'Quanto você pagou para sua filha ser estuprada?': os polêmicos cartazes do Texas para dissuadir imigrantes de cruzar a fronteira com os EUA
- Author, Leire Ventas
- Role, Correspondente da BBC News Mundo em Los Angeles
- Twitter,
"Muitas meninas que tentam migrar para o Texas são sequestradas. Para o bem de sua família, não prossiga", diz um cartaz, acima da imagem de uma boneca jogada no chão.
"Sua esposa e filha vão pagar a viagem com seus corpos. Os coiotes mentem. Não coloque sua família em risco", afirma outro, com a barriga de uma mulher grávida ao fundo.
Estes são dois dos modelos de cartazes que o governador republicano do Texas, Greg Abbott, mandou colocar ao longo da fronteira sul dos Estados Unidos, assim como no México e na América Central, para dissuadir imigrantes de seguir para o norte.
Abbott anunciou a medida na última quinta-feira (19/12) durante uma coletiva de imprensa em Eagle Pass, cidade que faz fronteira com Piedras Negras, no México.
O governador disse que a campanha tem como objetivo oferecer aos migrantes em potencial e àqueles que já se dirigem para o norte "uma imagem realista do que acontecerá com eles no caminho ou se atravessarem ilegalmente (a fronteira) para o Texas".
"Estes cartazes contam as histórias de terror do tráfico humano. Eles imploram às pessoas na América Central que considerem as realidades violentas e terríveis do que acontecerá com as mulheres e crianças que trazem consigo", enfatizou.
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Em vários idiomas
O governador informou que cerca de 40 cartazes deste tipo já haviam sido instalados "estrategicamente" em El Salvador, Guatemala, Honduras e México, e ao longo da fronteira entre o Texas e os Estados mexicanos de Tamaulipas, Nuevo León, Coahuila e Chihuahua.
A maioria está em espanhol, mas eles também criaram alguns com texto em chinês, árabe e russo, devido às origens cada vez mais diversas daqueles que fazem a travessia para os EUA.
Esta é a mais recente das campanhas anti-imigração lançadas pelo governador do Texas, que fez desta questão sua bandeira e tem sido um dos críticos mais veementes do governo de Joe Biden.
Tanto que, por meio de suas medidas, colocou à prova os limites da autoridade estatal nesta área, em mais de uma ocasião, questionando se a aplicação da lei de imigração é um poder exclusivo do governo federal.
Algo que tem sido amplamente criticado por ativistas dos direitos dos migrantes e especialistas jurídicos, que denunciam haver um interesse político e, às vezes, eleitoral por trás.
Neste sentido, Abbott aproveitou a coletiva de imprensa para destacar os "bons resultados" de uma destas iniciativas estaduais, a Operação Estrela Solitária, destinada a deter quem cruza a fronteira de forma irregular.
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Apesar de suas críticas à política de imigração do presidente em fim de mandato, foi divulgado na quinta-feira que a gestão democrata, em seu último ano de governo, realizou o maior número de deportações em uma década.
De acordo com um relatório do Departamento de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês), durante o ano fiscal de 2024, foram deportados 271.484 não-cidadãos para 192 países.
Embora Donald Trump tenha vencido as eleições de 5 de novembro prometendo a maior deportação de imigrantes indocumentados da história, as deportações de Biden superam os recordes já batidos pelo republicano, com 267.260 deportações somente em 2019.
Por outro lado, as medidas aprovadas por Biden em junho para conter a entrada de migrantes provocaram uma grande queda nas detenções na fronteira.
Elas atingiram um recorde em dezembro de 2023, e agora estão em seu nível mais baixo desde julho de 2020, de acordo com o Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês).
Violência, uma constante no percurso
Ao lado de Abbott, na coletiva de imprensa de quinta-feira, estavam o "czar" estadual de fronteiras, Mike Banks, o diretor do Departamento de Segurança Pública, Freeman Martin, e a diretora executiva da Associação contra Violência Sexual do Texas, Rose Luna, entre outros.
"Há uma crise de agressão sexual, em grande parte tácita, que afeta mulheres e crianças que migram para a fronteira do Texas", afirmou Rose Luna, referindo-se a algumas das mensagens nos outdoors.
"Reconhecer este problema e o seu profundo impacto nos sobreviventes não é apenas crucial: é nossa responsabilidade", acrescentou.
Esta é uma realidade que as organizações que trabalham com migrantes denunciam há algum tempo, ao mesmo tempo em que afirmam que a violência — de todos os tipos — é uma constante para quem decide seguir a rota para os EUA.
No ano passado, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) denunciou que a violência sexual era "cada vez mais cruel e desumana" em Darién, a selva entre a Colômbia e o Panamá, cruzada por milhares de migrantes que fazem a rota terrestre, incluindo venezuelanos, equatorianos e haitianos, mas também de outros continentes.
A organização humanitária internacional prestou assistência a 950 pessoas, em sua maioria mulheres, que fizeram denúncias de violência sexual ao atravessar o chamado Tampão de Darién desde abril de 2021.
Em uma coletiva de imprensa em abril deste ano, a coordenadora médica adjunta da organização, María Laura Chacón, informou ter atendido mais casos de violência sexual contra migrantes em diferentes países no primeiro trimestre de 2024 do que em todo o ano anterior.
"Vi que muitas foram estupradas. Eu as vi saindo nuas e espancadas. Eles te agarram entre uma, duas ou três pessoas, e te estupram", disse a ela uma das sobreviventes que a organização atendeu em Darién, de acordo com um relatório da ONG.
Arames, boias e ônibus
O discurso anti-imigração é onipresente entre os políticos republicanos.
Esta foi, em parte, a base para a candidatura de Donald Trump à presidência, e ele nunca perde uma oportunidade de vincular a imigração irregular ao suposto aumento da criminalidade nos EUA.
Sua principal promessa de campanha é, inclusive, uma deportação em massa de imigrantes indocumentados, "a maior da história do país", que ele afirma que vai implementar assim que assumir o cargo em 20 de janeiro.
Mas se há um governador que defende o discurso anti-imigração mais do que qualquer outro, é Greg Abbott. Além disso, ele já mostrou que não se limita apenas às palavras.
No início de 2021, ele lançou a já mencionada Operação Estrela Solitária.
No âmbito desta iniciativa de segurança na fronteira, ele enviou membros da Guarda Nacional e da polícia estadual para a fronteira entre o Texas e os Estados mexicanos de Tamaulipas, Nuevo León, Coahuila e Chihuahua.
O republicano também ordenou a criação de um polêmico "muro flutuante" de boias farpadas no Rio Bravo (Rio Grande, para os americanos), que funciona como uma barreira natural entre os dois países.
Também promoveu a polêmica lei SB4, que permitiria a ele deter, prender e deportar imigrantes indocumentados, embora a legislação permaneça em um limbo jurídico e não tenha entrado em vigor.
Abbott disse que fez isso em resposta a um apelo de vários condados do Estado — Kinney, Uvalde, Goliad, Burnet e Medina — para declarar legalmente a "invasão" diante da chegada de imigrantes.
A declaração de "invasão", amplamente criticada por defensores dos imigrantes e especialistas jurídicos, faz parte de um movimento que argumenta que a Constituição dos EUA oferece aos Estados uma base legal para invocar poderes de guerra.
Além de fazer com que a Guarda Nacional instalasse 30 quilômetros de arame farpado ao longo das margens do Rio Grande, em outubro de 2023, Abbott também ordenou que fosse colocado arame farpado entre o Texas e o Novo México, Estado vizinho.
"Não estamos apenas levantando barreiras entre o Texas e o México, agora também vemos a necessidade de fortalecer a fronteira entre o Texas e o Novo México", disse Abbott um ano antes de dar a ordem.
Embora tenha pouco mais de um quilômetro de comprimento, esta cerca é a única barreira física entre dois Estados nos EUA; dois Estados com políticas migratórias conflitantes.
Mas talvez nenhuma medida tenha tido mais impacto do que o envio patrocinado pelo Estado de ônibus lotados de migrantes para as chamadas cidades-santuário — que não têm obrigação de cooperar com as autoridades federais para fazer cumprir a lei de imigração —, sobrecarregando os recursos municipais, lotando abrigos e saturando os meios de assistência locais, com o objetivo de tornar a crise migratória visível além da fronteira.
Outros governadores republicanos, como Ron DeSantis, da Flórida, logo seguiram o exemplo, oferecendo aos migrantes transporte gratuito de cidades na fronteira com o México para Nova York, Chicago, Filadélfia e Los Angeles.
"É abominável que uma autoridade eleita dos Estados Unidos use seres humanos como peões em seu jogo político barato", disse a prefeita de Los Angeles, Karen Bass, referindo-se ao programa de traslado de migrantes em ônibus.