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As ferramentas medievais utilizadas na reconstrução da catedral de Notre-Dame
- Author, Daniela Fernandes
- Role, De Paris para a BBC News Brasil
Pouco mais de cinco anos após sofrer um incêndio que a devastou, a catedral de Notre-Dame de Paris será reaberta neste sábado (7/12) em uma cerimônia com a presença de chefes de Estados.
Uma das proezas dessas "obras do século", como o restauro foi chamado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, foi a reconstrução idêntica da estrutura de vigas de carvalho do telhado da catedral, que existia há 850 anos e foi carbonizada durante a catástrofe.
A estrutura foi refeita com as mesmas técnicas e ferramentas utilizadas na Idade Média, recriadas especialmente para a renovação.
"Restituímos uma estrutura medieval de madeira de forma autêntica: são os mesmos materiais, as mesmas técnicas, os mesmos gestos para talhar e montar as vigas, somente a madeira é do século 21", ressalta Philippe Villeneuve, arquiteto-chefe dos monumentos históricos da França, responsável pelo restauro da Notre-Dame.
"Seguimos os passos dos carpinteiros do século 13. O que temos hoje é exatamente o que existia antes do incêndio", afirma Jean-Louis Bidet, diretor técnico da Ateliers Perrault, uma das duas empresas que reconstruíram a estrutura medieval do telhado, conhecida como "floresta" em razão da grande densidade de madeira e do emaranhado de vigas que cobrem o espaço.
Por uma grande sorte do destino, um dos arquitetos da comissão de monumentos históricos da França, Rémi Fromont, havia realizado em 2014, cinco anos antes do incêndio, um estudo detalhado da estrutura medieval do telhado, com inúmeros documentos e fotos.
Esse trabalho abrangente foi determinante para entender o que havia sido feito há 850 anos, permitindo a realização dos desenhos e projetos da reconstrução.
Foi com base em fotos desse estudo e em arquivos históricos que a Maison Luquet, ferreiro especializado em instrumentos de metal para talhar, conseguiu recriar os machados usados na Idade Média para cortar as novas vigas da catedral.
"Fomos fazendo testes de ferramentas até obtermos exatamente as mesmas marcas que haviam sido deixadas há séculos nas madeiras da estrutura", contou à BBC News Brasil Soumia Luquet, diretora dessa pequena empresa familiar que solicitou o apoio de outros cinco ateliês de ferreiros para fabricar cerca de 60 machados usados nas obras e outras ferramentas, forjados à mão.
"Foi um trabalho de ourives", diz ela. Um ano de pesquisas foi necessário para identificar as lâminas, peso e tamanho dos machados e quatro meses para produzi-los.
A técnica utilizada pelos carpinteiros, como se fazia na Idade Média, consiste em cortar com machados as laterais das toras de carvalho até torná-las superfícies retilíneas paralelas, como um grande bloco de paralelepípedo.
Para Loïc Desmonts, carpinteiro e proprietário do Ateliers Desmonts, empresa que realizou a estrutura de madeira do telhado da nave da Notre-Dame, o maior desafio foi encontrar os 1,2 mil carvalhos necessários para a realização da obra, disse ele à BBC News Brasil.
"É a parte mais complexa. São necessários carvalhos específicos, que devem ser finos, alongados e retos", ressalta. Os mais jovens, afirma, tinham 80 anos e, os mais antigos, 150 anos.
Para recriar a estrutura medieval do telhado das áreas da nave e do altar principal e também reconstruir a agulha foram necessários cerca de dois mil carvalhos, extraídos de florestas francesas de manejo sustentável, segundo o Ofício Nacional de Florestas.
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No total, o Ateliers Desmonts levou 18 meses para realizar a obra, entre o preparo das vigas, que inclui o corte com machados, e a montagem, tanto no ateliê - para treinar os gestos que deveriam ser reproduzidos na catedral e observar como a estrutura evoluía com o tempo - até a instalação na Notre-Dame.
O emaranhado de vigas da estrutura do telhado foi todo montado sem um único prego ou parafuso. Para juntá-las, foram realizados grandes pinos também de madeira, usados como pontos de articulação entre as vigas. Também foi necessário recriar ferramentas medievais para fabricar esses "espetos" de madeira que funcionam como pregos enormes.
"Conseguimos provar que é possível reconstruir uma catedral com as técnicas da época", afirma Desmonts, que se diz "orgulhoso" de ver a estrutura toda montada após tantas e tantas horas de trabalho.
Sua empresa, ligada à associação "Carpinteiros Sem Fronteiras", já utilizava esses métodos ancestrais de trabalho da madeira para realizar estruturas de monumentos históricos, igrejas e castelos, mas nunca havia realizado uma obra do porte da Notre-Dame de Paris.
"As obras permitiram medir a audácia e o gênio dos construtores de catedrais da Idade Média. No início do século 13 eles não tinham andaimes como hoje nem guindastes", afirma Philippe Jost, que comanda "Reconstruir Notre-Dame", órgão público encarregado da conservação e restauro do monumento.
Flecha
Além da reconstrução idêntica da estrutura medieval do telhado, outra façanha técnica das obras foi a recriação da "flecha" de 96 metros de altura, também chamada "agulha" da catedral, exatamente igual à que existia e datava de 1857. Ela desabou durante o incêndio criando uma cratera gigantesca no edifício. Algumas polêmicas surgiram em torno da criação de algo moderno, mas optou-se no final por reproduzir a mesma.
Apenas o andaime em torno da "flecha" resultou em uma estrutura de 250 toneladas e sua realização foi extremamente complexa, segundo arquitetos responsáveis, porque a área em torno estava fragilizada e precisou de uma série de medidas de segurança.
É no topo da agulha que está instalado o galo de cobre recoberto de ouro que guarda relíquias religiosas, entre elas um fragmento da coroa de espinhos do Cristo.
Luz e cores
Tudo foi renovado na Notre-Dame. O que não foi destruído ou estragado pelo fogo foi restaurado e o restante reconstruído. Ninguém nunca viu o interior da catedral tão luminoso e colorido graças à limpeza das pedras do edifício, das pinturas, esculturas e vitrais, um trabalho também artesanal feito por ateliês especializados. A última vez que a parte interna teve obras de renovação e limpeza havia sido em 1864.
O órgão principal, do século 18, formado por oito mil tubos, escapou das chamas, mas não da poeira de chumbo resultante do incêndio. Ele foi todo desmontado, limpo e afinado. Sinos (os da Notre-Dame têm nomes de pessoas) também foram restaurados.
Tudo isso foi possível graças às doações recordes de pessoas e empresas que atingiram 840 milhões de euros (cerca de R$ 5,4 bilhões). Desse total, restaram cerca de 140 milhões de euros (quase R$ 890 milhões) que serão utilizados em obras na parte externa que não estavam planejadas inicialmente.
As obras também permitiram fazer descobertas arqueológicas, como vestígios romanos e medievais e fragmentos de esculturas, além de sepulturas.
A cerimônia de reabertura no sábado terá a presença de cerca de 50 chefes de Estado e de governo. O Papa não participará, mas tem visita prevista na ilha francesa da Córsega na próxima semana. No domingo, dia 8, haverá pela manhã a missa inaugural do novo altar, novamente com a participação do presidente francês, Emmanuel Macron.
A missa aberta ao público será realizada no domingo à tarde. O sistema de reservas online para eventos na próxima semana ficou saturado logo após sua abertura no dia 3 e não é mais possível, no momento, se inscrever.
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