Por que número de peruanos que abandonam seu país quadruplicou
- Author, Pierina Pighi Bel
- Role, BBC News Mundo
- Twitter,
Seus pais, irmãos e tios já estavam nos Estados Unidos há pelo menos sete anos, mas JC permaneceu no Peru para ir à faculdade.
Finalmente, ele foi convencido a se juntar aos familiares nos EUA, principalmente por conta da violência em Lima, a capital peruana.
“A pandemia foi forte, muitos parentes meus foram embora, a situação não ficou boa por conta dos governos que iam e vinham. Além disso, meu bairro não era tranquilo”, diz JC, que prefere não se identificar, à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
O jovem de 30 anos conta que já foi vítima de extorsão no Peru.
"Como sabiam que minha família estava aqui [nos EUA], me ligavam de uma prisão para pedir dinheiro, eles achavam que eu tinha muito dinheiro. Então tomei a decisão de vir."
“Tive que largar o emprego e começar do zero.”
Em 2022, ele viajou Lima ao México, pediu asilo na fronteira com os EUA e chegou a Paterson, Nova Jersey, na costa leste do país.
JC foi um dos 401.740 peruanos que deixaram o país em 2022 e não retornaram, segundo dados enviados pela Superintendência Nacional de Migração do Peru à BBC News Mundo.
Até junho de 2023, o número subiu para 415.393.
Os números são quase quatro vezes maiores do que os de 2021, ano em que 110.185 peruanos deixaram seu país e não voltaram.
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“Trabalhei em diversas áreas: construção, colocação de teto, como garçom, como lavador de louças... Até que surgiu a oportunidade deste restaurante”, diz JC, referindo-se ao estabelecimento que administra em Paterson, aberto há alguns meses com parentes que já moravam na cidade.
Alejandra, de 28 anos, também mora em Paterson. Ela saiu do Peru em 2022 “por motivos econômicos” e prefere não divulgar o sobrenome.
“Estudei comunicação na faculdade. Mas eu estava passando por um momento ruim na minha carreira. Eu trabalhava em um canal conhecido no Peru, como repórter. Mas eu não tinha contrato fixo, apenas [trabalhos] esporádicos”, conta à BBC News Mundo.
“Eu queria algo fixo. Mas vieram as greves, as manifestações. Além disso, os jornalistas estavam sendo agredidos, então não me via mais ali”, lembra a jovem.
“Uma amiga disse que estava vindo [para os EUA], então eu disse: vou tentar e ver o que acontece”.
Ela voou de Lima para a Cidade do México. Depois, pediu asilo na fronteira com os EUA e agora trabalha numa padaria.
Desde que chegaram, JC e Alejandra não retornaram ao Peru e esperam regularizar sua situação migratória.
Além dos EUA, os principais destinos dos peruanos são Espanha, Chile e México — embora isso não signifique que eles tenham necessariamente permanecido ou se estabelecido nesses locais.
O fato de o México ser um dos destinos mais escolhidos fez analistas consultados pela BBC News Mundo suporem que a intenção de muitos peruanos é na verdade chegar à fronteira com os EUA e pedir asilo.
Mas a que se deve esse aumento na saída de peruanos? Aqui estão quatro possíveis motivos, segundo entrevistados.
1. Pandemia e crise econômica
A última onda de aumento da emigração peruana havia ocorrido em 2018, mas o fechamento das fronteiras devido à pandemia interrompeu a tendência em 2020, segundo dados da Superintendência Nacional de Migração.
“Durante o boom econômico (2010-2017), poucos peruanos viram melhorias significativas nas suas vidas. Houve problemas que não foram resolvidos na educação, na saúde, no acesso à água. Isso é parte das razões pelas quais a emigração começou a aumentar em 2018”, diz Ulla Berg, autora de dois livros sobre a emigração peruana, à BBC News Mundo.
Agora que as fronteiras estão novamente abertas, “a tendência está se recuperando”, diz a socióloga Tania Vásquez, especialista em demografia e migração do Instituto de Estudos Peruanos (IEP).
Porque tal como a pandemia interrompeu a curva ascendente de emigração, agora os seus efeitos econômicos podem favorecê-la.
Em 2020, a economia do Peru contraiu 11%, segundo o Banco Central de Reserva (BCR) do país.
Enquanto isso, em 2022 a pobreza aumentou 1,6% em relação a 2021 e 7,3% em relação a 2019, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Lares do Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI) do Peru.
“O governo lidou muito mal com a pandemia. As pessoas tiveram que consumir as suas pequenas poupanças enquanto a economia estava paralisada”, critica Teófilo Altamirano, autor do livro Éxodo: Peruanos en el exterior.
“A pobreza aumentou, o que gera insatisfação nas famílias... As crianças não têm acesso a uma boa educação, a uma boa saúde.”
2. Crise política
Para Altamirano, a crise política que atinge o país há pelo menos cinco anos — o Peru teve seis presidentes desde 2018— também traz dificuldades econômicas.
“Isso cria uma grande instabilidade na economia para o investimento estrangeiro. Os investidores tiveram de recuar porque não conseguem planejar a longo prazo. Isso se traduz na estagnação, no declínio da economia peruana, do PIB”, acrescenta o autor.
A combinação da crise econômica com a instabilidade política "fez com que as pessoas dissessem 'não há nada para nós aqui'", diz Ulla Berg, que acredita que agora "mais peruanos pensam que têm mais chances de receber asilo nos EUA do que na década passada, quando seu país era mais estável.”
3. Violência
Nada menos que 80% dos peruanos dizem que se sentem muito inseguros ou algo inseguros nas ruas do país devido à delinquência e ao crime organizado, de acordo com a última pesquisa do IEP sobre o tema, de junho de 2023.
“Quando entrevisto pessoas que agora estão emigrando, elas me dizem que uma parte importante [de sua decisão] é a preocupação com a segurança de suas famílias, como elas vão crescer neste país inseguro”, diz Vásquez.
Altamirano também acredita que “há insatisfação em continuar morando no Peru devido à insegurança cotidiana dos cidadãos”.
A violência no Peru piorou durante a pandemia, à medida que mais e mais pessoas ficaram desempregadas, diz Ulla Berg. Segundo a especialista, muitos dos peruanos que solicitam asilo denunciam que já sofreram extorsão, como é o caso de JC.
“Muitas pessoas sentem que as suas vidas estão em perigo como resultado desta violência generalizada, mas também dirigida a pessoas com pequenos negócios ou famílias no estrangeiro”, diz Berg.
A pesquisa do IEP afirma que 42% “relatam ter sido vítimas de crimes nos últimos três anos”. No último ano, 28% afirmam ter sofrido algum crime.
4. Redes migratórias
Apesar da gravidade dos problemas apresentados anteriormente, Vásquez não acredita que eles necessariamente sejam os principais. Ela aponta outro fator que considera muito importante.
"Uma das razões que considero fundamental é a 'causalidade cumulativa'", afirma. "Cada vez que um país experimenta a emigração, criam-se redes migratórias nos destinos para onde se vai. Quando essas redes existem, há sempre mais emigração."
Desde as emigrações peruanas nas décadas de 1980 e 1990, provocadas por crises econômicas e conflitos armados internos, estas redes cresceram e diversificaram-se, segundo a socióloga.
Em 1992, havia cerca de 1,5 milhão de peruanos no exterior, o triplo do que havia em 1981, segundo estudos de Altamirano.
Entre 1990 e 2020, os peruanos no exterior totalizavam 3.309.635, 10,1% da população do país em 2020, segundo dados do INEI.
“Há famílias mais móveis, mais transnacionais. Antes não tínhamos essas famílias no Peru. Há mais recursos para emigrar, mais experiências acumuladas, práticas de mobilidade que não tínhamos nos anos 1990”, explica Vásquez.
Berg discorda dessa hipótese.
“A causalidade cumulativa pode explicar a existência de uma infraestrutura migratória que ajuda as pessoas a sair, pedir dinheiro emprestado e se estabelecer no exterior, mas não pode explicar por que os peruanos partem em tão grande número dentro de tão poucos anos.”
“A crise econômica e política, a violência e o crime como resultado de problemas sociais não resolvidos, e o impacto da pandemia são partes importantes da imagem que explica por que isto está acontecendo agora."
Altamirano e Vásquez também defendem que o termo “emigrantes” seja evitado por enquanto.
“A emigração é medida quando a pessoa sai por mais de um ano”, esclarece Altamirano.
“Vamos esperar até 2024, 2025, para ver se são mesmo emigrantes no sentido estrito da palavra. Aí podemos dizer quantos são emigrantes e quantos não são. É preciso muito mais pesquisas para dizer que 400 mil peruanos emigraram em 2022. Vamos ver se isso vira padrão.”
Vásquez acredita que “não seria correto dizer que estamos testemunhando um êxodo”.
“Isso pode mudar em alguns anos porque esses peruanos podem retornar. Resta ver o real saldo migratório."