Fala Ó! Não precisa de muita observação para perceber que o hábito de saudar alguém está em total em desuso.
Nem sei se isso é um dado da atualidade, que atesta que nos tratamos cada vez mais com indiferença, ou se nossos universos guardados em celulares são mais cativos do que a realidade ou, ainda, se ficamos mais mal-educados, mesmo.
Claro, em campos visuais a gente se vê, mas não se enxerga. Para mim, ver é um ato ligado à situação geográfica. Vejo algo ali que até pode ser alguém, mas como não é alguém para mim, logo volta a ser só algo.
Enxergar é mais conectivo, interpretativo e generoso. É um tipo de ver além, como se enxergar nos conferisse certa condição de comunidade.
Precisava dessa filosofada fajuta para falar de um cara que enxergava e que, por enxergar, também queria ser enxergado. Esse cara se chamava João Lopes de Camargo e foi onipresente no centro de Campinas dos anos 1940 até 2003.
Quem foi Mané Fala Ó?
A geração que não assistiu ao Brasil ser campão da Copa do Mundo de 1994, não teve a oportunidade de conhecer o “Mané Fala Ó”. Filho de Antonio Lopes e Maria Alves, João nasceu no dia 23 de junho de 1931, em Campinas.
Dizem que ele teve uma intercorrência médica em seus primeiros dias de vida, o que fez ter uma relação com vida diferente. Por décadas ele vendeu jornal e prestava serviços aos lojistas do Centro de Campinas, quando o Centro era o centro de tudo.
O “fala Ó” do Mané diz respeito a uma forma muito campineira de se cumprimentar. Em Campinas ninguém falava “Oi”, só se falava “Ó”. E a “brisa” do mané era pedir que as moças lhe dissessem “Ó”.
Era insistente e as moças que não conheciam o mais famoso personagem das ruas de Campinas no século XX, se assustavam e corriam, com mané no encalço, pedindo que elas dissessem “Ó” para ele.
Mas, era só isso:
-Menina, fala ó pra mim!
Falado o “Ó’ ele seguia seu rumo.
Não existia qualquer outro interesse de Mané para com as moças, a não ser o “Ó” literal.
O tempo foi passando e, com o avanço da idade, Mané parou de pedir e passou a receber pedidos para que dissesse “Ó.
A figura foi atropelada por um Monza. Mané não resistiu aos ferimentos e morreu no dia 23 de dezembro de 2023.
João Lopes de Camargo foi sepultado no Cemitério da Saudade de Campinas, junto ao Mané e o cumprimento mais Campineiro da história.
Virou samba, enredo e inspiração para outras manifestações artísticas. Passou um tempinho sumido, mas hoje ele ressurgiu no Cemitério da Saudade, com uma placa que destaca sua presença e memória.
E se alguém for lá, já sabe como cumprimentá-lo, né?!
Quem é Thiago de Souza?
Thiago de Souza é compositor, roteirista e humorista, fundador do grupo “Os Marcheiros” e idealizador do projeto “O que te Assombra?”. Ele também é o criador do programa de políticas públicas para preservação de patrimônio material e imaterial chamado “saudade e suas vozes” já implementado nas cidades de Campinas e Piracicaba. Tem mais histórias assombrosas no Tudo EP (clique aqui pra acessar).
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