BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Brasil reduziu pela metade o número de partos de mulheres adolescentes na última década, depois de anos de estagnação. Com isso, o país pode fechar 2024 abaixo ou muito próximo da média mundial de fecundidade adolescente pela primeira vez.
Dados preliminares do Sinac (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos) apontam que, no primeiro semestre deste ano, foram realizados 141 mil partos de mulheres entre 10 e 19 anos. Em 2014, no mesmo período, haviam sido 286 mil.
Esses números seguem tendência que começou em 2015, primeiro de nove anos consecutivos de redução constante da taxa de fertilidade entre adolescentes.
"As adolescentes estão mais espertas, têm mais acesso aos serviços de saúde e maior escolaridade que as adolescentes anteriores. Quando elas estudam, conseguem enxergar outra perspectiva de vida, buscam crescer profissionalmente, sem que a vida seja ser mãe", diz a ginecologista Denise Leite Maia Monteiro, professora de obstetrícia da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e diretora da Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência.
Denise diz identificar uma crescente conscientização familiar. "A mãe da adolescente mudou e hoje leva filha com 10 ou 12 anos de idade para começar a orientação para que quando iniciar a vida sexual, não engravide", afirma a médica, que mantém um projeto de atendimento de adolescentes na Cidade de Deus, no Rio.
A tendência de diminuição de fertilidade no país não é fato novo, mas no decênio anterior, entre 2004 e 2014, o ritmo de redução de partos entre adolescentes foi mais lento do que dos demais grupos etários.
Desde então, a curva se deslocou. Se em 2014 os partos de jovens representava 18,9% do total, em 2023 esse índice caiu para 11,9%.
"Uma pesquisa nos anos 1990, que teve influência muito grande, trazia a percepção de que os adolescentes conheciam os métodos contraceptivos, mas entre conhecer e usar havia a ponte da segurança", aponta a coordenadora do programa do Adolescente da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Albertina Duarte.
"As meninas adolescentes tinham medo de não agradar e, os meninos, de falhar. Teve uma mudança de eixo, com mais discussão sobre autoestima, mais diálogo."
De acordo com a médica, isso veio combinado com maior oferta gratuita de métodos anticoncepcionais e mudança de abordagem. "Ao invés de ser juiz e sensor na abordagem, os profissionais de saúde e professores passaram a ter escuta maior. O fato de se discutir mais a questão da equidade, de se discutir o papel do homem, de desculpabilizar mais a adolescente, também foram fatores importante", declara Albertina.
Florbela Fernandes, representante do UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) no Brasil, diz que os contextos e as vivências não são homogêneos e lista fatores múltiplos para a redução.
"Avanços nos níveis educacionais, ampliação no acesso a informações e a serviços de qualidade de saúde e a métodos de contracepção apropriados, projetos de vida que dialogam com a maior participação feminina no mundo do trabalho, mudanças legislativas mais restritivas para os casamentos infantis e as diversas violências de gênero, entre outros", diz.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera que a adolescência dura toda a segunda década de uma vida. As estatísticas populacionais, porém, dividem esse grupo em dois. Um, de 10 a 14 anos. Outro, de 14 a 19.
Para a maior parte do primeiro grupo, a gravidez é derivada de um estupro, já que no Brasil é crime "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos". Em 2023, 13.934 meninas tiveram filhos no país antes de completarem 15 anos. O número é considerado expressivo, mas 50% menor do que os 28 mil partos de 2014 na mesma faixa etária.
Enquanto a taxa de fecundidade no Brasil caiu de 3,46 para 1,9 entre 2014 e 2023, a taxa mundial é de 1,05.
"A cada meia hora uma menina de 10 a 14 anos é mãe. É uma taxa muito alta. A ligação com os setores da educação e culturais é fundamental, porque sabemos que adolescente que tem um grupo cultural, esportivo, escolar, ou até um grupo religioso, vai ter mais habilidades para reduzir a chance de uma gravidez", afirma Albertina.
No caso das adolescentes mais velhas, de 15 a 19 anos, a queda no número de partos se acentuou a partir de 2019 e não foi revertida nem no auge da pandemia.
"Durante a pandemia, a OMS fez a estimativa de que a gravidez na adolescência iria aumentar, porque as meninas iam ficar sem acesso a contraceptivos. Em alguns países da África, aumentou, mas no Brasil reduziu, porque o SUS [Sistema Único de Saúde] não parou e elas tiveram acesso à contracepção. Da mesma forma, muitas meninas não saíram de casa e não engravidaram por isso, também", diz Denise.
A ginecologista tem a percepção de que a pandemia segue influenciando a redução dos casos de gravidez na adolescência no Brasil. Ela conta que tem sido cada vez mais comum em seu consultório mães que reclamam que as filhas não saem de casa e hoje têm uma vida online.
Ao mesmo tempo que as redes sociais passam a impressão de um aumento da sexualização de adolescentes, também inibem o ato sexual. "Eu nunca atendi tanta menina de 17, 18 anos, virgem. Elas se acostumaram com a vida online e não precisam sair de casa para se relacionar."
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.
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