Como número de seguidores no Instagram facilita (ou dificulta) acesso ao 'remédio mais caro do mundo'

Foto do logo do Instagram

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Campanhas em redes sociais, como o Instagram, fizeram com que famílias conseguissem juntar milhões de reais para pagar tratamento de doença degenerativa dos filhos

E se o número de seguidores que você tem no Instagram fosse um fator determinante para ter acesso a um remédio capaz de salvar a sua vida?

Essa parece ser a realidade de muitas crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME), uma doença genética degenerativa que afeta os neurônios motores, responsáveis por controlar o funcionamento dos músculos.

O quadro é progressivo e leva à perda dos movimentos de braços e pernas. Em estágios avançados, até os pulmões e o coração dependem do auxílio de aparelhos para continuarem funcionando.

Embora a enfermidade seja considerada rara, estima-se que entre 280 e 300 crianças sejam diagnosticadas com ela todos os anos no Brasil.

A boa notícia é que o tratamento dessa doença passou por uma verdadeira revolução nos últimos anos, com a chegada de três medicamentos capazes de interromper a morte inevitável das células nervosas.

Um desses remédios, chamado de Zolgensma, da farmacêutica Novartis, é aplicado em dose única e permite que as células da criança voltem a produzir uma proteína que mantém os neurônios motores vivos e em pleno funcionamento.

Mas há um problema: esse remédio foi, durante algum tempo, o mais caro do mundo. Para ter ideia, ele chegou a custar cerca de US$ 2,1 milhões (R$ 10,5 milhões).

Vidros de zolgensma

Crédito, Camila Hampf Mendes/Hospital Pequeno Príncipe

Legenda da foto, O Zolgensma ficou mundialmente famoso como 'o remédio mais caro do mundo'
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Isso fez com que muitas famílias cujos bebês foram diagnosticados com AME criassem campanhas para arrecadar o valor e custear a aplicação do Zolgensma. Outras entraram na Justiça para obrigar o Estado brasileiro a pagar pela dose.

A principal plataforma para a divulgação dos casos e das campanhas de arrecadação foi o Instagram.

A história de algumas dessas crianças ganhou repercussão nacional, com reportagens publicadas em grandes veículos, o apoio de celebridades e o engajamento de centenas de milhares de seguidores nas redes sociais.

Muitas delas, felizmente, conseguiram acesso rápido ao remédio que interrompe a progressão da doença.

Outros pacientes com AME, porém, não ganharam esse mesmo destaque. Eles têm, no máximo, alguns milhares de seguidores e as vaquinhas online não chegam nem perto do valor necessário para comprar o fármaco.

A BBC News Brasil fez um levantamento no Instagram e detectou 90 perfis de crianças com AME cujas famílias fizeram campanha pela plataforma de compartilhamento de fotos e vídeos.

Entre as que conseguiram acesso ao Zolgensma, a média de seguidores é de 31,7 mil — e quatro perfis ultrapassam a marca dos 100 mil.

Já entre aquelas que ainda tentam acessar esse tratamento, a média de seguidores é de 9,2 mil, um valor três vezes menor. Desse grupo, sete crianças não alcançam nem a casa dos 5 mil.

A seguir, você conhece a história de alguns desses pacientes e seus familiares.

Kyara, três anos e 51 mil seguidores

Kyara (à esquerda), de 3 anos, recebe um beijo da mãe Kayra (à direita)

Crédito, Reprodução/Redes sociais

Legenda da foto, Kyara, de 3 anos, recebe um beijo da mãe Kayra

A advogada Kayra Dantas, de Brasília, observou que algo incomodava a filha Kyara ainda no hospital, logo após o parto.

"Parecia que a Kyara não conseguia sustentar o tronco e estava sempre com as mãos tremendo. Logo após o banho, o corpo dela estralava todo", lembra.

"Conforme ela crescia, percebi que outras crianças da mesma idade pareciam estar se desenvolvendo mais rápido. A Kyara não conseguia ficar de pé e as perninhas dela estavam ficando cada vez mais moles, pareciam geleia", detalha.

Depois de passar por uma série de especialistas num processo que se estendeu por quase nove meses, a família recebeu finalmente o diagnóstico: a Kyara tem AME.

"Quando soube, chorei por dois dias sem parar. Achei que ia morrer de tanto chorar", desabafa Dantas.

A advogada resolveu, então, compartilhar a notícia com amigos e parentes próximos. E uma cunhada ligou para dizer que tinha lido sobre um medicamento que estava em testes finais. Era justamente o Zolgensma.

"Começamos a pesquisar absolutamente tudo sobre o remédio e definimos três caminhos para que a Kyara pudesse usá-lo. Primeiro, iniciamos uma campanha de arrecadação pelas redes sociais. Segundo, entramos com uma liminar pedindo que o Ministério da Saúde custeasse. Terceiro, inscrevemos nossa filha nos testes clínicos da Novartis", conta Dantas.

O perfil da criança no Instagram conta atualmente com 51,3 mil seguidores e a vaquinha recebeu o apoio de muitos famosos e influenciadores digitais, como a dupla sertaneja João Neto e Frederico, o cantor Oswaldo Montenegro e o lutador Junior Cigano.

Em três meses e 20 dias, a família tinha conseguido reunir ao redor de R$ 5 milhões. "Entramos então com uma liminar para que o governo complementasse a metade restante", continua a mãe.

Com a decisão favorável da Justiça, Kyara pode finalmente passar pelos exames preparatórios e receber a infusão de Zolgensma em 19 de novembro de 2020.

No Dia Z — termo usado pela comunidade de familiares e pacientes com AME para se referir ao dia em que o tratamento é feito —, Dantas diz que sentia um misto de gratidão e esgotamento.

"Eu tinha medo de perder uma gota daquele remédio. Naquele momento, soube que nada era impossível", relata.

De acordo com Dantas, hoje em dia a menina só não consegue correr ou pular, mas se locomove bem e vai à escola normalmente.

"Recentemente ela passou por um pneumologista e ele nos disse que a respiração dela é igual à de uma criança sem AME", conta Dantas.

Questionada sobre a influência das redes sociais em todo esse processo, a advogada não tem dúvidas. "Sem o Instagram, minha filha não teria acesso ao remédio que salvou a vida dela."

"Nós precisaríamos esperar a boa vontade do governo para termos acesso, quem sabe um dia, a esse tratamento. As redes também foram importantes para que a Justiça acompanhasse o caso", acredita.

Dantas conta que, por trás de toda a campanha de arrecadação, havia uma grande equipe de voluntários, que ajudava com as estratégias de comunicação pelas mídias sociais.

O perfil de Kyara, que já passou pelo 'dia Z' tem mais de 50 mil seguidores

Crédito, Reprodução/Redes sociais

Legenda da foto, O perfil de Kyara no Instagram, que já passou pelo 'dia Z' tem mais de 50 mil seguidores

Yuri, um ano e 8 mil seguidores

Yuri

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Yuri tem um ano e sete meses — e nunca saiu do hospital

Luzinete Silva, de Barreirinhas, no Maranhão, conta que Yuri nasceu com a pele roxa e estava quase morto.

"Ele precisou ser reanimado logo após o parto e foi transferido para a capital, São Luís."

Isso foi em setembro de 2021. Desde então, ela e o bebê vivem no hospital, a 260 quilômetros do restante da família.

Quando Yuri tinha dois meses, veio o diagnóstico de AME. "Hoje em dia, ele não mexe mais nenhuma parte do corpo", diz Silva.

"Eu nem posso falar muito, porque já começo a chorar. É difícil cuidar dele, e tenho outros cinco filhos. Queria poder levar o Yuri para casa e estar com a família reunida."

Assim como vários outros pacientes com AME, o menino também possui uma conta no Instagram para levantar recursos.

Porém, até o momento, a página tem 8,2 mil seguidores e arrecadou pouco mais de R$ 40 mil (ou 0,3% da meta inicial).

Yuri também conta com uma rede de voluntários que ajuda nas postagens. Uma das coordenadoras é Camila Bonnetti, de São Paulo.

Ela já conhecia a história de outras crianças com AME e se sensibilizou com o caso de Yuri. "Quando você lê um pouco sobre essa doença, percebe como ela é cruel. Eu não desejaria isso nem para o meu pior inimigo", lamenta.

Bonetti conta que o grupo de voluntários de Yuri tem cerca de 60 pessoas, sendo que doze delas são mais ativas e participam das ações. "Nós fazemos as postagens, idealizamos as estratégias de comunicação, marcamos os perfis nos comentários, entramos em contato com famosos e influenciadores…", lista.

"A gente sabe que, no Brasil, as coisas só acontecem quando há mídia e atenção do público. No caso da AME, é o mesmo: se a pessoa tem muitos seguidores, as coisas acontecem como num passe de mágica. O número de doações sobe e todo o processo fica mais rápido", opina.

O perfil de Yuri no Instagram

Crédito, Divulgação/Redes sociais

Legenda da foto, O perfil de Yuri no Instagram tem pouco mais de 8 mil seguidores

Uma questão de engajamento e conexões

Suhellen Oliveira, de Recife, viveu duas realidades completamente distintas com a AME.

Seus dois filhos têm a doença. O primeiro, Lorenzo, está com dez anos. Quando ele era pequeno, ainda não existiam os remédios capazes de frear a perda dos neurônios musculares, sobre os quais falaremos mais adiante.

Já Levi, de dois anos, nasceu num outro momento e teve a oportunidade de passar pelo fatídico "Dia Z".

Ao lado de outras quatro mulheres, Oliveira criou o Universo Coletivo AME, uma associação que acolhe mães e pais cujos filhos foram diagnosticados com a doença, além de cobrar as autoridades por mudanças nas políticas públicas de diagnóstico e tratamento.

Ela diz que, institucionalmente, o grupo não incentiva que as famílias façam campanhas pelas redes sociais.

"Eu mesma fiz e sei como é desgastante. Tem famílias que contratam empresas de marketing só para cuidar deste trabalho", conta Oliveira, que também à frente da Associação de Doenças Neuromusculares (Donem).

"E, embora alguns perfis façam um trabalho muito bonito, que traz visibilidade, nós acreditamos que isso resolve problemas individuais. O que queremos é justamente pensar na questão coletiva, com decisões e leis que beneficiem a todos os pacientes."

Segundo a experiência de Oliveira, o engajamento das postagens é mais importante do que o número total de seguidores no Instagram.

"Fora que, atualmente, as campanhas de arrecadação já não conseguem mais grandes somas. Hoje o dinheiro recebido serve mais para auxiliar nos tratamentos de reabilitação ou para outros gastos da família com equipamentos, insumos e ajustes na casa", avalia.

Mas a representante do Universo Coletivo AME vê que o número de seguidores no Instagram ainda tem uma influência grande nas decisões judiciais.

"Os perfis maiores chegam mais fácil até os tomadores de decisão e obtêm decisões favoráveis de uma maneira mais célere", diz.

"Às vezes, o amigo de um juiz ou o secretário do fórum de uma cidade vê aquela campanha nas redes sociais, e isso gera uma sensibilização — o que acelera a decisão dos tribunais", complementa ela.

Pessoa mexendo em celular

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Associação desencoraja campanhas de redes sociais para arrecadação de fundos para tratar a AME

Uma doença, cinco tipos

A neurologista pediátrica Adriana Banzatto, do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, explica que a AME é uma doença genética.

"Nela, há a ausência ou a deficiência do gene SMN1, responsável por produzir a proteína que garante o funcionamento dos neurônios motores na medula espinhal", ensina.

Sem aproteína, os neurônios vão morrendo aos poucos. Com isso, os músculos de todo o corpo perdem a força e deixam de funcionar.

Para piorar, não há como reverter isso: células nervosas que morreram não voltam nunca mais.

Mesmo os tratamentos mais modernos só conseguem interromper o processo e impedir novas perdas e prejuízos do início do tratamento em diante.

Banzatto aponta que a AME é dividida em cinco tipos.

"No tipo 0, o bebê já desenvolve o quadro durante a gestação. Ele nasce com o corpo extremamente mole e, geralmente antes de completar o primeiro mês de vida, precisa de auxílio para respirar", detalha.

No tipo 1, um dos mais frequentes, a criança até consegue se movimentar ao nascer. Porém, aos dois ou três meses, começa a perder o tônus muscular aos poucos.

Esse processo de decaimento das habilidades motoras acontece cada vez mais tarde nos outros tipos — no 4, por exemplo, o paciente pode permanecer estável e só apresentar os primeiros incômodos no final da adolescência e no início da vida adulta.

Os especialistas estimam que, atualmente, cerca de 3 mil brasileiros tenham AME — e até 300 indivíduos recebam esse diagnóstico a cada ano.

Uma revolução terapêutica

Até 2017, as opções para tratar efetivamente a AME eram escassas, quase nulas.

"Nós dependíamos basicamente do tratamento multidisciplinar. Era a fisioterapia motora e respiratória, os ajustes de nutrição e deglutição e os cuidados paliativos", resume o médico Edmar Zanoteli, professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Isso começou a mudar com a aprovação do Spinraza, da farmacêutica Biogen. Basicamente, esse remédio permite que outro gene do nosso corpo — o SMN2 — produza a proteína capaz de "alimentar" os neurônios motores.

Ele é aplicado a cada quatro meses, por meio de uma injeção na base da coluna vertebral, e está disponível aos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Na sequência, veio o Evrysdi, da Roche. Ele tem um mecanismo de ação parecido, ao estimular o SMN2 a fabricar a proteína em falta.

A diferença está na administração: essa medicação vem na forma de um líquido, que precisa ser tomado todos os dias. Ela já está aprovada pelo Ministério da Saúde e deve ser distribuída pela rede pública nos próximos meses.

Por fim, temos o Zolgensma, que ficou mundialmente conhecido como "o remédio mais caro do mundo" — embora tenha perdido esse posto recentemente para outros lançamentos do mercado farmacêutico.

Administrado por meio de uma infusão em dose única, o fármaco é considerado uma terapia gênica. Em resumo, ele traz um adenovírus (que não faz mal à saúde humana) modificado geneticamente para carregar uma cópia "correta" do gene SMN1.

Esse material é levado até as células do sistema nervoso, que passam a fabricar a proteína capaz de manter os neurônios motores vivos.

"É importante mencionar que a eficácia dos três tratamentos é similar. O que muda é a forma de administrar o remédio e alguns possíveis efeitos colaterais", informa Zanoteli, que também é chefe do Ambulatório de Atrofia Muscular Espinhal do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Vale mencionar também que nenhuma das opções terapêuticas representa a cura da AME.

Oliveira aponta que, com a experiência acumulada, aprendeu a não comparar casos ou esperar resultados semelhantes entre pacientes.

"Cada criança vai ter uma necessidade e uma evolução, então devemos sempre tomar cuidado com as expectativas em relação aos tratamentos."

Ampola de Zolgensma

Crédito, Camila Hampf Mendes/Hospital Pequeno Príncipe

Legenda da foto, O Zolgensma, de dose usa, chegou a custar US$ 2,1 milhões

Como as redes sociais moldam o tratamento

Os médicos ouvidos pela BBC News Brasil admitem que postagens no Instagram e outras plataformas online influenciam não apenas no acesso aos remédios, mas também nas expectativas que os familiares — e até os seguidores — têm em relação aos resultados que serão alcançados.

"Eu conheço pacientes que conseguiram comprar o Zolgensma só com o dinheiro das campanhas de arrecadação online, então é inegável que há um peso muito grande das redes sociais", avalia Banzatto.

Zanoteli reforça que é preciso deixar muito claro até onde vai o efeito das medicações.

"As terapias não tem uma função regenerativa. Não há como recuperar as funções motoras que a criança já perdeu", explica.

Ou seja, como explicado anteriormente, os remédios contra a AME disponíveis hoje impedem a progressão do quadro, que poderia ficar ainda mais grave e levar a complicações mortais. Mas eles não são capazes de recuperar os neurônios que já morreram.

"Além disso, muitas vezes os familiares acreditam que mudar o medicamento pode solucionar alguns desses problemas, o que infelizmente não acontece", diz.

Banzatto acrescenta que a cobrança de resultados pode vir dos próprios seguidores. "Usuários de redes sociais muitas vezes comentam: 'Como essa criança usou um remédio tão caro e não está recuperada? Por que ela ainda vai precisar de fisioterapia ou outros cuidados?'", exemplifica.

"Precisamos, portanto, deixar bem claro a todos para que servem as terapias contra a AME e quais são os possíveis resultados", acredita a neurologista.

Profissional de saúde prepara dose de Zolgensma

Crédito, Camila Hampf Mendes/Hospital Pequeno Príncipe

Legenda da foto, Profissional de saúde prepara dose de Zolgensma

Os próximos desafios

O papel das redes sociais no tratamento da AME deve passar por uma nova transformação a partir de agora.

Isso porque o Ministério da Saúde anunciou, em dezembro de 2022, a incorporação do Zolgensma no SUS.

A princípio, o governo vai custear o tratamento apenas de crianças com o tipo 1 da doença que tenham até seis meses de idade. Outro critério é que esses pacientes fiquem sem ventilação mecânica (aparelho responsável por manter a respiração) por mais de 16 horas ao dia.

O acordo com a farmacêutica Novartis chama a atenção, já que prevê um compartilhamento de riscos: o Estado brasileiro vai parcelar o valor de cada dose em cinco vezes, e o pagamento só será feito se a criança atingir alguns marcos terapêuticos e se beneficiar de fato do tratamento pelos quatro anos seguintes.

Caso ela morra ou tenha uma piora do estado clínico, as demais parcelas não precisarão ser pagas pelo ministério.

Com isso, a tendência é que bebês diagnosticados precocemente com a AME já tenham acesso a três tratamentos disponíveis pela rede pública, sem a necessidade de manter um perfil no Instagram ou somar milhões de reais em vaquinhas online.

Inclusive, muitas contas de crianças com AME nesta rede social já mudaram o foco — e agora fazem vaquinhas digitais para custear as terapias de suporte, o aluguel de imóveis perto do hospital ou reformas na casa para adaptar o espaço às necessidades do paciente.

Por fim, todas essas mudanças levaram a uma nova necessidade urgente: acelerar o diagnóstico precoce da enfermidade.

O teste do pezinho — exame que rastreia uma série de doenças no recém-nascido — que está disponível no SUS ainda não detecta a AME.

Uma lei sancionada pelo Governo Federal em maio de 2021 até prevê a inclusão dessa e de outras doenças raras no teste do pezinho. Mas a AME só entrará nesse pacote de novidades da triagem neonatal na quinta e última etapa do projeto, ainda sem um prazo estabelecido.

"É imprescindível que a AME esteja no teste do pezinho desde já. Assim, a grande maioria das crianças terá o diagnóstico precoce e poderá fazer o tratamento pela rede pública num momento em que a doença ainda não progrediu", aponta Dantas, mãe da Kyara.

"Não é possível que as famílias precisem esperar os sintomas se manifestarem, como aconteceu com a minha filha, para buscar exames e tratamentos", complementa.

Há muitos casos em que o diagnóstico da AME só ocorre após os seis meses de vida do bebê — o que impossibilitaria o acesso ao Zolgensma pelo SUS, segundo as regras atuais.

A detecção antecipada da enfermidade também é uma das bandeiras encampadas pelo Universo Coletivo AME. "Fazer essa triagem neonatal dessa doença é fundamental para as gerações futuras", acredita Oliveira.

"Mas não podemos nos esquecer das crianças mais velhas, que já não se encaixam naqueles critérios de acesso ao Zolgensma. A ampliação do acesso aos tratamentos pode fazer toda a diferença na vida delas", conclui.

Pé de recém-nascido

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O teste do pezinho pode detectar a AME precocemente — mas detecção ainda não está disponível no SUS

O que diz a empresa

A BBC News Brasil entrou em contato com a Novartis, responsável pelo Zolgensma, para que a farmacêutica pudesse se posicionar a respeito do preço da medicação e outras questões levantadas ao longo da reportagem.

Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a empresa disse estar "empenhada em levar as terapias mais inovadoras aos pacientes, discutir estratégias e modelos diferenciados de acesso e atuar em cooperação com o governo e outros agentes privados em busca de soluções conjuntas que levem em consideração as especificidades do país".

Sobre o preço e o título de "remédio mais caro do mundo", a Novartis diz que isso "reflete décadas de pesquisas científicas, investimentos em cadeia logística e manufatura em larga escala, bem como custos diretos e indiretos com a capacitação de centros de referência, hospitais e profissionais de saúde".

A farmacêutica acredita que o esquema de compartilhamento de riscos, como acertado com o Ministério da Saúde, "é uma etapa inicial de implementação do primeiro real acordo deste gênero no SUS".

"Trata-se de uma proposta adequada ao estágio atual de desenvolvimento do sistema, com a qual ambas as partes deverão aprender ao longo do processo — o que poderá permitir aprimoramentos e novos acordos em torno de outros indicadores e desfechos em momento mais oportuno e adequado", finaliza o texto.