociadores dos dois blocos já finalizaram as tratativas em torno do texto e as últimas questões pendentes foram submetidas aos chefes de Estado do Mercosul e da União Europeia.

Na prática, isso significa dizer que a finalização do acordo ou não depende, agora, da vontade política dos dois blocos.

Mas o otimismo brasileiro contrasta, novamente, com a resistência de um importante membro da UE.

Há anos, a França vem tentando barrar o avanço do acordo e, neste ano, Macron deu diversas declarações se colocando contra a finalização do tratado.

“A França se opõe a este acordo”, disse Macron em novembro, durante viagem oficial a Buenos Aires.

Na raiz da oposição francesa está a pressão de agricultores do país que temem a concorrência dos produtos do Mercosul, especialmente a carne produzida por Brasil, Argentina e Uruguai.

Mas apesar de ser a segunda maior economia do bloco europeu (atrás apenas da Alemanha), a França sabe que, sozinha, não teria condições técnicas de barrar o avanço do acordo negociado pela Comissão Europeia.

“Se os franceses não quiserem o acordo, eles não apitam mais nada, quem apita é a Comissão Europeia”, disse Lula na semana passada.

Por isso, a França vem tentando nos últimos meses pôr em prática uma estratégia capaz de barrar o avanço das negociações.

A BBC News Brasil conversou com diplomatas e funcionários do governo brasileiro e europeus, além de especialistas em relações internacionais para entender como funciona a estratégia francesa e como ela pode (ou não) “melar” o acordo entre a União Europeia e o Mercosul mais uma vez.

Minoria qualificada: a estratégia de Macron

A estratégia da França para barrar o acordo entre a União Europeia e o Mercosul é formar o que ficou conhecido como uma “minoria qualificada” no Conselho da União Europeia.

Esse mecanismo exige que pelo menos quatro países, representando juntos mais de 35% da população do bloco, se oponham ao acordo para que ele seja rejeitado. Para alcançar esse objetivo, a França precisa conquistar o apoio de mais três países que, somados à sua população, representem aproximadamente 156 milhões de pessoas.

Para entender como essa estratégia funciona, é essencial compreender os mecanismos da União Europeia para a negociação de acordos comerciais.

Quem negocia o texto do acordo é a Comissão Europeia, um órgão formado por comissários de todos os 27 países-membros da UE.

A presidente da comissão, Ursula von der Leyen, já se manifestou favorável ao acordo. O órgão tem autonomia para negociar com outros países ou blocos econômicos, como o Mercosul.

Depois de encerrada a fase de negociações, o texto do acordo é submetido à aprovação pelo Conselho da União Europeia.

Para ser aprovado, ele precisa do apoio de 55% dos países do bloco (15 dos 27), que juntos representem ao menos 65% da população total da UE. Esse sistema de maioria qualificada foi criado para equilibrar o poder entre países mais e menos populosos, evitando que os maiores imponham unilateralmente suas vontades.

No caso francês, além de sua própria oposição, o país já conta com o apoio oficial da Polônia, totalizando 104 milhões de habitantes. Para alcançar o número necessário para bloquear o acordo, a França aposta que Itália, Países Baixos e Áustria se juntem a eles, formando assim a minoria qualificada necessária para barrar a proposta no Conselho Europeu.

Apesar de o acordo ainda não ter sido submetido à votação da Comissão Europeia, um diplomata brasileiro ouvido pela BBC News Brasil sob condição de anonimato afirmou que se a França obtiver o apoio público dos países necessários à composição dessa minoria qualificada, o órgão liderado por Ursula Von der Leyen ficaria em uma situação delicada para avançar com o acordo.

Caso a Comissão dê seu aval ao acordo, ele ainda dependerá da aprovação do Parlamento Europeu para entrar em vigor, segundo diplomatas explicaram à reportagem.

Já do lado do Mercosul, o acordo terá que ser aprovado pelo parlamento de cada membro do bloco.

Lula usando terno cinza escuro ao lado de Ursula Von der Leyen usando terno azul fazendo um aperto de mãos

Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República

Legenda da foto, O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, durante reunião na Cúpula do G20. Há expectativa de que Mercosul e União Europeia anunciem a finalização do acordo de livre comércio entre os dois blocos

Protecionismo à francesa

Especialistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a principal razão pela qual a França se opõe ao acordo é a resistência organizada de agricultores do país. Apesar de ser uma das principais potências industriais do bloco europeu, o lobby da agricultura é visto como poderoso e influente.

“Macron está lidando com pressões, principalmente de setores agrícolas na França. Os fazendeiros de lá terão que lidar com a concorrência de um país como o Brasil que tem um setor agropecuário muito forte. Essa é a grande questão por trás da resistência ao acordo”, disse à BBC News Brasil o professor Cairo Junqueira, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Nos últimos meses, as principais associações que representam o agronegócio francês deram início da manifestações contrárias à assinatura do acordo sob a alegação de que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos e abrirá as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.

Paralelamente, a rede de supermercados francesa Carrefour anunciou, há duas semanas, que deixaria de comprar carne produzida pelo bloco. Após a repercussão negativa do anúncio, a companhia recuou.

“O protecionismo agrícola é muito forte e acho que é a principal barreira ao avanço do acordo. Os setores agrícolas da França e da Irlanda temem a competição com produtos do Mercosul”, disse a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan.

A professora está em Berlim nesta semana e passou os últimos dias conversando com parlamentares alemães sobre o assunto.

Segundo ela, os políticos alemães deixaram claro que o acordo só não foi anunciado até agora por conta da oposição de Macron.

“Foi muito reforçado aqui na Alemanha que quem está colocando uma barreira para o acordo é a própria França e que o acordo não teria sido assinado no G20 por conta do Macron”, disse a professora em referência à cúpula de líderes do G20 realizada no Rio de Janeiro em novembro.

Um funcionário do governo brasileiro a par das negociações entre os dois blocos disse à BBC News Brasil em caráter reservado que, apesar do otimismo expressado pelo governo brasileiro oficialmente, o cenário para a assinatura do acordo ainda é incerto.

Segundo ele, além da pressão contrária feita pelo governo francês, o país ainda enfrenta uma crise política grave depois que o Parlamento aprovou um voto de desconfiança em relação ao governo na quarta-feira (4/11). É a primeira vez que o governo é derrubado por um voto de desconfiança desde 1962.

Agora, Macron precisa apontar um novo primeiro-ministro cujo nome precisa ser aprovado pelo Parlamento.

Na avaliação da fonte ouvida pela BBC News Brasil, o temor entre brasileiros e europeus é de que em meio ao cenário conturbado, aprovar o acordo entre União Europeia e Mercosul poderia gerar ainda mais descontentamento contra Macron e alimentar a oposição de extrema-direita liderada pela parlamentar Marine Le Pen, que vem, inclusive, defendendo a sua renúncia.

Na avaliação da professora Regiane Bressan, no entanto, as chances de a França “melar” o acordo parecem remotas no momento.

“O que pude coletar de informações aqui em Berlim é de que o caminho será o da assinatura. A França vai continuar se opondo e talvez promova uma mobilização grande no Parlamento Europeu ou nas ruas, mas não vejo que haja mais tempo para isso. Faltam dois dias para a Cúpula do Mercosul, apenas”, disse.

Cairo Junqueira, da UFS, também avalia que a França, sozinha, não conseguiria conter o acordo se não conseguir formar a coalizão.

“Isoladamente, é muito difícil a França conseguir barrar. Por isso ela vem procurando formar essa coalizão com outros países”, afirmou o professor.

Donald Trump aparece olhando para o alto com uma tela exibindo o seu rosto

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Especialistas apontam que acordo entre UE e Mercosul pode ser uma proteção contra imposição unilateral de tarifas prometida por Donald Trump

Efeito Trump

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil pontuam que, apesar da resistência francesa, um outro elemento pode ajudar a destravar as negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia: a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.

Segundo eles, a promessa de impor tarifas sobre produtos estrangeiros feita por Trump pode fazer com que sul-americanos e europeus se unam para enfrentar um eventual recrudescimento do protecionismo norte-americano.

“É importante lembrar que a primeira assinatura do acordo, em 2019, teve a eleição de Trump como impulso. Agora, é possível que esse novo mandato possa abrir um canal para avançar com esse acordo de livre comércio”, afirmou Cairo Junqueira.

Para a Regiane Bressan, os países favoráveis ao acordo na Europa, encabeçados pela Alemanha e pela Espanha, consideram o tratado com o Mercosul como estratégico em meio às incertezas geopolíticas atuais.

“Esses países estão com medo do fator Trump e, também, com relação ao poder de países como China e Rússia na América do Sul. Para a Alemanha, por exemplo, o acordo é uma forma de ampliar ou manter a influência da Europa na América do Sul em um contexto de crescente influência da China e da Rússia”, disse.

Mais de duas décadas de negociação

O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de alguns bens e serviços produzidos nos dois blocos.

Em 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), os dois blocos assinaram o acordo. Para começar a valer, porém, o texto precisava passar por uma revisão técnica e pela ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos.

Após quatro anos paralisado, o acordo voltou a ser negociado após a mudança de governo no Brasil, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto. Desde então, o acordo foi travado por exigências ambientais e questionamentos de setores como o agronegócio francês.

Em dezembro do ano passado, durante a Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro, negociadores dos dois blocos chegaram a ficar próximos de uma versão final do acordo, mas ele não foi assinado.

Um estudo divulgado no início deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que o acordo poderia ter impactos positivos sobre o produto interno bruto do Brasil (PIB). Segundo o estudo, entre 2024 e 2040 o PIB do país teria um aumento acumulado de 0,46%, o equivalente a US$ 9,3 bilhões por ano.

Para elaborar o estudo, os pesquisadores do Ipea utilizaram projeções de crescimento econômico do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 2014 e 2026 e replicaram as taxas de crescimento para os anos seguintes até 2040.

O estudo também aponta que o Brasil teria um aumento de 1,49% nos investimentos.

A dinâmica das importações e exportações também seria transformada. As importações brasileiras cresceriam rapidamente nos primeiros anos do acordo, atingindo um pico de US$ 12,8 bilhões em 2034, antes de recuar para US$ 11,3 bilhões em 2040. Já as exportações teriam um aumento contínuo no mesmo período, alcançando um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.

Esse movimento seria impulsionado por fatores como a redução de tarifas na União Europeia, concessões de cotas de exportação e queda nos custos domésticos de insumos e bens de capital, o que tornaria os produtos brasileiros mais competitivos no mercado global.