Trabalhistas têm vitória esmagadora em eleição do Reino Unido
O Partido Trabalhista venceu as eleições gerais britânicas com uma maioria esmagadora de assentos no Parlamento.
Keir Starmer, líder do partido, se tornou primeiro-ministro do Reino Unido com pelo menos 412 deputados trabalhistas, de acordo com os resultados parciais — pouco menos do que o total alcançado por Tony Blair, em 1997 —, obtendo maioria por uma margem de cerca de 170 assentos.
"O trabalho de mudança começa imediatamente", disse Starmer, de 61 anos, em seu primeiro discurso como primeiro-ministro, em frente ao número 10 da Downing Street, sede do governo e residência oficial do premiê britânico, em Londres.
Os conservadores, por sua vez, perderam o poder após 14 anos em uma derrota catastrófica — e estão prestes a obter os piores resultados da sua história, com 121 assentos até agora.
Os Liberais Democratas ficaram em terceiro lugar com pelo menos 71 deputados, o que representa um ganho de 63 cadeiras na Casa.
O Partido Nacional Escocês deve ter seu número de deputados reduzido de 47 a 9, e o Reform UK, de direita radical, representado por Nigel Farage, que antes não tinha assento no Parlamento, obteve quatro.
O Partido Verde, que só tinha uma cadeira, vai contar agora com quatro deputados, mesmo número de representantes do Partido do País de Gales (Plaid Cymru), que dobrou seu número de assentos.
Após a divulgação do resultado da eleição, Keir Starmer se encontrou com o rei Charles 3° no Buckingham Palace, em Londres, e foi convidado formalmente a se tornar primeiro-ministro e formar um governo.
Antes disso, Rishi Sunak já havia entregado sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro. Ele informou que também deixaria o cargo de líder do Partido Conservador, mas não imediatamente.
"Eu escutei ao fúria de vocês", disse ele ao deixar o número 10 da Downing Street.
O pleito aconteceu após Sunak, do Partido Conservador, ter convocado eleições gerais antecipadas em maio, e dissolvido o Parlamento britânico — algo que era sua prerrogativa legal como primeiro-ministro.
'A mudança começa agora'
Em seu primeiro discurso à nação como primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer declarou:
"Nosso país votou decisivamente pela mudança, pela renovação nacional e pelo retorno da política ao serviço público."
"O trabalho de mudança começa imediatamente."
"Nosso trabalho é urgente — e começamos hoje", acrescentou.
Mas reconheceu que não seria tão simples quanto "ligar um interruptor".
Citando a necessidade de escolas e moradias acessíveis, Starmer prometeu "reconstruir" a "infraestrutura de oportunidades" do país, fazendo isso "tijolo por tijolo".
E fez questão de destacar também os "desafios de um mundo inseguro".
Mais cedo, logo após o anúncio da vitória do Partido Trabalhista, ele já havia dito que a mudança que ele prometeu começaria imediatamente.
"Nós conseguimos", ele comemorou. "A mudança começa agora."
E acrescentou a seus apoiadores:
"Em todo o nosso país, as pessoas vão acordar com a notícia, aliviadas por terem finalmente retirado um fardo, um peso dos ombros, desta grande nação."
"O raio de Sol da esperança, fraco no começo, mas cada dia mais forte, brilha mais uma vez sobre um país com a oportunidade, após 14 anos, de recuperar seu futuro."
Líder do Partido Trabalhista, Starmer foi eleito em 2020 para suceder Jeremy Corbyn na liderança da legenda. Anteriormente, foi chefe do Crown Prosecution Service (CPS), o Ministério Público do Reino Unido.
'Assumo a responsabilidade pela derrota'
Já o atual primeiro-ministro, Rishi Sunak, do Partido Conservador, reconheceu a derrota e parabenizou o adversário — ele apresentou formalmente sua renúncia ao rei.
"O povo britânico emitiu um veredicto preocupante esta noite. Há muito para aprender e refletir. E assumo a responsabilidade pela derrota", afirmou Sunak.
Os conservadores tiveram o pior resultado da sua história. Eles perderam mais de 248 assentos, e vão contar com 119 deputados.
Entre as baixas conservadoras, estão a ex-primeira-ministra Liz Truss, e o secretário de Defesa, Grant Shapps.
'Vitória espetacular'
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Chris Mason, editor de política da BBC News, fez a seguinte análise com base nos dados da pesquisa boca de urna que já anunciava a vitória do Partido Trabalhista:
"Basta dar uma olhada nestes números.
Os Conservadores, tantas vezes uma máquina vencedora de eleições, uma potência de sucesso, são pulverizados, obliterados.
Há apenas cinco anos, os trabalhistas foram esmagados, humilhados – e reduzidos ao menor número de assentos desde 1935.
As pessoas se atropelaram ao dizer que os Trabalhistas estavam condenados por uma década.
Boris Johnson, há apenas dois anos, refletia publicamente sobre a conquista de três mandatos, servindo até a década de 2030.
E, no entanto, aqui, se esta pesquisa de boca de urna estiver perto de onde terminamos pela manhã, aponta para um retorno surpreendente do Partido Trabalhista.
Eles enfrentaram uma escalada na proporção do Himalaia para vencer por uma diferença mínima.
Já estes números apontam para uma vitória com um quilômetro de vantagem.
O que tudo isso nos diz?
Que vivemos num mundo de volatilidade eleitoral sem precedentes – mais pessoas, em mais locais, estão mais dispostas a mudar de ideias sobre política com mais frequência e rapidez do que nunca.
Amanhã à hora do almoço (no horário local do Reino Unido), parece que teremos o nosso quarto primeiro-ministro em menos de dois anos.
E assim continua o turbilhão da política britânica.
Já se passaram 27 anos desde que o Partido Trabalhista venceu as eleições gerais da oposição.
Já se passaram 19 anos desde que venceram as eleições gerais e ponto final.
Os livros de história do século passado nos dizem uma coisa: são espetacularmente bons para perder eleições – perdendo muito, mas muito mais do que ganham.
Mas esta noite eles estão à beira de uma vitória espetacular.
Espetacular dado de onde eles vieram – a crise.
Mas espetacular também sob qualquer métrica, em qualquer momento, em qualquer contexto – é extraordinário.
Lembre-se, porém, que um novo governo enfrentará todos os velhos problemas que causaram tantos problemas ao seu antecessor – o custo de vida, as finanças do governo, a carga fiscal, um mundo perigoso – nenhuma maioria, por maior que seja, pode apagar esses colossais desafios."
Como funcionam as eleições no Reino Unido
O mandato político dura cinco anos no Reino Unido e, como o Partido Conservador do país venceu as últimas eleições gerais em dezembro de 2019, o próximo pleito deveria ocorrer, por lei, até janeiro de 2025.
O Reino Unido possui um sistema parlamentar de eleição — ou seja, os eleitores vão às urnas apenas para escolher os seus parlamentares, e não um presidente.
O Reino Unido está dividido em 650 distritos eleitorais. Os eleitores em cada um destes distritos elegem um deputado para a Câmara dos Comuns para representar os moradores locais.
Um total de 4.515 candidatos divididos em 98 partidos concorreram a 650 vagas no Parlamento, sendo que 459 deles são candidatos independentes.
Mas por que as eleições foram antecipadas?
O Partido Conservador, de Rishi Sunak, vinha caindo nas pesquisas de opinião desde 2021.
Sunak, de 44 anos, tinha 42 quando se tornou primeiro-ministro em 2022, o que faz dele a pessoa mais jovem à frente do cargo nos tempos modernos. Ele também foi o primeiro britânico-indiano a ser primeiro-ministro.
Alguns políticos do partido "sentiram que as coisas poderiam não melhorar muito, e que o desejo percebido do eleitorado de ter voz logo poderia correr o risco de piorar qualquer derrota conservadora, se o compromisso com os eleitores fosse adiado", avalia Chris Mason, editor de polícia da BBC News.
"Em outras palavras, faça isso agora ou tudo pode piorar."
"O primeiro-ministro também pode destacar que pelo menos alguns dos seus objetivos foram cumpridos, ou aparentemente estão a caminho de serem cumpridos."
"Os números atuais da inflação podem ser considerados um sucesso. É claro que não se trata apenas das ações do governo. Mas os governos são responsabilizados quando (a inflação) está nas alturas, por isso é razoável esperar que tentem ganhar algum crédito quando ela cai — e caiu."
"O cenário econômico mais amplo também parece um pouco mais promissor."
O primeiro-ministro pediu formalmente ao rei Charles 3° que "dissolvesse" o Parlamento — termo oficial para fechá-lo antes de uma eleição.
O Parlamento foi dissolvido no dia 30 de maio.
Com isso, os parlamentares perderam seu status, e para continuar na função, teriam que concorrer à reeleição.
Mais de 100 disseram que não concorreriam.
O governo também entrou num período pré-eleitoral, que restringe a atividade ministerial e de repartições durante a campanha. Cerca de 46 milhões de eleitores estavam aptos a participar da primeira eleição geral no país desde 2019.
Desafios do Reino Unido
Nos últimos anos, o Reino Unido passou por grandes transformações e desafios.
Em 2014, o povo da Escócia — que é uma das quatro nações que compõem o Reino Unido (junto com Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte) — rejeitou se separar do país e se tornar independente, com 55,3% dos votos em um referendo popular.
Em 2016, o povo do Reino Unido decidiu abandonar a União Europeia, com 51,89% dos votos também em um referendo. A saída de fato aconteceu no dia 31 de janeiro de 2020.
Recentemente, o Reino Unido vem enfrentando diversos desafios: a economia está demorando para retomar seu crescimento após a pandemia, com inflação dando sinais de queda apenas nos meses recentes; existe um grande fluxo de imigrantes tentando chegar ao país; e o sistema público de saúde está enfrentando uma grande crise, com atrasos e longas filas de espera para tratamentos emergenciais.
A eleição deste ano marca uma grande virada política no país.
O Reino Unido vinha sendo governado desde 2010 pelo Partido Conservador — inicialmente em coalizão com o Partido Liberal Democrata e desde 2015 com maioria no Parlamento. Foram cinco primeiros-ministros em 14 anos de governo: David Cameron, Theresa May, Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Sunak.
Quais são as principais preocupações dos britânicos?
Dados da empresa de pesquisa de opinião YouGov sugerem que as principais preocupações do eleitorado giram em torno da economia, imigração, saúde e habitação.
A economia tem tido um papel central nestas eleições. Analistas acreditam que Sunak dissolveu o parlamento e convocou as eleições justamente por acreditar que neste momento houve uma melhora da economia britânica — e que isso poderia favorecer seu partido nas urnas, algo que as urnas indicam não ter ocorrido.
A economia britânica vem enfrentando desde o fim da pandemia uma crise de custo de vida por causa da inflação — que esteve no seu maior patamar nas últimas quatro décadas.
A economia britânica segue com crescimento anualizado abaixo de 1% — e chegou recentemente a enfrentar uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de crescimento zero ou negativo).
Mas na mesma semana do anúncio de Sunak sobre as eleições, as autoridades divulgaram que a inflação britânica está agora no menor patamar dos últimos três anos.
Ao lançar sua campanha, Sunak disse: "Dias melhores estão no horizonte, mas só se seguirmos com o plano para melhorar a segurança econômica e as oportunidades para todos".
Os conservadores disseram em sua campanha que suas medidas foram importantes para navegar a economia pelos choques globais quase em sucessão — a pandemia, a guerra na Ucrânia e a inflação. O governo respondeu à pandemia e à crise do custo de vida com subsídios e incentivos para empresas e trabalhadores.
Já os trabalhistas atribuem parte dos problemas econômicos do país à gestão conservadora — sobretudo devido a medidas de orçamento público anunciadas no curto governo de Liz Truss.
Sunak e os conservadores haviam prometido diminuir o tamanho do Estado — depois da expansão ocorrida durante a pandemia. Uma redução na quantidade de servidores civis permitiria também um corte de impostos, que traria maior dinamismo para a economia.
Já os trabalhistas, agora eleitos segundo os resultados parciais, propuseram um plano de investimento em energias sustentáveis para alavancar a economia — semelhante ao que foi feito pelo presidente americano Joe Biden após ganhar as eleições americanas.
O crescimento da economia provocado por esse plano aumentaria a arrecadação — permitindo mais gastos do governo, segundo a lógica do partido de Keir Starmer.