Como vida na região da Síria controlada por rebeldes que tomaram poder indica o que está por vir no país

Pessoas caminhando por uma rua movimentada em um acampamento de refugiados em Idlib, com várias pessoas comprando verduras na traseira de um caminhão em 17 de dezembro

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Em 2017, o grupo Hayat Tahrir al-Sham proporcionou uma aparente estabilidade à cidade de Idlib, após anos de guerra civil
  • Author, Hugo Bachega
  • Role, Correspondente da BBC News no Oriente Médio

A estrada para Idlib, um recanto remoto no noroeste da Síria, ainda tem os sinais das antigas linhas de frente de combate: trincheiras, posições militares abandonadas, projéteis de foguetes e munição.

Até poucos dias atrás, esta era a única área do país controlada pela oposição.

A partir de Idlib, rebeldes liderados pelo grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS) lançaram uma ofensiva surpreendente que derrubou o presidente Bashar al-Assad — e pôs fim à ditadura de cinco décadas de sua família na Síria.

Como resultado, eles se tornaram, na prática, as autoridades do país — e parecem estar tentando levar sua forma de governar para o resto da Síria.

No centro da cidade de Idlib, as bandeiras da oposição, com uma faixa verde e três estrelas vermelhas, estavam sendo hasteadas em praças públicas e agitadas por homens e mulheres, idosos e jovens, após a queda de Assad. Grafites nas paredes comemoravam a resistência contra o regime.

Embora os prédios destruídos e as pilhas de entulho fossem uma lembrança da guerra não tão distante, as casas reformadas, as lojas recém-abertas e as estradas bem conservadas eram a prova de que algumas coisas haviam, de fato, melhorado. No entanto, havia reclamações sobre o que era visto como um governo linha dura por parte das autoridades.

Quando visitamos a cidade no início desta semana, as ruas estavam relativamente limpas, os sinais de trânsito e os postes de iluminação funcionavam, e havia policiais nas áreas mais movimentadas. Coisas simples que não existem em outras partes da Síria — e que são motivo de orgulho aqui.

Hamza Almoraweh

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, O médico Hamza Almoraweh diz que testemunhou muito desenvolvimento em Idlib desde que o HTS assumiu o controle há sete anos
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O HTS tem suas origens na Al-Qaeda, mas, nos últimos anos, tem tentado ativamente se reposicionar como uma força nacionalista, se distanciando do seu passado jihadista, e com a intenção de derrubar Assad.

Enquanto os combatentes marchavam para Damasco no início deste mês, seus líderes falavam sobre a construção de uma Síria para todos os sírios.

No entanto, o grupo ainda é descrito como uma organização terrorista pelos EUA, pelo Reino Unido, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outros países, inclusive a Turquia, que apoia alguns rebeldes sírios.

Em 2017, o grupo assumiu o controle da maior parte desta região, onde vivem 4,5 milhões de pessoas, oferecendo estabilidade após anos de guerra civil.

A autoridade administrativa da província, conhecida como Governo da Salvação, controla a distribuição de água e eletricidade, a coleta de lixo e a pavimentação de estradas.

Os impostos cobrados de empresas, agricultores e travessias para a Turquia financiam seus serviços públicos, assim como suas operações militares.

"Sob Assad, costumava-se dizer que Idlib era a cidade esquecida", afirma o cardiologista Hamza Almoraweh, enquanto atende pacientes em um hospital instalado em um antigo depósito dos correios.

Ele se mudou de Aleppo com a esposa em 2015, quando a guerra se intensificou, mas não estava planejando voltar, mesmo com a cidade sob controle dos rebeldes.

"Vimos muito desenvolvimento aqui. Idlib tem muitas coisas que não tinha sob o regime de Assad."

Ao moderar seu tom, buscando obter reconhecimento internacional em meio à oposição local, o HTS revogou algumas das rígidas regras sociais que havia imposto quando chegou ao poder, incluindo códigos de vestimenta para as mulheres e a proibição de música nas escolas.

E algumas pessoas citam protestos recentes, inclusive contra os tributos impostos pelo governo, como prova de que um certo nível de crítica é tolerado, em contraste com a repressão de Assad.

"Não é uma democracia plena, mas há liberdade", afirma o ativista Fuad Sayedissa.

"Houve alguns problemas no começo, mas, nos últimos anos, eles têm agido de uma maneira melhor, e estão tentando mudar."

Nascido em Idlib, Sayedissa agora vive na Turquia, onde dirige a organização não governamental Violet. Assim como para milhares de sírios, a queda de Assad permitiu que ele visitasse sua cidade natal novamente — no caso dele, pela primeira vez em uma década.

Fuad Sayedissa

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, A queda de Assad permitiu que o ativista Fuad Sayedissa visitasse sua cidade natal, Idlib, pela primeira vez em 10 anos

Mas também foram realizadas manifestações contra o que alguns dizem ser um governo autoritário. Para consolidar o poder, afirmam os especialistas, o grupo atacou extremistas, absorveu rivais e prendeu oponentes.

"Como o governo vai agir em toda a Síria é uma história diferente", diz Sayedissa.

A Síria é um país diverso e, após décadas de opressão e violência perpetradas pelo regime e seus aliados, muitos estão sedentos por justiça.

"As pessoas ainda estão comemorando, mas também estão preocupadas com o futuro."

Tentamos entrevistar uma autoridade local, mas fomos informados que todos tinham ido a Damasco para ajudar no novo governo.

Duas meninas encostadas em uma mureta destruída em Idlib

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, Edifícios destruídos e pilhas de escombros são uma lembrança da guerra não tão distante em Idlib

A uma hora de carro de Idlib, no pequeno vilarejo cristão de Quniyah, os sinos da igreja tocaram pela primeira vez em uma década, em 8 de dezembro, para comemorar a queda de Assad.

A comunidade, próxima à fronteira com a Turquia, foi bombardeada durante a guerra civil, que começou em 2011, quando Assad reprimiu com violência protestos pacíficos contra ele — e muitos de seus moradores fugiram.

Apenas 250 pessoas permaneceram.

"A Síria está melhor desde a queda de Assad", diz o frei Fadi Azar.

Fadi Azar sentado em um dos bancos da igreja

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, O frei Fadi Azar diz que o grupo islâmico no comando deu mais liberdade à sua comunidade cristã

A ascensão islâmica levantou, no entanto, o temor de que as minorias, incluindo os alauítas, como Assad, possam estar em risco, apesar das mensagens do HTS assegurando aos grupos religiosos e étnicos que eles seriam protegidos.

"Nos últimos dois anos, eles [HTS] começaram a mudar... Antes, era muito difícil", observa o frei.

As propriedades foram confiscadas, e os rituais religiosos restringidos.

"Eles deram [à nossa comunidade] mais liberdade, convocaram outros cristãos que eram refugiados a voltar para pegar suas terras e casas."

Mas será que a mudança é genuína? É possível confiar neles?

"O que podemos fazer? Não temos outra opção", ele responde.

"Nós confiamos neles."

Perguntei a Sayedissa, o ativista, por que até mesmo os oponentes relutavam em criticar o grupo.

"Eles agora são os heróis... [Mas] temos limites. Não permitiremos ditadores novamente, Jolani ou qualquer outro", ele disse, referindo-se a Ahmed al-Shara, o líder do HTS que abandonou seu nome de guerra, Abu Mohammad al-Jolani, depois de chegar ao poder.

"Se eles agirem como ditadores, as pessoas estarão prontas para dizer não, porque agora elas têm sua liberdade."