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'Nosso relacionamento é um movimento político', diz influenciadora e cadeirante que namora rapaz sem deficiência
- Author, Felipe Souza
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Em uma madrugada ociosa, a estudante de design gráfico Marina Melo, de 20 anos, resolveu instalar um aplicativo de relacionamento para passar o tempo.
Depois de deslizar o dedo incontáveis vezes para rejeitar perfis, eis que aparece um rapaz que dizia cursar filosofia e usava uma fantasia de Homem Aranha.
"Eu amo o Homem-Aranha e também sou um pouco filosófica, então aquele foi o motivo de eu dar sim e aconteceu o match. Desde então, dia 29 de junho de 2023, eu não fiquei um dia sem conversar com o Victor", conta Marina em tom apaixonado em entrevista à BBC News Brasil.
Marina foi diagnosticada aos 8 meses com atrofia muscular espinhal (AME), tipo 2, e por isso nunca conseguiu andar.
Hoje, a estudante trabalha como influenciadora e criadora de conteúdo e, em suas redes sociais, busca combater preconceitos contra pessoas com deficiência.
Marina publica vídeos principalmente no TikTok e Instagram sobre o seu dia a dia, dicas de maquiagem e, claro, sobre seu relacionamento com o estudante Victor Martins Rodrigues, de 23 anos.
Para a estudante, isso têm a função de ajudar outras pessoas com deficiência a se aceitarem.
"Eu falei para o Victor que, a partir do momento que a gente tornasse o nosso relacionamento público, ele se tornaria um relacionamento político", afirma Marina.
"Nosso relacionamento é um movimento político, porque prova que pessoas com deficiência podem sim amar e serem amadas."
Victor concorda e diz que espera que outras pessoas vejam neles um exemplo de amor verdadeiro e sem barreiras.
"Quero que olhem para a gente e vejam a possibilidade de amar. Não ter vergonha de amar, não ter vergonha de gostar da pessoa que você ama mesmo contra o que a sociedade pensa", diz.
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Marina conta que, desde o começo, deixou claro no aplicativo de paquera que é uma pessoa com deficiência.
Inclusive, publicou em seu perfil duas fotos em que aparece em sua cadeira motorizada.
Victor, que cursa o nono semestre de filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que curtiu o perfil da Marina no Tinder porque se impressionou com a beleza dela e não se importou pelo fato dela estar em uma cadeira de rodas.
"Eu estava entediado, abri o aplicativo e comecei a passar para o lado. A primeira coisa que pensei quando bati o olho foi: essa mulher é uma deusa grega! Nunca tinha me relacionado com uma mulher com deficiência", conta Victor.
Chantelle Otten, especialista em relacionamento do aplicativo de encontros Bumble diz que ter uma deficiência não significa que a pessoa precisa se afastar do mundo dos encontros. E ressalta que atitudes como a de Marina, de deixar claro sua condição, é a ideal.
"Ser honesta no início mostra que, embora ter uma deficiência seja parte de quem a pessoa é, não é a única característica que a define como pessoa. Recomendamos que ela fale sobre todos os hobbies e paixões interessantes que fazem parte de suas experiências de vida”, diz Otten.
Ela diz que a pessoa também pode falar sobre as perspectivas exclusivas que acompanham sua deficiência, como um profundo entendimento de empatia e compaixão ou uma abordagem criativa para a solução de problemas.
"Isso permite que os possíveis parceiros entendam que ter uma deficiência não limita a vida, mas a expande", afirma Otten.
Dez dias depois da primeira conversa no aplicativo, Marina e Victor, tiveram o primeiro encontro em um shopping no Rio de Janeiro.
O primeiro beijo, no entanto, só aconteceu na segunda vez que eles se viram.
"Fui até criticada pela minha mãe por não beijá-lo no primeiro encontro. Ela disse que estatísticas mostram que beijar faz bem para a saúde", conta Marina dando gargalhadas.
Ela conta que chegou a ter dois relacionamentos curtos, aos 14 e 16 anos, mas só ao lado de Victor se sentiu à vontade para ser autêntica.
A estudante conta que hoje sente ter mais autonomia e independência, diz que parou de se autossabotar e afirma estar muito mais feliz.
"Ele fez eu entender que a minha deficiência é só uma característica, assim como minha mãe já dizia. Fez eu entender que, se eu tiver apoio, eu consigo fazer tudo. Fez eu entender que, se eu tiver apoio, eu consigo fazer tudo", diz Marina.
"Foi com ele que eu peguei metrô pela primeira vez. Eu nunca andei tanto na rua depois de conhecer ele. Ele me ensinou que o mundo pode, sim, ser acessível se as pessoas estiverem dispostas a torná-lo, assim como ele.”
Uma nova rotina
A atrofia muscular espinhal tipo 2 é uma doença degenerativa que causa graves restrições de mobilidade.
Pessoas com AME 2 podem se sentar sem a necessidade de suporte, mas podem perder essa habilidade com a progressão da doença. Algumas pessoas conseguem ficar em pé, mas não conseguem andar de maneira independente. Muitos apresentam contraturas e deformidades articulares, incluindo escoliose grave.
Pessoas como Marina também têm dificuldades respiratórias e podem necessitar de suporte para respirar no período durante o sono e manobras para remoção de secreção.
Victor também já teve relacionamentos anteriores e diz que a experiência ao lado de Marina traz diversas mudanças na rotina de uma pessoa acostumada a conviver com pessoas típicas.
"Muda muita coisa. Antes, eu costumava ficar até de madrugada na rua. Sair para ir a um bar hoje é difícil porque não pode ser muito longe da casa dela, pois a rua não é acessível e mudou a minha perspectiva do que é um relacionamento. Eu entendi de verdade o que é gostar de alguém", diz.
Victor diz que, em seus relacionamentos anteriores, ele tinha uma relação menos profunda.
Isso ocorre porque, nos momentos em que está com Marina, Victor a ajuda em todas as tarefas básicas do dia a dia, como tomar banho, trocar de roupa e beber água. Ele conta que usa o humor para tornar essas atividades divertidas.
"Enquanto eu lavo o rosto dela, fico fazendo palhaçada para ela rir. Então, essas coisas naturais do dia a dia se tornam divertidas", conta.
Beijos contra o preconceito
Marina e Victor dizem que são constantemente observados com olhares de julgamento quando saem às ruas. São pessoas que não chegam a falar, mas demonstram incômodo pelo fato de uma pessoa típica namorar uma mulher cadeirante.
Após conviver com a situação, o casal desenvolveu uma técnica para deixar fazer com que essas pessoas fiquem constrangidas: dar um beijo.
"Todo mundo olha uma pessoa com deficiência. Quando isso acontece, o Victor encara muito feio essas pessoas e fica irritado. Ele pede para me dar um beijão para deixar a pessoa bem desconfortável e a gente se diverte", conta.
Ela disse que as reações quando isso acontece vão desde achar a cena “bonitinha” a fazer uma nova expressão de surpresa e desconforto.
Mas em algumas ocasiões as reações preconceituosas ultrapassam a barreira dos olhares e se tornam verbais. Victor conta que, certa vez, um homem parou para perguntar se ela era irmã dele. Outro perguntou a Marina se poderia rezar por ela.
"Eu fico possesso de raiva. Olhei para a cara dessas pessoas e peço para se tocarem. A Marina sempre pede para eu me acalmar e não fazer nada. Algumas vezes eu ainda xingo, mas vou embora", diz Victor.
Ao ser questionada o quanto esse comportamento preconceituoso a incomoda, Marina responde que não o suficiente para que eles deixem de fazer demonstrações públicas de afeto.
Victor conta que já ouviu até mesmo de pessoas próximas que "é um guerreiro" por namorar uma cadeirante. Ele relata que responde que não é guerreiro e está com ela porque a ama sem se importar com sua condição.
Quase um ano depois de se conhecer, o casal diz que se encontra com frequência, faz passeios juntos e inclusive faz muitas viagens e planeja o futuro.
Marina sonha em morar em São Paulo. "Eu tenho um amorzinho interno pela Vila Olímpia (bairro da Zona Sul da capital paulista)", conta ela à reportagem.
Victor ainda não se acostumou muito com a ideia e diz que vai sugerir um meio termo que ainda não pensou.
Ele sonha em ser pai. Marina pode ser mãe e poderia engravidar, mas neste ponto é ela quem oferece mais resistência.
"Não acho que é para mim. Ou talvez eu ainda tenha uma cabeça de menina jovem. Eu já tenho muita restrição, mas ao mesmo tempo eu gostaria de ter o processo de criar alguém para o mundo", diz ela que reconhece estar em dúvida sobre maternidade.
Mas, para ambas as questões, os dois dizem que não sentem pressa em respondê-las.
Marina hoje diz que vai focar na criação de conteúdo nas redes para dar voz a minorias e que vai se preocupar com mudança de cidade e filhos daqui alguns anos.
"Nada disso é para agora. Quem sabe em 2030."
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