Bloqueio do X: a manobra que fez rede de Elon Musk voltar a funcionar no Brasil

Elon Musk ao lado do símbolo do X

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Apesar de proibição feita pelo STF, X (antigo Twitter) voltou a funcionar em algumas cidades brasileiras

O retorno da rede social X (antigo Twitter) em cidades como São Paulo e Belo Horizonte desde as primeiras horas desta quarta-feira (18/9) chamou a atenção de usuários e autoridades brasileiras.

Isto porque o retorno, conseguido por meio de uma manobra técnica na forma de hospedagem na rede social na internet, desafia uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que desde o dia 31 de agosto suspendeu o funcionamento da rede social do bilionário Elon Musk no Brasil.

Ainda na quarta-feira, Moraes reagiu. Em uma decisão que tem validade a partir desta quinta (19/9), o ministro Alexandre de Moraes determinou que a rede social retome o cumprimento do bloqueio imediatamente.

Caso a ordem não seja atendida, a empresa será multada em R$ 5 milhões por dia de violação.

Como o X fechou seu escritório no país, Moraes estabeleceu também que a multa poderá ser cobrada da Starlink, outra empresa de Musk que mantém atuação no Brasil.

Em sua nova decisão, o ministro determinou, ainda, que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tome providências imediatas para reestabelecer o bloqueio da rede social e informe ao STF em 24 horas quais foram as medidas tomadas.

Mas como a rede conseguiu burlar, ainda que parcialmente, o bloqueio imposto pela Justiça brasileira e voltar a funcionar no Brasil?

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Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o retorno da rede só foi possível graças a uma mudança técnica que teria "driblado" os bloqueios impostos pelos provedores de telefonia e internet do Brasil.

Segundo eles, o X passou a hospedar o seu conteúdo em uma rede conhecida como Cloudflare, uma das mais abrangentes do mundo. Ao fazer isso, o bloqueio anteriormente feito pelas operadoras brasileiras passou a não surtir mais efeito.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem quanto ao objetivo da mudança. Para um deles, seria temerário afirmar que a mudança adotada pelo X teria como objetivo principal dar um "drible" na determinação de Moraes.

Para outro, haveria evidências de que a manobra feita pelo X teria como objetivo específico burlar a ordem do STF.

Em nota enviada após a publicação da reportagem, o X afirmou que a volta da rede social em algumas partes do Brasil foi "inadvertida e temporária".

"Embora esperemos que a plataforma fique inacessível novamente no Brasil em breve, continuamos os esforços para trabalhar com o governo brasileiro para retornar muito em breve à população do Brasil", diz a nota, que não menciona a Justiça brasileira.

O comunicado afirma também que de fato houve uma mudança no servidor usado.

"Quando o X foi suspenso no Brasil, nossa infraestrutura para fornecer serviço para a América Latina não ficou mais acessível à nossa equipe. Para continuar fornecendo um serviço de excelência para nossos usuários, mudamos de servidor. Essa mudança resultou em uma restauração inadvertida e temporária do serviço para usuários brasileiros", diz o texto.

Bloqueios e 'caminhões de placas trocadas'

O diretor de tecnologia da empresa Sage Networks, Thiago Ayub, explicou à BBC News Brasil como se deu a mudança que permitiu o retorno do acesso ao X ao país.

Ele disse que, anteriormente, o X hospedava os seus serviços em seus próprios provedores.

Agora, ele explicou, o X passou a utilizar uma rede terceirizada, a Cloudflare, uma das principais empresas do setor de hospedagem de conteúdo e cibersegurança.

O especialista disse que, quando o STF determinou o bloqueio do X no Brasil, as operadoras e provedoras de internet do Brasil acataram a ordem negando o acesso aos endereços IPs dos provedores do X no país.

Agora, no entanto, o conteúdo encontra-se em outro endereço e fora, portanto, da lista de endereços bloqueados anteriormente.

Ayub compara os provedores a empresas de logísticas que, para fazer uma entrega, precisam usar caminhões.

Segundo ele, é como se em vez de usar caminhões com placas vedadas pelo bloqueio do STF, o X estivesse usando os "caminhões" da uma empresa diferente com placas que não estavam na lista usada pelas operadoras até então.

Como as placas são distintas, o bloqueio não funciona.

"Cada conexão de internet possui um número de identificação chamado endereço IP. Ele é parecido com uma placa de carro. Esse novo servidor, como usa outra estrutura, é como se fosse um outro caminhão com outra placa, e por isso não fazia parte da lista de bloqueio inicial", disse.

Risco de apagão?

Para Ayub, a medida adotada pelo X criou um problema adicional ao STF, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e às operadoras e provedoras de internet no Brasil.

Segundo ele, para tirar o X do ar novamente, seria necessário, em princípio, bloquear o acesso à rede Cloudflare.

Isso poderia prejudicar uma série de outros serviços, com bancos, plataformas baseadas na internet e até mesmo os pagamentos via Pix.

"A situação é bastante complicada. Bloquear os servidores da Cloudlflare seria, por tabela, bloquear todos os clientes que utilizam os mesmos serviços. Várias empresas importantes do exterior e do Brasil têm sites hospedados indiretamente pela mesma infraestrutura. Isso poderia resultar num apagão de diversos sites populares no Brasil", disse.

Ayub afirmou que as operadoras e provedoras de internet do país ainda não se decidiram sobre o que farão agora.

David Nemer, especialista em antropologia da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, avalia o dilema de forma parecida.

"As operadoras podem bloquear a Cloudflare, mas vai bloquear a plataforma toda, afetando sites e serviços que não têm nada a ver com o X", disse.

Segundo Nemer, a única alternativa técnica para que o X fosse novamente bloqueado no Brasil seria a própria Cloudflare fazer este bloqueio. O problema, segundo Nemer, é que a empresa também não teria um representante no Brasil.

Já Felipe Autran, advogado constitucional, afirmou acreditar que a Cloudfare cooperaria com os órgãos brasileiros, "já que são um grande provedor para muitas empresas brasileiras e também para o governo".

A Cloudflare não quis se posicionar quando contatada pela BBC.

Intencional ou não?

Para Ayub, ainda não haveria evidências para atribuir a mudança à uma tentativa deliberada do X de burlar a proibição imposta pelo STF.

"Seria ousado deduzir que a intenção fosse burlar a decisão judicial, mas na prática, é isso que acaba acontecendo. A gente só poderia cravar que a intenção tinha um dolo se a empresa se manifestar. Mas o timing surpreende muito porque essa mudança acontece após a proibição", disse.

Já para Nemer, haveria indícios de que a manobra teve como objetivo desrespeitar a ordem de Moraes.

Nemer disse que, ao checar os endereços dos servidores usados pelo X ao redor do mundo, verificou que apenas o acesso do Brasil estaria sendo feito por meio da Cloudflare.

Segundo ele, em todos os outros países, o acesso estaria sendo feito por meio dos servidores próprios do X.

"O Musk fez essa alteração no Brasil. Somente no Brasil, a entrega do conteúdo do X está sendo feita pelo servidor da Cloudflare", disse à BBC News Brasil.

A disputa

A disputa legal entre o STF e a rede de Musk culminou na suspensão da plataforma no Brasil no fim de agosto.

A decisão foi tomada após a empresa não atender a uma série de ordens judiciais, que incluíam a nomeação de um representante legal no país e a remoção de perfis e conteúdos específicos.

Enquanto o STF insiste no cumprimento das determinações, Musk tem se recusado a obedecer, acusando o Judiciário brasileiro de ameaçar a democracia.

O bilionário defende que suas ações fazem parte de uma luta pela liberdade de expressão.

No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela decisão, rebate afirmando que Musk confunde liberdade de expressão com o direito de praticar agressões verbais.

Até o momento, o X continua sem designar um representante legal para atuar no Brasil.

A BBC News Brasil enviou perguntas à Anatel e ao STF sobre o retorno do funcionamento do X no país.

O STF disse, por e-mail, que não tem informações para dar sobre o caso.

Em nota, a Anatel não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem, mas disse que "mantém a fiscalização a respeito da ordem de bloqueio" feita pelo STF e que o "resultado desse acompanhamento é reportado diretamente" à Corte.

*Com informações de Ben Derico e Lily Jamali, da BBC News