Black Friday: como os robôs passam a perna em você na disputa por pechinchas

Imagem de um robô segurando produtos eletrônicos

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Programas de computador varrem os sites de comércio em busca de ofertas e preços baixos
  • Author, David Molloy
  • Role, Repórter de tecnologia

A Black Friday e a onda de compras de Natal chegaram. Mas qualquer pechincha envolvendo um novo console ou aquela placa de vídeo disputada provavelmente será abocanhada por um exército de robôs trabalhando para aqueles que procuram ter lucro dos preços baixos nesse período.

Esses robôs (bots) são programas em funcionamento constante que afetam o comércio online há anos. Mas, desde a pandemia de covid-19, o comércio eletrônico aumentou consideravelmente. E a dificuldade também.

E qual é o problema desses robôs?

Bem, os robôs de varejo vasculham todas as páginas desses sites de comércio por todo o mundo de olho no momento exato em que um item é colocado à venda. E daí eles alertam seus administradores para que possam vencer a multidão de consumidores comuns em busca de preços baixos. Alguns desses robôs até compram automaticamente o produto, mais rapidamente do que qualquer ser humano é capaz.

É por isso que alguns produtos ficam fora de estoque em lojas comuns, mas estão disponíveis por milhares de dólares a mais do que o preço inicial em sites como o eBay.

Isso é apenas "a ponta do iceberg", diz Thomas Platt, da empresa de gerenciamento de robôs Netacea. Robôs abocanham o estoque de tudo, de brinquedos fofinhos a coleções de filmes.

Se houver um "nicho de mercado" ou um lançamento de alto padrão, "essas indústrias estarão sendo visadas", explica Platt.

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Em 2020, o lançamento da placa de vídeo de jogos para PC da Nvidia, a 3080, ilustrou "provavelmente o caso mais extremo do que os robôs podem fazer", disse um dos moderadores do fórum do Reddit r/BuildaPCSalesUK, um grupo de caçadores de pechinchas que se ajudam a encontrar peças de computadores.

"Menos de um segundo após o lançamento, todas as peças acabaram."

"Os usuários em sites de varejo não viram um botão 'comprar agora', mas sim um botão 'esgotado', já que todo o estoque tinha sido imediatamente levado por robôs, com uma ou outra pessoa sortuda lá no meio (da lista de compradores)."

Rob Burke, ex-diretor de comércio eletrônico internacional da grande varejista internacional GameStop, diz que os robôs sempre foram um problema.

"Às vezes, mais de 60% do tráfego no nosso site, representando centenas de milhões de visitas por dia, era de robôs ou raspadores (os scrapers, que monitoram preços). Especialmente às vésperas de grandes lançamentos."

Essa situação cria um certo dilema ético para as lojas.

"Por um lado, você só quer vender o produto. Então, quem se importa se foi um robô ou um cliente 'real'? Por outro, se nenhum, ou muito poucos, de seus clientes reais puderem adquirir um produto com você, eles naturalmente vão buscar outro lugar para comprar."

Como esses robôs funcionam?

Os chamados robôs "sniping" (em referência aos snipers ou atiradores de elite) emitem alertas para os usuários quando um item volta ao estoque, permitindo que o responsável pelo robô o compre antes de qualquer outra pessoa.

Mas os robôs mais avançados são soluções completas que identificam a pechincha e fazem a compra automaticamente. Eles geralmente vêm de um lugar incomum: o mercado de tênis de edição limitada.

Esses calçados têm sido um foco de lançamentos limitados e de alta demanda nos últimos anos, com as pessoas fazendo fila do lado de fora das lojas para comprá-los, ou tentando obtê-los online. Isso levou ao desenvolvimento de robôs avançados, e são esses que agora estão sendo usados ​​para outros fins.

Os chamados "grupos de cozinheiros" vivem em canais de bate-papo privados em aplicativos como o Discord trocando dicas sobre quem vai estocar o quê, boatos de horários de lançamento e páginas dos sites disponíveis antes do produto estar oficialmente à venda. Os proprietários de robôs usam essas informações para ajustar suas estratégias.

Platt diz que conhece um exemplo extremo em que um grupo alugou um servidor localizado fisicamente mais perto do servidor do site que estavam de olho, dando a eles uma vantagem de frações de segundo no tempo que leva para o tráfego da internet ocorrer.

Por quê? Porque os cambistas estão competindo uns com os outros tanto quanto os compradores regulares.

Foto mostra duas mulheres em frente a uma vitrine de tênis com anúnicos da Black Friday

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os itens de maior demanda estarão mais difíceis do que nunca, especialmente se houver um bom desconto envolvido

A adesão a esses grupos de elite pode custar de dezenas a centenas de dólares.

"Definitivamente, há um elemento de exclusividade no segmento mais sofisticado do mercado", diz Platt.

"Existem robôs à venda que podem custar milhares de dólares. Alguns dos robôs se tornaram tão caros e tão limitados que agora você os aluga."

Isso significa que algumas pessoas que estão genuinamente atrás de um item estão alugando um robô para ter certeza de que o conseguirão ou apenas "empregando" um "robozeiro" para comprá-lo para elas.

Está se tornando um grande negócio. O mercado de revenda de tênis esportivos sozinho está avaliado em cerca de US$ 2 bilhões e cresce 20% ao ano, segundo a consultoria americana Cowen.

O que isso significa para as compras de Natal e da Black Friday?

No fim, os itens de maior demanda estarão mais difíceis do que nunca, especialmente se houver um bom desconto envolvido.

E depois há o movimento habitual de mercado: comprar itens na baixa e vender na alta, explorando a diferença de preço. Os robôs ajudam isso a acontecer em escala comercial automatizada.

"Você pode levar todos esses itens, se souber que dali a duas semanas, quando as vendas acabarem, poderá vendê-los pelo dobro do preço", explica Platt.

Há uma fresta de esperança na proliferação de robôs em torno dos principais dias de vendas, como a Black Friday: eles podem levar a preços mais baixos em alguns casos.

Isso porque os robôs de raspagem, do tipo que monitora preços, mas não compra nada, são realmente usados ​​pelos próprios varejistas. Muitos dos maiores comerciantes examinam os sites uns dos outros, certificando-se de que não sejam derrotados na disputa pela melhor oferta de negócio ao consumidor.

Bolsas à venda em promoção da Black Friday na loja de departamento Macy's, em Nova York, em novembro de 2024

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Muitos varejistas não comentam estratégias para lidar com os robôs

E o que pode ser feito sobre isso?

Procurados pela reportagem, muitos grandes varejistas se recusaram a tratar das estratégias de defesas contra esses robôs, e vendedores de programas robôs tampouco quiseram falar.

Tecnicamente, não há nada de ilegal nessa prática. O Reino Unido proibiu o uso desses robôs para a venda de ingressos, mas em outros setores de varejo isso não é explicitamente proibido por lei.

No entanto, varejistas estão criando soluções alternativas inteligentes.

A loja britânica Currys PC World confundiu muitos de seus clientes quando o PlayStation 5 e o Xbox Series X foram colocados à venda, em 2020. Eles apareciam por 2 mil libras a mais do que se esperava, mas os clientes reais com pré-encomendas receberam um código de desconto de 2.005 libras, que teve de ser inserido manualmente, levando o preço de volta ao patamar esperado pelos clientes.

Alguns varejistas estão cobrando nos cartões das pessoas o preço total do item por um lugar na fila de espera (e estornam o lançamento se a compra não for concretizada). Outros estão vasculhando listas de pedidos e cancelando compras suspeitas: por exemplo, se um mesmo endereço está recebendo muitas unidades do mesmo item.

Essa disputa de gato e rato deve ir bem longe.

*Esta reportagem foi publicada originalmente em 27 de novembro de 2020.